quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

a segunda Gioconda


Gioconda Louvre


Gioconda do Prado


uma outra Gioconda sem a mão de Leonardo, dizem em França.
consta que na mesma época desde os anos sessenta
um século antes da Bastilha e de um povo armado de forquilhas.
não afirmo, mas li no Figaro
jornal com o nome de ópera -

segundo dizem os especialistas
viu a mesma luz nos mesmos dias mas não houve boda
nem flutes de gancia ou de espumante gasoso
pois não consta qualquer casamento nem da primeira nem da segunda
não houve concordância de famílias, nem na Gallery de Londres
nem nas pirâmides do Louvre nem tão pouco no Museu de Madrid;
uns copistas estes latinos, mas ao certo nem o nome;
verdadeiramente lamentável –

na última, talvez uma maior luminosidade
um azul mais condizente com a manhã de Itália e uma serra de Bergamo
mas nada que se compare na subtileza do sorriso
aos dedos do mestre; o sfumato, a técnica, dizem os especialistas
não afirmo, mas li no Figaro –

mas pergunto de que vale o quadro sem a assinatura, seria conhecido?
e se agora surgisse a primeira em vez da outra, a segunda, a mais branca
mais Lisa e menos monolítica do que a original naquelas cores de musgo;
bem sei, pensas, sacrilégio, energúmeno, como podes alterar esse ícone
até o homem de barbas, sisudo, estudioso, científico, se revolve no túmulo.
ignorante para além de tudo, não poderia sair da sua mão como a mesa sublime
só mesmo por Andrea, o discípulo, um mero aluno –

não afirmo, mas li no Expresso –

no mesmo número onde se anuncia que Hitler o ditador
na idade não longe de Gioconda, era pintor.
sujava as mãos na tinta e coloria paisagens marinhas
mas nocturnas e sem submarinos –

gémeas dizem, manas, até no tamanho, 77x53 e 76x57
até nos números a rima, 77 e mais dois sete, é uma malícia ou numerologia
uma obscura ciência, talvez pertença de Templários ou Maçonaria.
porém, o azul e a cor da pele, mais celestial, láctea e fina, lembra Rubens.

pas mal, dizes tu e os especialistas, mas não é a mesma,é uma falsa,uma ilegítima –

bem sei, desculpa, nem sequer acrescento mais nada
mas escreve-se-me dentro da cabeça que se vivesse no mesmo tempo
e se encontrasse as duas, as supostas gémeas, preferia esta
para passear pelos prados, esconder-me depois atrás das árvores
desvendar as musselines e rebolar nas ervas longe de Da Vinci –

desculpa Leonardo, sem ofensa –dorme descansado.

mas mesmo na parede branca, prefiro esta, até por causa da segurança
e das máquinas fotográficas –

e quanto ao olhar vê bem
parece que se virou agora, um pouco mais enigmática e surpreendida.
mesmo o modo como se senta e a forma nítida da cadeira;
lembra-me memórias antigas, aquelas em forma de S
uma espécie de namoradeiras, em que dois sentados lado a lado
facilmente conversavam face a face
e facilmente estendiam os braços –

bem sei que não chega para te convencer
e falas no sorriso da primeira, mais de menina, mais atrevido
e acredito, mais de desafio, mais tentador
mais de dedo esticado, mais de maçã -

no entanto, digo-te que a segunda, apenas não sorri
porque o pintor interfere, talvez mais delicado, condiciona
torna-a mais sonhadora como se imaginasse um petit déjeuner
à beira de um lago, remos e um barco
e dentro do olhar noto uma íris mais precisa, mais madura, mais de mulher
e uma certa melancolia nas pálpebras descidas
como um segredo que se espalha na luz clara da paisagem –

josé ferreira 7 Fevereiro 2012