segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
XVI
Annie Leibovitz
(mais um poeta concorrente ao prémio "Correntes d'Escrita")
Tudo são máquinas, a luciferina intenção
de cortar, pela janela, o desenho interrompido,
ou então, tudo são máquinas ainda, quando
a boca se desenha presa às palavras
enunciadas desde o começo da biografia
(que biografia, se só haverá farrapos?):
fantasmas enunciando-se à pressa
e que a cidade reúne nos muros que a não cingem já.
Tudo são máquinas prestes a incendiar mapas,
a eliminar traços, a apagar vestígios.
«Começará o mundo depois do mundo acabado»,
escreveste no caderno.
É de lixo lírico, a paisagem, humano resíduo.
As máquinas que escrevem, escrevem na pele.
Tudo são máquinas. O mundo irá começar
dentro de momentos, prepara-te.
Luís Quintais "Riscava a palavra dor no quadro negro" Ed. Cotovia 2010
domingo, 30 de janeiro de 2011
o sintoma era aquele bater de asas
Leonardo da Vinci "Código de voo das aves"
o sintoma era aquele bater de asas
querendo ganhar o espaço com o peso pesado do tronco
o chumbo dos ossos, o lastro dos pés colados na calçada
sem sair para qualquer lado -
desactualizado estava o divã vermelho, a poltrona escondida
o bloco aberto na ponta do lápis, o cofiar da barba.
desejado era o face-a-face, o desfolhar associado de palavras
recolhidas no fundo da alma.
e de que é feita a alma?
feita de dúvidas plenas ? de nuvens largas?
de histórias e viagens?
aquele incessante bater de asas -
qual o segredo das células? o verdadeiro estado?
a identidade rodopiante sem catarse?
e o sintoma
sem sair
para qualquer lado -
sábado, 29 de janeiro de 2011
O azul líquido do Grand Canal
O azul líquido do Grand Canal
O azul líquido do Grand Canal
Em Veneza incendiada.
O vestido de cetim branco
Num corpo de Angeline
Debruçado sobre a noite.
Lustres de luz de murano
Num palácio outrora habitado
Balzac ou Proust?
O olhar enganador de cândido
O vilão que não era.
Pontes e canais e gôndolas
Um nevoeiro nocturno
A dissipar-se.
O amanhecer de ouro
Na cidade que flutua
E sabe
De um “cristal clear”
Que há lábios em todas as gôndolas.
Olho em volta
O escuro de uma sala
O momento escondido que se deixou
Atravessar de cenários, belezas de cinema
E um ecrã, perto, perto de mim.
Auxília Ramos
O azul líquido do Grand Canal
Em Veneza incendiada.
O vestido de cetim branco
Num corpo de Angeline
Debruçado sobre a noite.
Lustres de luz de murano
Num palácio outrora habitado
Balzac ou Proust?
O olhar enganador de cândido
O vilão que não era.
Pontes e canais e gôndolas
Um nevoeiro nocturno
A dissipar-se.
O amanhecer de ouro
Na cidade que flutua
E sabe
De um “cristal clear”
Que há lábios em todas as gôndolas.
Olho em volta
O escuro de uma sala
O momento escondido que se deixou
Atravessar de cenários, belezas de cinema
E um ecrã, perto, perto de mim.
Auxília Ramos
Um lapso à escuta
Fotografia retirada da internet
(Comecei a publicar com a Filipa Leal e agora com Armando Silva Carvalho alguns dos poetas concorrentes ao prémio Correntes d'Escrita 2011 de poesia)
1
Não há exaltação
este novelo de sombras
e nos ouvidos
a carne descansa o seu
abecedário.
Tornei-me este planeta por ofício.
Alguns colegas pedem: capelas,
luxos, alquimias.
E outros puxam, palavra
por palavra,
peixes de silêncio.
São atletas de Deus.
E eu confirmo.
também já conheci
os mais puros exercícios
do espírito.
E eu ainda: devagar,
em órbita fechada,
no tempo,
o melhor templo.
2
Inclino na folha
a imprecisão de Deus
Quieto na idade
eu já ouvira
o verbo feito luz
Tacteio o nome
incerto
Fixo o lamento
para a eternidade
3
Na sala ouvia os animais
que nunca vira
e a mão de Deus
batia nos pinhais
Estou só e cheio
do pavor do espaço
o céu abre-se ao meio
e cai-me no regaço
Tão feminino
seu gesto na brancura
dá-me o destino
a troco da loucura
Armando Silva Carvalho "As Escadas não têm Degraus" Ed. Cotovia
sexta-feira, 28 de janeiro de 2011
Este Livro foi escrito há muito tempo
Fotografia de Daniel no site Olhares
Era uma mulher que estava dentro de uma sala muito branca.
Ouviu: – Não fujas. Não esqueças.
Era uma mulher lívida de medo de não conseguir esquecer
*
À volta da sala, havia um pomar redondo que a envolvia de maçãs
avermelhadas, difusas. Ela estava lívida e suja, entre a castidade
e o remorso.
