quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Avalanches ou Anunciações: Sugestão - um poema de Ana Luísa Amaral


Paula Rego

Logo pela manhã, em avalanche, entras-me por aí.
Solenes, como reis, chegam contigo gatos, papagaios,
algum astro pulsante à beira-mar e valsa, uma palavra
verde ou de outra cor. Se chegasses na hora do calor,

correndo pela estrada nacional, e em velocidade tal,
que conseguires parar junto à falésia: fantasia maior –
não serias mais bela alegoria. E em alegria, vejo-te a cair,
o risco de erosão a confirmar-se, uma pedra minúscula

a bastar, para que o meu sossego assim se pulverize.
Podia, se quisesse, ter desenhado ali, a meio do ar, de ti
(em queda livre): arbusto de resgate…Ou uma equipa
inteira de resgate: roldanas, capacetes, moderno material,

e lanternas com luz, último grito. Se o desejasse, podia,
se quisesse – E em fio equilibrado para lá de normal,
hesitar-me: alegria? A morte por ditongo iluminado,
ou o grito ao meu lado, sobre mim, comigo? Faço

do corpo em verso o mais puro colchão, e suave,
e resistente, chamo o resto da gente que me habita
e deitamo-nos rente ao final mais final desta falésia.
Convoco: aqueles astros, os gatos que trouxeste atrás

de ti, solenes, elegantes como valsa. Torno-me em pó
contigo cá em baixo, ou não me torno nada e só a ti
te faço estilhaçar, a ilha azul explodindo de mil cores,
em tela de cinema. Agora podes vir, que o tema em perigo:

igual à dura terra que nos abençoa. E as penas tão
brilhantes são motivo maior de pára-quedas. Vivem
a sustentar essa avalanche toda da manhã. Feita de
gelo e luz, e o calor morno dessa anunciação. Então,
Faça-se em mim.

Ana Luísa Amaral (lido aqui )

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