domingo, 4 de janeiro de 2009

Um poema de que gosto

Também merece estar neste blogue esta poetisa contemporânea
de que gosto particularmente.
Este poema foi retirado do livro "O canto do vento nos ciprestes"




Vieste como um barco de vento abrindo
feridas de espuma pelas ondas. Chegaste tão depressa
que nem pude aguardar-te ou prevenir-me;e só ficaste
o tempo de iludires a arquitectura fria do estaleiro

onde hoje me sentei a perguntar como foi que partiste,
se partiste,
que dentro de mim se acanham as certezas e
tu vais sempre ardendo, embora como um lume
de cera, lento e brando, que já não derrama calor.

Tenho os olhos azuis de tanto os ter lançado ao mar
o dia inteiro, como os pescadores fazem com as redes;
e não existe no mundo cegueira pior do que a minha:
o fio do horizonte começou ainda agora a oscilar,
exausto de me ver entre as mulheres que se passeiam
no cais como se transportassem no corpo o vaivém
dos barcos. Dizem-me os seus passos

que vale a pena esperar, porque as ondas acabam
sempre por quebrar-se junto às margens. Mas eu sei
que o meu mar está cercado de litorais, que é tarde
para quase tudo. Por isso vou para casa
e aguardo os sonhos, pontuais como a noite.

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