Ouviu: – Esquece o arrependimento. Fica.
*
Ao redor do pomar, existira um rio que secara nos últimos
anos. Se o seguisse, junto à margem, em linha curva e longa,
encontraria uma cidade desconhecida. Embora nenhuma cidade
seja desconhecida se soubermos onde está.
Ouviu: – Perder-te-ás na ausência
de água do rio.
*
Não havia um único espelho na sala. Ela não sabia o que era o
princípio e o fim. Desconhecia os conceitos de vida e de morte.
Nunca medira a sala, nem o pomar, nem o terror. Se desejasse,
abriria a porta.
Ouviu: – Assustar-te-á a existência
de dia e de noite
*
Sabia o seu nome. Chamava-se Eva. Nunca questionara. Porque
haveria de questionar um nome simples e breve? Desconhecia o
texto bíblico, e o simbolismo das palavras. Se se chamasse mar,
ou cálice, ou manhã, não o questionaria.
A Inexistência de Eva, de Filipa Leal, Deriva, 2009
Simon e o canário amarelo
Paul Klee "paisagem e pássaros amarelos" 1923
o disco sol girava no amarelo forte, um princípio tardio
depois da enublada manhã cinza.
corria um ar grave sobre os cravos brancos
sem a cor rubra de setenta e quatro.
as mãos alimentavam uma música de blues
na suspensão de teclas que estendiam as tonalidades
à companhia de uma voz rouca, de cordas gastas
no excesso de horas sem intervalo, horas repetidas.
os dedos de pontas quadradas reflectiam atrasos no tempo ternário
e suportavam o resumo de textos que se misturavam em indecisas palavras.
o peso insubmisso da inconsciência traçou o fim do caminho
a queda forte sobre a melodia, a cabeça, sobre as mãos lentas
num acorde de sustenidos, fá menor, Simon, sound of silence.
um ruído imenso. a queda de um granito denso, a cabeça.
desde a madrugada, antes mesmo do nascimento de uma luz baça
conseguira povoar de passos os círculos da sala
transformando as ideias num fumo vago, até ao cansaço
até ao sentar-se , exausto, no banco novo do piano
de mecânica sensível, precisa, na regulação das alturas.
recordou obsessivo todas as canções que sabia. doze horas.
doze horas seguidas, doze horas seguidas;
o inverso da sublimação, o estado sólido, o peso metálico de chumbo.
mais não. calava o cansaço nos olhos raiados de vermelho.
calava e calava-se sobre as teclas do piano
enquanto o canário compreensivo, no alto da gaiola, desafiava o gato negro
e assente sobre as patas, de ar convicto, incandescia o ar de uma outra melodia-
quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
Os versos que te fiz
Encontra mais artistas como Clara Ghimel em Música do Myspace
Clara Ghimel "Entre- Mares"
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.
Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder…
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!
Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda…
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz!
Amo-te tanto! E nunca te beijei…
E nesse beijo, amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!
ao acordar podes apontar a arma
Gerard Richter
ao acordar podes apontar a arma
dispara, não falhes.
todo o poeta deveria provavelmente saber
que as palavras têm um duplo sentido
um branco e um preto
e quando as escreve, frequentemente
afunda-se no subjectivo, uma ilha
e alinha a caneta com as raízes, por vezes pequenas
do seu pensamento.
portanto não há lugar à desculpa fraca.
ser poeta não é ser idiota.
é interdito magoar as folhas que pousam na erva.
por isso não desistas, verifica o número de balas
e ao acordar podes apontar a arma
não hesites
não esperes pela abertura perigosa dos olhos
dispara, não falhes.
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
Avistei a boca ao entardecer
(fotografia retirada da internet)
Avistei a boca ao entardecer.
A língua não vinha nos mapas,
mas no palato agrupavam-se diversas constelações
e pertencia-lhes a ventura dos meus dedos.
Não havia notícias de outros povos
nem sequer uma mácula de cerejas.
Plantei o primeiro seio
a que chamámos macieira
e abandonei o ventre
à generosidade vegetal.
Nessa noite dormimos por dentro e por fora
do mundo.
Catarina Nunes de Almeida "A Metamorfose das Plantas dos Pés" Deriva, 2008
terça-feira, 25 de janeiro de 2011
luzes (...luzes)
Alfred Sisquella "Luvas Brancas"
estas luzes inomináveis que se prendem constantes
em lugares múltiplos, físicos
tão próximas quanto o ar que respiramos -
luzes diferentes, clarões operantes, em fragmentos
extremando os limites do pulmão, oxigenizando
os dióxidos de uma tosse intermitente
um desequilíbrio do impossível -
estas luzes insistentes de um olhar de fogo
sem cedências, permanentes
qual final de opereta descendo o pano, alargando o sorriso líquido
impedindo a desistência de sentir, a afluência rubra, luzes…
…luzes, incondicionáveis, inomináveis, tuas
provocando os caminhos aerográficos da consequência;
palavras, palavras flutuantes, palavras insinuantes
palavras navegantes, nuas
como pétalas caídas da profundidade dos dedos, tuas
qual espuma flexível de luvas brancas
música de sílabas, música de luas
na opacidade de esconder o tempo
que se aproxima -
José Ferreira 25 Jan 2011
segunda-feira, 24 de janeiro de 2011
La memoire et la mer
LA MEMOIRE ET LA MER par Mônica PASSOS
Enviado por jeanlouislaforet. - Clipes, entrevista dos artistas, shows e muito mais.
