domingo, 12 de outubro de 2008

O Sublime em Cesare Pavese e Luís Miguel Nava

“I dwell in possibility -
A fairer House than Prose"
–Emily Dickinson



Este exercício pretende mostrar os pontos de contacto e união entre dois excertos de textos de Cesare Pavese e Luís Miguel Nava. A frase de Pavese “A poesia começa quando um idiota diz a propósito do mar, parece azeite” manifesta uma reflexão sobre o que é de facto a poesia. Pavese serve-se do exagero e da hipérbole. A frase choca pela força do exagero, falamos de uma metáfora que exige sentido de abstracção. O sentido de novidade e de liberdade de Pavese nesta frase manifesta-se sobretudo em contestar/quebrar todos os antigos estereótipos do mar bonança/paz/tranquilidade/ serenidade/ imensidão, lugares comum recorrentes e fáceis de imaginar. É relativamente fácil colocar no mesmo verso as palavras “mar” e “imensidão”.
Pavese diz “Não é, de facto, uma descrição exacta de um mar bonançoso, mas o prazer de ter descoberto a semelhança, a exactidão de um liame misterioso, a necessidade de se gritar aos quatro ventos que de tal nos apercebemos”.
O sublime, o exagero, a ruptura e o sentido de novidade reflecte-se também em Luís Miguel Nave: “O mar / no seu lugar pôr um relâmpago”:
O “sublime” está aqui novamente presente, está em causa uma escala difícil de visualizar, mas cuja imagem é esplêndida de tão forte “o mar / no seu lugar pôr um relâmpago” – Os efeitos visuais que nos chegam são de uma grande força, a luz de um relâmpago num total abismo, um enorme clarão. O absurdo / O Gigantesco fazendo lembrar imagens míticas do Velho Testamento.
Tanto em Pavese, como em Luís Miguel Nava o sublime está presente. Nos dois autores transparece não só o sentido de ruptura, de novidade, de liberdade de espírito mas também a ideia de que nada pode ficar de fora na poesia. Tal como refere Emily Dickinson, a poesia é possibilidade, “uma casa mais justa que a prosa”.


Nuno Brito

4 comentários:

liliana disse...

Nuno, gostei da ponte que fizeste entre os autores e da frase final sobre a liberdade da poesia, "uma casa mais justa do que a prosa", a justeza da tolerância :)well done!

Elza disse...

"...nada pode ficar de fora da poesia." E é mesmo isso! Deixo aqui uma frase de Francis Picabia que, a meu ver, reforça essa ideia: "É preciso ser nómada, atravessar as ideias como se atravessam as cidades e as ruas."

Ana Luísa Amaral disse...

"mais justa", ou "mais bela" -- fair também pode significar belo. o que não deixa de ser curioso, se pensarmos nas teorias sobre o "belo" e o "sublime", conceitos diferentes. o sublime está para lá do belo, e isso mesmo parece dizê-lo Dickinson.

excelente reflexão, Nuno.

Anabela Couto Brasinha disse...

"Há umas coisinhas" que não subscrevo(totalmente). Mas,curiosamente, na minha reflexão não resumida pensei"(algumas coisas) parecido a ti". Para o blogue tive que resumir,tarefa para mim dolorosa!