sexta-feira, 19 de agosto de 2011

a barcarola ou à procura de um poema



procurei em todos os 366 poemas aquele que melhor
definisse hoje o amor, palavra difícil.
o amor em si representa uma forma insegura uma dualidade incerta
as duas faces da moeda -
lembro-me do soneto quarenta e quatro de Neruda:
A palavra é uma asa de silêncio,
E o fogo tem a sua metade de frio
. compreendes.

o dia decorreu límpido, molhei os pés no mar.
coloquei um pouco de água nos lábios.
secaram ínfimos sinais de sal por sobre a pele
e recordei Cesário:
Eu que sou feio, sólido, leal,
A ti que és bela, frágil, assustada,…

quantas vezes te disse: não tenhas medo.

de calções verdes demorei-me junto às rochas
enquanto nos cabelos curtos por trás dos ouvidos
uma barcarola entoava a melodia, amolecia a alma
mas de uma forma boa, como um embalo
e os versos de Vinicius:

Amo-te tanto, meu amor… não cante
O humano coração com mais verdade
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade


a diversidade, o condimento, as brasas acesas.

no fim do dia o minimercado e o voltar a casa
a salada de alface, algumas notícias, a crise
um atentado para os lados do Egipto.
não fixo nada de bonito, frases feitas, falta de poesia.

será que há algum poema perfeito sobre o amor?
aquele que possa colocar numa bandeja
em papel beige perfumado e em letras de caligrafia
de cantos queimados, forma ingénua e decorativa?
um poema ideal, completo e que te ilumine o rosto?

são duas da madrugada. porfio na procura
mas há sempre algo a mais e algo a menos
nas palavras dos outros, procuro também as minhas.
ocorre-me de novo Pablo e o mesmo soneto:

…amo-te para começar a amar-te
Para recomeçar o infinito…


versos que tudo definem
o permanente recomeço, a surpresa,
o início que pode ser pequeno mas a que sempre se deve
acrescentar outro tanto, e mais ainda, tornando-o grande
cintilante, brilho e mais brilho …
concluo que o amor é uma palavra exigente
multifilamento como uma cor única e branca
escrita no arco-íris, construída de tantas -

encontro de novo Vinicius:

Amo-te tanto, meu amor…
E de te amar assim muito e amíude
É que um dia em teu corpo de repente
Hei-de morrer de amar mais do que pude.


a hipérbole, o Amor Total
uma ponte simbólica e magnífica -

desculpa-me. não encontrei ainda o mais completo. mas vislumbro caminhos -
e como num poema A súplica a Eros:

A minha vida está suspensa.
O tempo arde.
A noite é imensa.
Conto os minutos pelo espelho.



José Ferreira 19 Agosto 2011