La marée je l'ai dans le coeur
Qui me remonte comme un signe
Je meurs de ma petite soeur
De mon enfant et de mon cygne
Un bateau ça dépend comment
On l'arrime au port de justesse
Il pleure de mon firmament
Des années-lumière et j'en laisse
Je suis le fantôme Jersey
Celui qui vient les soirs de frime
Te lancer la brume en baisers
Et te ramasser dans ses rimes
Comme le trémail de juillet
Où luisait le loup solitaire
Celui que je voyais briller
Aux doigts du sable de la terre
Rappelle-toi ce chien de mer
Que nous libérions sur parole
Et qui gueule dans le désert
Des goémons de nécropole
Je suis sûr que la vie est là
Avec ses poumons de flanelle
Quand il pleure de ces temps-là
Le froid tout gris qui nous appelle
Je me souviens des soirs là-bas
Et des sprints gagnés sur l'écume
Cette bave des chevaux ras
Au ras des rocs qui se consument
Ô l'ange des plaisirs perdus
Ô rumeurs d'une autre habitude
Mes désirs dès lors ne sont plus
Qu'un chagrin de ma solitude
Et le diable des soirs conquis
Avec ses pâleurs de rescousse
Et le squale des paradis
Dans le milieu mouillé de mousse
Reviens fille verte des fjords
Reviens violon des violonades
Dans le port fanfarent les cors
Pour le retour des camarades
Ô parfum rare des salants
Dans le poivre feu des gerçures
Quand j'allais géométrisant
Mon âme au creux de ta blessure
Dans le désordre de ton cul
Poissé dans les draps d'aube fine
Je voyais un vitrail de plus
Et toi fille verte mon spleen
Les coquillages figurants
Sous les sunlights cassés liquides
Jouent de la castagnette tant
Qu'on dirait l'Espagne livide
Dieu des granits ayez pitié
De leur vocation de parure
Quand le couteau vient s'immiscer
Dans leur castagnette figure
Et je voyais ce qu'on pressent
Quand on pressent l'entrevoyure
Entre les persiennes du sang
Et que les globules figurent
Une mathématique bleue
Dans cette mer jamais étale
D'où nous remonte peu à peu
Cette mémoire des étoiles
Cette rumeur qui vient de là
Sous l'arc copain où je m'aveugle
Ces mains qui me font du flafla
Ces mains ruminantes qui meuglent
Cette rumeur me suit longtemps
Comme un mendiant sous l'anathème
Comme l'ombre qui perd son temps
À dessiner mon théorème
Et sur mon maquillage roux
S'en vient battre comme une porte
Cette rumeur qui va debout
Dans la rue aux musiques mortes
C'est fini la mer c'est fini
Sur la plage le sable bêle
Comme des moutons d'infini
Quand la mer bergère m'appelle
- da existência dos sonhos
Henri Rousseau
O sonho tem estas árias misteriosas
que acompanham as manhãs frias
músicas muito antigas numa voz rouca e sensível
com andas de mãos grandes encaminhando os pés
uma corrida num monte limpo
na fuga imprevidente de uma aula incompleta
um abecedário esquecido, um pó sem origem
um filtro de realidade, filtro branco gotejante
de segundos, nos ponteiros pálidos da nebulosidade.
os passeios são os mesmos na cidade, a inexistência de garças
os vapores na frente dos lábios, os mesmos, breves
transformados no próprio ar químico, vaga irrealidade
repetindo, repetindo sempre sem dar lugar à consistência
porque é essa a natureza, o lugar escondido
o lugar escondido.
são os mesmos os passeios da cidade na manhã fria
e não consta que cheguem hoje, segunda-feira
os extraterrestres do destino desenrolando papiros
afirmando cronologias definidas, passos certos de uma dança
atrás à frente, de lado, vira agora, não consta.
e o café, que é o mesmo, preto de anfetamina, vibrando as células
ainda adormecidas, surgindo como vício, o vício dos dias
solta as livres letras como um fumo desprendido
uma associação livre, uma leve transparência de um mundo inconsciente
sem a percepção de o quanto a dosagem, a mistura, a percentagem
de açúcar e farinha que sobe de dentro, conduzindo
empurrando o aparo, soltando a tinta, tisnando um pouco as figuras de estilo.
hoje, segunda feira, 24 de Janeiro, os passeios são os mesmos
e não ouso interromper esta ária de segredos, dentro, os sonhos
não ouso desapertar totalmente os laços de uma fita
semi-aberta, semi-fechada, dourada e brilhante
observo-os na felicidade constante de uma oferenda
de um outro dia vinte e quatro, dentro de uma meia
junto a pedras ainda ofegantes de cinza, a lareira
e o entusiasmo de saber que existem e estão lá dentro -
os sonhos não são como os passeios da cidade
nem sempre são os mesmos, às vezes surpreendem
quando surgem como um quadro naïf, uma ingenuidade
na cor verde do exagero, originais, provocando o sorriso
na realidade dos dias -
José Ferreira 24 de Jan 2011
domingo, 23 de janeiro de 2011
À profundidade de mil beijos - Thousand Kisses Deep
………………………………………………….
