quarta-feira, 7 de setembro de 2011

O mar e Sophia


fotografia retirada daqui

MAR-POESIA: POÉTICA DO ESPAÇO E DA VIAGEM

1. MAR, IDENTIDADE, LIBERDADE E REINO

1.1. Mar, Identidade e identificação do sujeito lírico


MAR-POESIA abre com uma epígrafe poética detonadora da identidade da alma do sujeito lírico:

Mar,
Metade da minha alma é feita de maresia.
Atlântico, p. 9


A expressão prima pela economia de palavra que povoa o texto poético de Sophia: um verso ao qual não foi necessário acrescentar outros que igualmente o povoam; nem com eles fazer montagens, como se o poema fosse um filme, segundo o que Sophia de Mello Breyner explica com a maior clareza numa das suas Artes Poéticas (8). Um verso que define uma idiossincrasia da sua alma poética, como se a maresia pudesse a um tempo constituir metade da essência da sua alma e eventualmente cobrir, pelo seu elemento etéreo – o cheiro vindo do mar que penetra no ar -, a outra metade da sua alma.


A essência da sua alma poética vive da cumplicidade da maresia e da sua identidade como respiração da brisa marinha, numa harmonia perfeita de ritmo vital anímico e espiritual em que confluem as metáforas vividas do mar, do ar e da brisa ou vento suave, ritmo da própria respiração vital do sujeito lírico que, por sua vez, faz parte do universo do próprio mar, o qual dá pela ausência do sujeito lírico quando ele se aparta de uma praia e por ele vai esperando, no esplendor da maré vasa:

Há muito que deixei aquela praia
De grandes areais e grandes vagas
Mas sou eu ainda quem na brisa respira
E é por mim que espera cintilando a maré vasa
Há muito, p. 48


Relacionaremos as esperas com os espantos e a nostalgia da epopeia, ao longo do presente trabalho. Neste início, concentramo-nos sobre a espera na sua relação com a identidade poética do sujeito lírico. A poesia de Sophia vive muito de caminhadas, partidas e reencontros solitários, sendo a praia espaço de caminho, partida, reencontro, contemplação, renovação, até de esperança de regresso do post mortem para recuperar o não- vivido em plenitude e convertê-lo em vivido, na vida misteriosa liberta do peso da caducidade e da morte; ou para integrar toda a sua alma poética, identificada com toda a sua vida vivida junto do mar, em todos os instantes, e do instante para a eternidade, como libertação das contingências do tempo:


Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar
Inscrição, p. 40


Na poesia de Sophia, é relevante a identificação e identidade do sujeito lírico que se procura e encontra o seu próprio nome, relacionado com o acto de nomear pela palavra a essência do ser, a essencialidade do real, o “nome das coisas”. No poema “No mar passa”(p.26), o seu nome como essência do seu ser mais recôndito e identificado com o mar tem a expressâo “o meu nome fantástico e secreto”, perpassa e ecoa no mar e é apenas reconhecido pelo espírito, pelas metáforas do espírito – “os anjos do vento”- que sopra onde e como quer, em movimentos de sopro que se aproxima, e repentinamente se afasta do sujeito lírico que exprime o encontro e a perda dos “anjos do vento”. No universo poético de Sophia é importante o acto de reconhecer e ser reconhecido como exactidão de actos que é a justiça, muito em particular no plano ontológico. Na sua poesia, onde tudo se move com a maior liberdade, numa expressão contida, rigorosa, próxima do cinema e do bailado, consideramos que o vento é, por vezes, a um tempo o sopro do ar e do espírito. A expressão “anjos do vento”, no mesmo poema, sintetiza a ideia de seres espirituais ou “puros espíritos”, de seres alados que se aproximam semanticamente de aves e pássaros que povoam a poesia de Sophia, em suma, a metáfora do voo do vento conciliável com o voo do espírito (vide metáfora do voo da “ave do espírito” no poema São Tiago , in Ilhas) (9); sintetiza ainda uma forma de dança do vento, integrada no que ousamos designar como dança cósmica, movimento contínuo da natureza integrada no cosmos que povoa a poesia de Sophia, com a qual o sujeito lírico se encontra e da qual por vezes se perde, num ritmo natural, como veremos ao longo do presente trabalho (10):


No mar passa de onda em onda repetido
O meu nome fantástico e secreto
Que só os anjos do vento reconhecem
Quando os encontro e perco de repente
No mar passa , p. 26

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Helena Conceição Langrouva in Revista Brotéria Lisboa Maio- Junho e Julho 2002( ler mais aqui )

1 comentário:

Sourire * disse...

O mar é das palavras portuguesas que mais gosto.
O mar faz transparecer tudo, faz-nos pensar bem longe e sentir bem perto!