quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Dobrada à moda do Porto

Na sequência de um desafio lançado aos antigos participantes nos cursos de escrita criativa em poesia com a poetisa Ana Luísa Amaral surgiram vários poemas da autoria dos participantes e de alguns poetas por demais conhecidos. O tema proposto era sobre algo que se associasse a culinária ou alimentação. Como exemplo foi lembrado o poema do heterónimo de Fernando Pessoa, Álvaro de Campos, "Dobrada à moda do Porto":



Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,
Serviram-me o amor como dobrada fria.
Disse delicadamente ao missionário da cozinha
Que a preferia quente,
Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.

Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,
E vim passear para toda a rua.

Quem sabe o que isto quer dizer?
Eu não sei, e foi comigo...
(Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim,
Particular ou público, ou do vizinho.
Sei multo bem que brincarmos era o dono dele.
E que a tristeza é de hoje).

Sei isso muitas vezes,
Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram
Dobrada à moda do Porto fria?
Não é prato que se possa comer frio,
Mas trouxeram-mo frio.
Não me queixei, mas estava frio,
Nunca se pode comer frio, mas veio frio.

Álvaro de Campos

( Na sequência deste surgiu o já publicado "Chávena de chá" de José Almeida da Silva e outros que vão ser publicados)

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