Amei-te quando te abriste
Como um lírio com o calor
Sou apenas um homem de neve
De pé à chuva e ao granizo
Mas não tens de me ouvir agora
E cada palavra que digo
Há-de contar contra mim
À profundidade de mil beijos
Correm os póneis as raparigas são jovens
As probabilidades são para ser batidas
Ganhas por um momento depois termina
A tua sequência de vitórias
E convocado agora para lidares
Com a tua invencível derrota
Vives a tua vida como se fosse de verdade
À profundidade de mil beijos
Ando a dar ao corpo ando a pôr-me na linha
Estou de volta a Boogie Street
Perdes o controlo da coisa e depois escorregas
Para a Obra Prima
E talvez eu tivesse muito que viajar
E promessas a cumprir
Desfazes-te de tudo para poder viver
À profundidade de mil beijos
…………………………..
Leonard Cohen " O Livro do Desejo" Trad Vasco Gato Ed. Quasi 2008
sábado, 22 de janeiro de 2011
dor
doi
quando só encontro a concha
o aglomerado de ossos
a trama de músculos
o lençol de pele
a forma física
e objectiva
e tocável
e visível
de seres tu
doi
quando só encontro o vazio
frio e húmido
de casa desventrada
onde esfolo os nós e a alma
de tanto bater
onde enrouqueço a voz
e a perco de tanto chamar
doi
uma dor fina e funda
de consciência quase desmaia
doi
e não mais deixa
quando só encontro a concha
o aglomerado de ossos
a trama de músculos
o lençol de pele
a forma física
e objectiva
e tocável
e visível
de seres tu
doi
quando só encontro o vazio
frio e húmido
de casa desventrada
onde esfolo os nós e a alma
de tanto bater
onde enrouqueço a voz
e a perco de tanto chamar
doi
uma dor fina e funda
de consciência quase desmaia
doi
e não mais deixa
Fim de tarde
fim de tarde
e de passeio
o dia já vai longo
rocha urbana
procura o céu de cimento
em sobrepostas camadas
paredes nuas, duras
de emoções e formas cruas
transforma-se
em laivos de brilho quente
reflexos de ouro
poiso do olhar de longínquo astro
vejo, não reconheço
o invertido espelho
brinca
em jogos de luz e sombra
formas redondas e esguias
buracos negros
para além da matéria
abrem-se portas
de silêncio
um novo mundo
salto no desconhecido
Clara Oliveira
e de passeio
o dia já vai longo
rocha urbana
procura o céu de cimento
em sobrepostas camadas
paredes nuas, duras
de emoções e formas cruas
transforma-se
em laivos de brilho quente
reflexos de ouro
poiso do olhar de longínquo astro
vejo, não reconheço
o invertido espelho
brinca
em jogos de luz e sombra
formas redondas e esguias
buracos negros
para além da matéria
abrem-se portas
de silêncio
um novo mundo
salto no desconhecido
Clara Oliveira
sexta-feira, 21 de janeiro de 2011
Emily
Hughie Lee Smith 1970
Não pintarei - um quadro -
Queria antes ser Aquele
Habitando-lhe - em delícia -
No impossível brilho
Pensando o que os dedos sentem
Seu toque - divino - raro -
Evoca doce Tormento -
Sumptuoso - Desespero -
Não falarei, como Trombeta -
Antes queria ser Aquela
Docemente erguida aos Tectos -
E, leve, para além deles -
Por Aldeias feitas de Éter -
Um Balão dotado só
De uma ponta de Metal -
O cais para o meu Pontão -
Nem queria ser Poeta -
Melhor é - ter o Ouvido -
Amante - frouxo - contente -
Licença de venerar,
Terrível privilégio
Que legado seria,
Tivesse eu a Arte de me atordoar
Com Raios de Melodia!
Emily Dickinson "Cem poemas" Relógio D'Água Trad. Ana Luísa Amaral 2010
a força do seu gesto
Imagem retirada da internet
o espaço de uma sala, lugar físico de um encontro
enquanto ao lado o burburinho que espantava os pássaros
habitantes sedentários de fim de tarde na camélia florida
de cor vermelha, abrindo os ramos de sentidos nas folhagens
braços um pouco longínquos, de um tronco não muito largo, inclinado
lembrando aromas, intensos, num corpo sem espinhos.
a sala como pretexto onde a dúvida incidia
qual raio beijando as curvas da cortina e caindo na pele de uma Bíblia
antiga, e um livro de Céline.
