terça-feira, 4 de novembro de 2008

Ela é bailarina

Ela é bailarina
Na rua olham-na delgada e fina
Os ossos quase lhe rasgam a pele
Lisa e translúcida que lhe veste o peito.
No palco os mesmos olhares
Vêem-na bonita.

Traz o pescoço esguio desnudo
Vestiu o fato coleante e o tule
Flutua num pas de deux com doçura
Com seu par forte que a segura.
É um cisne riscando as águas do palco
Esbelto.

Mil luzes e cores a fixam ao centro
Como numa tela colorida de Degas
Num ensaio mágico e luminoso de um bailado.
E ao som ora doce ora furioso de Tchaikovsky
Rodopia em mil piruetas sem fim
No palco, como na vida.

Leva toda a dor do seu coração
Oculta na ponta de gesso da sapatilha
Rosada de cetim a brilhar.
Traz um sorriso na face e os olhos de cristal
Absorvem os aplausos
Dobra-se enfim
Numa vénia.

É o último instante em palco
E o veludo escuro vai fechar-se
É arte sua vida tão dura?
Do outro lado do pano o vazio,
A solidão, uma lágrima, uma noite sem cor.
Em nós o coração a transbordar
Ela é bailarina
Deixou-nos um conto, mil sonhos
Pedaços de amor.

Elza

3 comentários:

josé ferreira disse...

Uma visão do outro lado da bailarina que "flutua nas pontas de gesso", " nos pas de deux" e por fim nos coloca a nós, observadores da arte, sentados na cadeira aplaudindo "o conto e os mil sonhos" nas músicas de Tchaikovski, nas telas de Degas, enquanto ela bailarina se baixa na elegância do arco estudado dos braços, por entre oscilar dos tules, dos dedos em pontas num último esforço!
Gosto das poesias de bailarinas e bailados onde transpiram as realidades para lá da cortina dos palcos!
Parabéns!

José Almeida da Silva disse...

O seu poema fez-me lembrar duas realidades: a do Palhaço que, apesar de fazer rir numa explosão de alegria, é tantas vezes um ser triste; e a da Mulher-Mãe que, diz a poesia popular, «Tantas vezes a Mãe canta com vontade de chorar». A Bailarina de que nos fala percorre o mesmo itinerário da arte e da vida. Na arte, domina o processo do fingimento para desencadear no espectador o sentimento do Belo, fazerndo-o sentir-se bem, de alma cheia; na vida, exprime a sua realidade de ser humano, habitado pela solidão, pelo choro, pelo sofrimento: «Deixou-nos um conto, mil sonhos / Pedaços de amor».

Parabéns pelo texto, tão bem conseguido. Obrigado pela sua generosa partilha.

auxília disse...

"Leva toda a dor do seu coração/
Oculta na ponta de gesso da sapatilha/
Rosada de cetim a brilhar."

Gostei particularmente destes versos. Obrigada por este "bailado poético".