sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Este Livro foi escrito há muito tempo


Fotografia de Daniel no site Olhares


Era uma mulher que estava dentro de uma sala muito branca.

Ouviu: – Não fujas. Não esqueças.

Era uma mulher lívida de medo de não conseguir esquecer

*
À volta da sala, havia um pomar redondo que a envolvia de maçãs

avermelhadas, difusas. Ela estava lívida e suja, entre a castidade

e o remorso.

Ouviu: – Esquece o arrependimento. Fica.

*
Ao redor do pomar, existira um rio que secara nos últimos

anos. Se o seguisse, junto à margem, em linha curva e longa,

encontraria uma cidade desconhecida. Embora nenhuma cidade

seja desconhecida se soubermos onde está.

Ouviu: – Perder-te-ás na ausência

de água do rio.
*
Não havia um único espelho na sala. Ela não sabia o que era o

princípio e o fim. Desconhecia os conceitos de vida e de morte.

Nunca medira a sala, nem o pomar, nem o terror. Se desejasse,

abriria a porta.

Ouviu: – Assustar-te-á a existência

de dia e de noite
*
Sabia o seu nome. Chamava-se Eva. Nunca questionara. Porque

haveria de questionar um nome simples e breve? Desconhecia o

texto bíblico, e o simbolismo das palavras. Se se chamasse mar,

ou cálice, ou manhã, não o questionaria.



A Inexistência de Eva, de Filipa Leal, Deriva, 2009

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