- Nunca li Céline - ele disse, quebrando o silêncio explícito de ruídos íntimos
- Céline é diferente- ela disse, no suporte seguro de um ponto invisível
um argumento de janela fechada, sobre o assunto, sobre as folhas do livro
não era esse o motivo de dois corpos afastados na sala junto ao burburinho
do mesmo modo que o baloiço, no quadro a óleo, suspenso no movimento
no centro pérola da parede, acetinada; tonalidade escolhida numa loja da cidade.
não. estava cansada, sentia a pressão da mudança. não, não seria Céline.
ele sentou-se no banco preto do piano. deslizou os dedos de modo inconsciente
sobre algum pó no verniz, negro e brilhante, um tampo como uma cama
de cordas adormecidas, invibrantes, mudas, de um som impossível.
- Sabes - e os olhos não se cruzaram, os dela na nuca dele, os dele no gesto
no acto deslizante, nos dedos viajantes na superfície lisa de uma cor escura
apercebendo o fogo, a intensidade de uma fogueira, crepitando na distância
um eco dentro da cabeça, juntando palavras, fazendo frases, uma outra sala
um outro quadro, os mesmos actores num palco de cortinas fechadas
tentando adivinhar o SE e SE, qual a reacção, como seria
mas, um atropelo, um engarrafamento de silêncio. nada.
ela, no tecido Laura Ashley, rosado, um sofá luminoso no meio da sala
cruzando e descruzando, ajeitando a imperceptível ruga de um vestido
trocando os pés, rodeando a orla de um tapete, à vez, um jogo
no intervalo de uma fala com falta de consistência, quando a expectativa
a expectativa alta como os montes de Himalaia, as águas de Niagara
uma melodia viva de Mozart e menos Schoenberg, fragmentos entrecortados.
- Sabes - de uma jarra de cristal, Atlantis, oferecida pela tia, caiu uma pétala
adormecida, uma seda clara de magnólia sobre a mesa onde a Bíblia, Céline
um sinal de Natureza oscilando no côncavo, ou convexo, conforme a óptica
de ar ou mesa. Uma pétala, interferindo, e a mão que recolheu a densidade
inusual nas outras flores, mas ao mesmo tempo, sem o parecer, frágil, indefesa
sem a condição de concha sobre estames, os sinais de próspero e possível.
os dedos acariciaram a concha ávida num desejo de feijoeiro mágico
um, dois, três, crescendo, crescendo, como um manto grande, grande.
os dedos dela acariciaram a concha ávida. o olhar numa outra direcção
a janela, um quadriculado sobre a árvore. levantou-se com pressa.
abriu a janela e pousou a pétala no parapeito verde, recentemente pintado
com as duas mãos, como uma mãe, um berço, um recém-nascido.
um ar frio invadiu a sala, o argumento, a intensidade do silêncio.
- Sabes - permanecia afundado num poço de fim indefinido, um lugar sem luz.
ela abriu um sorriso, iniciou um pequeno trajecto, delicado no passo, lentamente
sentou-se no colo dele, não deixou que o abraço se fechasse
um filme antigo,a preto e branco. quando os olhos se cruzaram, tomou-lhe a mão
que deslizava sem ordem, trémula e indecisa e escreveu uma palavra na superfície
visível, no pouco pó, no muito brilho do silêncio e das cordas escondidas do piano.
nas linhas presas de uma testa pálida pousou o sabor vermelho dos lábios
- Eu sei, não é fácil - saiu dizendo - não te esqueças de fechar a janela
e sorria sabendo da força do seu gesto -
José Ferreira 21 Jan 2011
quinta-feira, 20 de janeiro de 2011
quando - sem limites
Henri Cartier Bresson
pelas ruas sem mãos e sem braços
um tempo sem graça, desabençoado
um desgosto de não estender as palavras
as rugas extensas sem o calor dos raios .
os cafés são mendigos inoportunos de cadeiras vazias
de mesas abandonadas, lugares de deserto
sem oásis, sem palmeiras, sem folhagens
pelas ruas, invisibilidades de fantasma
direcções e sentidos tracejados
sem a forma contínua do desafio, navegando
as águas instáveis de um cabo de tormentas
um adamastor insistente de olhos grandes
super, ego, ego, medonho por sobre as ondas
quando? quando voltam as asas? de símbolos
signos, linhas, tintas
o desejado sofrimento, encoberto de medos
arestas, vértices, lados imersos
quando ? quando voltam as mãos os braços?
quando? quando? quando voltas? de olhos arredondados
néctar, poção mágica, mel, luz e favo
cruzando a minha insignificância, o meu desespero
a minha independência de ave absorta, planando
atravessando as nuvens espessas, as rotações indeterminadas;
céu e terra, noite e dia, segundo e hora, a rotina
o quotidiano perverso de emoções mínimas
sem planícies, searas ondulantes de cio
faces inconscientes, estios de rutilo
árias íntimas, mundos indefinidos
sem limites -
quando? quando?
