segunda-feira, 26 de abril de 2010
para que os peixes saibam
Amadeu Sousa Cardoso "Entrada"
nunca por nunca de qualquer modo
quis pálpebras tristes janelas fechadas
sem asas sem aves sem árvores.
corro.corro. junto ao jardim da buganvília
à fonte da boca d'água e cara de teatro.
desço.desço. a rua inclinada
até à margem só de madrugada
de orvalho sem vivalma. e grito. grito.
para que todos os peixes saibam
que nunca. nunca por nunca
quis teus olhos tristes
os braços como espadas
os ombros altos de muralhas
e os lábios a sete chaves
sem o sopro das palavras.
Dying Mannequin
Tens quilómetros de vida debaixo do vestido
restos de documentos históricos célebres
praças chumbadas a geometria descritiva
e ainda assim nódoas negras belíssimas
lesões que dão flor na primeira primavera
de cada mês
rotundas iluminadas por minúsculas intempéries
a circulação condicionada nas artérias
de maior afluência e imperícia.
Tens, em certa medida, um apartamento
com vistas para a intermitência de riscos
e promessas de enciclopédia na pele
onde a vastidão e as areias convencem
e os olhos repetem estranhas litografias:
uma caixinha consagrada à convergência
de um homem melhor no seu mistério
a noite, como uma jóia irrequieta qualquer
dentro da caixinha
e principalmente um pedaço de juventude
acrítica e leve
posta à prova num livro entreaberto
censurado pelo vento e lido pela líbido
e os direitos autorais do teu suor
agora sou eu que os protejo e incito.
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