domingo, 25 de setembro de 2011

sobre o amor solúvel e a insensatez



o pior de um último acontecimento
a indiferença
temo que aconteça - disse, olhando o lago -

caíram três gotas de nuvens, as arestas e as notas do piano,
pontiagudas -
o rosto soou como um vidro partido, um ar escuro e o vazio
na impermanência da janela,
qual plano inclinado da planície que mistura verde e castanho,
arbustos, árvores e terra, o longínquo de uma lã,
os latidos de um cão grande, a capa grossa e um rebanho,
ínfimo, no ponto distante do plano, na perspectiva
sem fim, e sem saída -

as notícias falam de crise, os factos juntam-se no possível precipício -

muito ao fundo corre a linha d’água, o trajecto, o pormenor diluído,
nada se distingue de original; apenas tudo igual, apenas similar a tudo;
não houve o deslumbre, o arco-íris, o peso de chumbo no cristal antigo -
resta o presente, imprevisto mas exacto, como a rotação e o eixo, o dia e a noite,
a lua infinita -

o pior de um acontecimento, recente
Setembro, o mês de vindimas, os cachos loiros e outros de veludo
azul, um líquido impossível, néctar doce que acidula
e ganha o corpo, a densidade que se oxida e vaporiza
o morno quente, passados anos, alguns de vida -

e depois a impreparação para o súbito
o derrube
e a ausência -

e o silêncio -

José ferreira 25 Setembro 2011