José Ferreira 20 Jan 2011
TERMINAL DE DESILUSÃO
Afundo-me na tristeza,
sem as lágrimas convulsivas de outrora,
mas compulsivamente irrascível;
nada mais vale a pena,
não interessa sequer avaliar
porque se demoliu o amôr,
ou porque se esfumou a paixão(?).
...o fulgor do sol também se esvai,
e o vento ora sopra de rompante,
outras vezes porém tão meigo é,
apaziguador, e tão refrescante!
...............................
...Hoje, o dilúvio assassino
perturba a doce paz da foz
do meu rio de encantos!...
(Quando o(a) companheiro(a) de uma longa e
emotiva viagem foi a paixão, ou simplesmente
uma excelente e amiga criatura que no final
se despede para sempre...como que a morte o(a)
tenha levado).
- António Luíz, 13 a 19/01/2011
sem as lágrimas convulsivas de outrora,
mas compulsivamente irrascível;
nada mais vale a pena,
não interessa sequer avaliar
porque se demoliu o amôr,
ou porque se esfumou a paixão(?).
...o fulgor do sol também se esvai,
e o vento ora sopra de rompante,
outras vezes porém tão meigo é,
apaziguador, e tão refrescante!
...............................
...Hoje, o dilúvio assassino
perturba a doce paz da foz
do meu rio de encantos!...
(Quando o(a) companheiro(a) de uma longa e
emotiva viagem foi a paixão, ou simplesmente
uma excelente e amiga criatura que no final
se despede para sempre...como que a morte o(a)
tenha levado).
- António Luíz, 13 a 19/01/2011
quarta-feira, 19 de janeiro de 2011
tesouro intangível
estava uma aranha na parede
junto à esquina do postigo,
quem vem a descer as escadas do sobrado.
uma aranha enorme.
acto contínuo tirei o sapato e
esborrachei-a.
o bicho estava grávido
e um enxame de miniaturas de cabecinhas
com patas a mais
desceu a parede até ao soalho -
vagarosamente.
segui-o com o olhar
que se me foi encharcando de lágrimas
com sabor a pó e a culpa.
tu vieste saber de mim.
deste-me colo para eu chorar a vergonha
e perdoaste-me no fim.
junto à esquina do postigo,
quem vem a descer as escadas do sobrado.
uma aranha enorme.
acto contínuo tirei o sapato e
esborrachei-a.
o bicho estava grávido
e um enxame de miniaturas de cabecinhas
com patas a mais
desceu a parede até ao soalho -
vagarosamente.
segui-o com o olhar
que se me foi encharcando de lágrimas
com sabor a pó e a culpa.
tu vieste saber de mim.
deste-me colo para eu chorar a vergonha
e perdoaste-me no fim.
raquel patriarca
vinte.julho.doismiledez
terça-feira, 18 de janeiro de 2011
são muitos os poemas que começam por Sabes
Edward Weston
são muitos os poemas que começam por Sabes
num diálogo de inexistência, transcendentes de reflexividade
como se ali em frente ou caminhando, lado a lado.
são muitos os poemas que começam por Sabes
como letras desenhadas numa carta, um diálogo imperfeito
pois o corpo, o rosto, a linguagem dos lábios, uma mão suave
um recontar de linhas, uma sede de palmas
abertas, fechadas, sobre os dedos, por vezes apertadas
tão apertadas, como se únicas, ligadas.
são muitos os poemas que começam por Sabes
sem resposta, falando das árvores, sobre as folhas
o verde das folhas, sobre as raízes nos lugares de plâncton
sobre as raízes nos lugares de tudo, nos céus de nada
são muitos, sobre as aves de braços espetados como setas
uma de cada lado, setas de ponta quebrada
altas, sobre um mar oceânico, sem barcos, sem âncoras
livres, tão livres quanto as palavras.
são muitos os poemas que começam por Sabes
querendo adivinhar se usas um lenço azul, uma trança de lado
um Ipod, um moleskine, um diário personalizado
registando esse desviar de ponteiros, o seguir em frente
um tempo sem muito tempo para o importante, o quotidiano
como um marco do correio, recebendo, as minhas
as tuas, as minhas, as tuas cartas.
são muitos os poemas que começam por Sabes
nas ruas, nas salas, nos silêncios do quarto, um ruído abstracto
dentro, um terramoto sem escala, um aperto, último instante
em que coloco a folha, observo-a, a finalidade, a sua dança
a sua música, breve ou larga, um sopro, doce, aliciante
um rio, tocando as margens, perceptíveis como as borboletas
silenciosas, ar e águas, sem barragens.
são muitos os poemas que começam por Sabes
e não sei, não sei se os agarras, nem como os guardas
mas prometo, prometo, escrever sempre, sempre, difíceis, fáceis
na metáfora, de múltiplas formas, rimas, externas, internas
multiplicadas de mil lados, como os dias
as horas, a mudança branca e escura dos modos, noites
de noites, onde planam as ausências e os mistérios
um manto brilhante de estrelas, uma seda acesa
células de uma pele imensa onde circula o sangue
e as marcas dos versos nos lábios dos poemas -
Sabes -
José Ferreira 18 Jan 2010
sábado, 15 de janeiro de 2011
Lugares Comuns
André Kertész 1928
Entrei em Londres
num café manhoso (não é só entre nós
que há cafés manhosos, os ingleses também,
e eles até tiveram mais coisas, agora
é só a Escócia e parte da Irlanda e aquelas
ilhotazitas, mais adiante)
Entrei em Londres
num café manhoso, pior ainda que um nosso bar
de praia (isto é só para quem não sabe
fazer uma pequena ideia do que eles por lá têm), era
mesmo muito manhoso,
não é que fosse mal intencionado, era manhoso
na nossa gíria, muito cheio de tapumes e de cozinha
suja. Muito rasca.
Claro que os meus preconceitos todos
de mulher me vieram ao de cima, porque o café
só tinha homens a comer bacon e ovos e tomate
(se fosse em Portugal era sandes de queijo),
mas pensei: Estou em Londres, estou
sozinha, quero lá saber dos homens, os ingleses
até nem se metem como os nossos,
e por aí fora...
E lá entrei no café manhoso, de árvore
de plástico ao canto.
Foi só depois de entrar que vi uma mulher
sentada a ler uma coisa qualquer. E senti-me
mais forte, não sei porquê, mas senti-me mais forte.
Era uma tribo de vinte e três homens e ela sozinha e
depois eu
Lá pedi o café, que não era nada mau
para café manhoso como aquele e o homem
que me serviu disse: There you are, love.
Apeteceu-me responder: I’m not your bloody love ou
Go to hell ou qualquer coisa assim, mas depois
pensei: Já lhes está tão entranhado
nas culturas e a intenção não era má, e também
vou-me embora daqui a pouco, tenho avião
quero lá saber
E paguei o café, que não era nada mau,
e fiquei um bocado assim a olhar à minha volta
a ver a tribo toda a comer ovos e presunto
e depois vi as horas e pensei que o táxi
estava a chegar e eu tinha que sair.
E quando me ia levantar, a mulher sorriu
Como quem diz: That’s it
e olhou assim à sua volta para o presunto
e os ovos e os homens todos a comer
e eu senti-me mais forte, não sei porquê,
mas senti-me mais forte
e pensei que afinal não interessa Londres ou nós,
que em toda a parte
as mesmas coisas são
Ana Luísa Amaral,"Inversos", Dom Quixote 2010
sexta-feira, 14 de janeiro de 2011
nada sei
quarta-feira, 12 de janeiro de 2011
Coisas de luz antigas
Henri Rousseau" Mulher passeando numa floresta exótica" 1905
Aquele namorado que tinha
um nome bom: há quanto tempo foi?
A vida resvalante como gelo
e aquele namorado de nome bom
e férias, ficou perdido em luz,
mais de vinte anos.
Deu-me uma vez a mão
um beijo resvalante à hora de deitar
e na pensão. Mas tinha um nome bom.
falava de cinema e calçava de azul
e um bigode curtinho,
que escorregou aceso como gelo
no centro da pensão.
Rasguei as cartas dele
há quinze anos, em dia de gavetas
e de luz, e nem fotografia me ficou
de desarrumação. Mas tinha um nome bom,
falava de cinema e calçava de azul
e resvalou-me quente como gelo
à hora de deitar:
um namorado sem falar
de amor
(que a timidez maior
e o quarto dos meus pais
nessa pensão
no mesmo corredor)
Ana Luísa Amaral "Inversos" Ed. Dom Quixote 2010
terça-feira, 11 de janeiro de 2011
A Magnólia
Miguel Bagur 1989
A exaltação do mínimo,
e o magnífico relâmpago
do acontecimento mestre
restituem-me a forma
o meu resplendor.
Um diminuto berço me recolhe
onde a palavra se elide
na matéria - na metáfora -
necessária,e leve, a cada um
onde se ecoa e resvala.
A magnólia,
o som que se desenvolve nela
quando pronunciada,
é um exaltado aroma
perdido na tempestade,
um mínimo ente magnífico
desfolhando relâmpagos
sobre mim.
Luiza Neto Jorge "O seu a seu tempo" Assírio & Alvim 2001
segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
Tento empurrar-te de cima do poema
Encontra mais artistas como Clara Ghimel em Música do Myspace
Clara Ghimel "Coisas de Partir" disco "Entremares"
Tento empurrar-te de cima do poema
para não o estragar na emoção de ti:
olhos semi-cerrados, em precauções de tempo
a sonhá-lo de longe, todo livre sem ti.
Dele ausento os teus olhos, sorriso, boca, olhar:
tudo coisas de ti, mas coisas de partir...
E o meu alarme nasce: e se morreste aí,
no meio de chão sem texto que é ausente de ti?
E se já não respiras? Se eu não te vejo mais
por te querer empurrar, lírica de emoção?
E o meu pânico cresce: se tu não estiveres lá?
E se tu não estiveres onde o poema está?
Faço eroticamente respiração contigo:
primeiro um advérbio, depois um adjectivo,
depois um verso todo em emoção e juras.
E termino contigo em cima do poema,
presente indicativo, artigos às escuras.
Ana Luísa Amaral in "Coisas de Partir"
domingo, 9 de janeiro de 2011
Às vezes as coisas dentro de nós
Frida Kahlo "Autoretrato com colar de espinhos e colibri" 1940
(dedicado a Maria de Lourdes Pintasilgo)
O que nos chama para dentro de nós mesmos
é uma vaga de luz, um pavio, uma sombra incerta.
Qualquer coisa que nos muda a escala do olhar
e nos torna piedosos, como quem já tem fé.
Nós que tivemos a vagarosa alegria repartida
pelo movimento, pela forma, pelo nome,
voltamos ao zero irradiante, ao ver
o que foi grande, o que foi pequeno, aliás
o que não tem tamanho, mas está agora
engrandecido dentro do novo olhar.
Fiamma Hasse Pais Brandão "As Fábulas"
sábado, 8 de janeiro de 2011
O meu olhar é nítido como um girassol
Steve Mcurry
II
O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar ...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...
Alberto Caeiro In O Guardador de Rebanhos
sexta-feira, 7 de janeiro de 2011
acreditar nas mitologias
Dante Rosseti " Vénus" 1868
não deveria dizer da forma mais crua
mas é verdade
como ter acordado, abandonado o pijama
e mergulhado na água morna.
é verdade como o barulho constante, líquido
a escorrer a pele molhada, a acumular um pouco
no sólido esmalte branco que contorna os pés
e a descer na indeterminação do ralo.
é verdade, é verdade
que quando se atenta no mais da dor, alegria ou amor
a insatisfação de um horizonte médio não completa
é como habitar um copo de água insípida
um sal perdido -
as lanças, as lanças, mais à frente, mais à frente
os trajectos constantes de fragmentos e mudanças
mudar sempre, mudar sempre
encontrar mais e mais caminho
e acreditar nas mitologias -
quinta-feira, 6 de janeiro de 2011
reticências
Amadeo Modigliani " Mulher de olhos azuis" 1900
reticências, as reticências, em intervalos por dizer.
repetidas nevralgias, desconstruções pequenas
nebulosidades de subsistência, círculos de possibilidades
em três mil salas, três mil salas -
outsiders sem horas, desviantes, desviados
nas cidades absorvidas sem remédio.
cura impossível e abstracta
com a proximidade do céu
ali tão longe, ali tão perto -
fechar os olhos e delirar, delirares, delirarmos
ardentes, ardentes num mar de símbolos
em três mil salas, três mil salas -
dentro da cabeça um fogo de artifício
e os teus olhos em círculos
de três mil chamas, três mil chamas
três mil chamas de paraísos -
quarta-feira, 5 de janeiro de 2011
Emily
segunda-feira, 3 de janeiro de 2011
Amor
Clarence J. Laughlin
Aqueles olhos aproximam-se e passam.
Perplexos, cheios de funda luz,
doces e acerados, dominam-me.
Quem os diria tão ousados?
Tão humildes e tão imperiosos,
tão obstinados!
Como estão próximos os nossos ombros!
Defrontam-se e furtam-se,
negam toda a sua coragem.
De vez em quando,
esta minha mão,
que é uma espada e não defende nada,
move-se na órbita daqueles olhos,
fere-lhes a rota curta,
Poderosa e plácida.
Amor tão cheio de Amor,
Que sensível és…
Sensível e violento, apaixonado.
Sensível e violento, apaixonado.
Tão carregado de desejos!
Acalmas e redobras
e de ti renasces a toda a hora.
Cordeiro que se encabrita e se enfurece
e logo recai na branda impotência.
Canseira eterna!
Ou desespero, ou medo.
Fuga doida à posse, à dádiva.
Tanto bater de asas frementes
tanto grito e pena perdida…
E as tréguas, amor cobarde?
Cada vez mais longe,
mais longe e apetecidas.
Ó amor, amor,
que faremos nós de ti
e tu de nós?
Irene Lisboa
sábado, 1 de janeiro de 2011
um melhor ano
Fim de ano na Madeira (retirado da internet)
o pinheiro era largo e manso
ocupava de verde um quarto da sala.
foi há um ano.
a contribuição luminosa de uma estrela
recolocava o mistério da sombra
enquanto decorria, rápida, a última contagem;
os segundo caíam gastos.
foi há um ano.
invadiram os tectos as rolhas de cortiça
borbulharam pelos copos os bagos vaporosos
e nos maiores ruídos de alegria
todos desejaram e desejam
guardar o ano velho como um livro já impresso
no sítio certo, da sua biblioteca -
e todos acreditam, bem lá no íntimo
mesmo que nublados pelo pessimismo
um melhor ano está para vir -
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