quinta-feira, 30 de abril de 2009

Um poema de brincar

D.José perdeu o pé junto ao sapato
tropeçou caiu no chão
soltou ais até ao tecto.

Assustou em cima o gato
ao colo de D.Tina
por sinal muito achacada
a tão alta gritaria.

"Nhoc!Nhoc!" toca ao vizinho
chinelo a mão na anca
ar zombeta e descarado
tirando satisfação
de tamanho alarido
e de tanta aflição.

Abriu o trinco da porta
lá estava o desbocado
junto ao velho cadeirão
pernas ao alto
e todo o braço enfiado
num buraco do sobrado.

"D.Tina! D.Tina!
boa alma de vizinha!"
(não tem nada de santinha
mas tudo é permitido
na procura de final
na presente situação).

Volta ele:

"D. Tina! D. Tina!
Minha querida vizinha!
Quer ver que me esparramei
abri até ao rés-do-chão
e seguro o candeeiro
da sala em baixo
de D.Anunciação.
Surda que nem um soco
não ouviu a confusão
dorme a paz dos anjos
ressona como uma foca.
Que faço eu?
Se o largo cai em cima
se seguro caio eu!"

D.José então suplica:

"D.Tina! D.Tina!
Minha rica vizinha!
Vá lá baixo por favor
leve a escada manca
que está ali no arrumo
mesmo ao pé do corredor!"

"D. José! Oh D. José!
Já lá vou! Já lá vou!
Não grite tanto!
Já sabe como eu sou
desde que a Maria Rita
garota endiabrada
me arrumou com o livro
o do Camilo
"O amor de perdição"
junto ao ouvido
sofro de enxaqueca
dói-me demais a cabeça!
Fale baixo! Assim é que é!
Já lá vou! Já lá vou!"

Saiu D. Tina
fica D. José no chão.

Merecia fotografia
em três planos
um em cima
outra na descida
de escada na mão
por último de xaile preto
"Rrr..Rrr...Rrr..Rá...Rá...Rá..."
sem acordar
a D. Anunciação!

Poema dos olhos da amada

quarta-feira, 29 de abril de 2009

A dança dos afectos



São inexactos nos tamanhos
como as pedras que nos deixam as marés.
São tamanhos como escarpas
pois nunca se destrinçam os liames
nem a altura das pirâmides.

São os afectos como águas
na barragem em período de valias
suspensos e no momento imediato
em disparos de cataratas nas largadas
como filhos de cotovia nos vastos ares
que imensos são medonhos ficam.

São sensíveis como estames
nos lábios do silêncio das flores
e dançam nos quentes mimos do sol
quando extintas as sombras
em passos parados de girassol.

Animam-se de pequenos nadas e invenção
de sonhos e histórias crescidas nos lagos
nas estacas de suporte de verdes juncos
que unidos juntam forças nas danças
de pequenos insectos de pernas longas
no equilíbrio das superfícies.

Os afectos mesmo que mínimos
nas alegrias
são crianças distraídas num campo de violetas
em corridas sem cuidados
aos afios dos cardos
ao esconderijo das urtigas.

Os afectos não se explicam
existem como néctar
como vida
como "prima ballerina".

O castelo de Sofar

Procuro o castelo de Sofar
nas montanhas de Jahir.
Decido exausto a pausa na jornada
a vinte mil léguas do lugar
nas dunas de Aquiserá.

No coberto improviso de uma tenda
dentro vejo estrelas cor de chumbo
existo horizontal quedo no espaço
único de um prisma concentrado
o meu mundo.

Quando dói o corpo e se sente
o esqueleto solto o músculo lasso
desiste o olhar qualquer que seja a Lua
crescente decrescente cheia nova
indistinta; hiberna na ausência
adormece em qualquer tempo
de sossego ou ventania.

Abre-se a gruta do descanso
o silêncio.

Não sei quanto dura. Muito ou pouco
o cansaço e o recobro no primeiro sono.
Mas sei que depois o sonho
como capa e envoltura
cobre melhor o ombro a testa absurda
hesitante e insegura
na força que reafirma certezas
a golpes de cimitarra
aos inimigos do desejo
da procura.

Procuro as montanhas de Sofar
nas colinas de Jahir.

Amanhã será o dia das mil sortes
da estrela polar
voltarei a partir.

terça-feira, 28 de abril de 2009

3ª fase do Workshop de Escrita Criativa

Vai arrancar a 3ª fase do Workshop de Escrita Criativa (Poesia), sob a orientação da Professora Ana Luísa Amaral .
Para proceder à inscrição contactem a reitoria.
As datas estão confirmadas e são as seguintes:

- 06 de Maio de 2009
- 13 de Maio de 2009
- 20 de Maio de 2009
- 27 de Maio de 2009
- 03 de Junho de 2009

email para informações:
rrodrigues@reit.up.pt

contactos reitoria:
Universidade do Porto - Reitoria - IRICUP
Praça Gomes Teixeira, 4099-002 Porto
T: +351 220 408 193
Fax: +351 220 408 184

domingo, 26 de abril de 2009

Conhecer Clarice







Clarice por Clarice

Pedro Karp Vasquez

Ao mesmo tempo que ousava desvelar as profundezas de sua alma em seus escritos, Clarice Lispector costumava evitar declarações excessivamente íntimas nas entrevistas que concedia, tendo afirmado mais de uma vez que jamais escreveria uma autobiografia. Contudo, nas crônicas que publicou no Jornal do Brasil entre 1967 e 1973, deixou escapar de tempos em tempos confissões que, devidamente pinçadas, permitem compor um auto-retrato bastante acurado, ainda que parcial. Isto porque Clarice por inteiro só os verdadeiramente íntimos conheceram e, ainda assim, com detalhes ciosamente protegidos por zonas de sombra. A verdade é que a escritora, que reconhecia com espanto ser um mistério para si mesma, continuará sendo um mistério para seus admiradores, ainda que os textos confessionais aqui coligidos possibilitem reveladores vislumbres de sua densa personalidade.

A descoberta do amor
“[...] Quando criança, e depois adolescente, fui precoce em muitas coisas. Em sentir um ambiente, por exemplo, em apreender a atmosfera íntima de uma pessoa. Por outro lado, longe de precoce, estava em incrível atraso em relação a outras coisas importantes. Continuo, aliás, atrasada em muitos terrenos. Nada posso fazer: parece que há em mim um lado infantil que não cresce jamais.
Até mais que treze anos, por exemplo, eu estava em atraso quanto ao que os americanos chamam de fatos da vida. Essa expressão se refere à relação profunda de amor entre um homem e uma mulher, da qual nascem os filhos. [...] Depois, com o decorrer de mais tempo, em vez de me sentir escandalizada pelo modo como uma mulher e um homem se unem, passei a achar esse modo de uma grande perfeição. E também de grande delicadeza. Já então eu me transformara numa mocinha alta, pensativa, rebelde, tudo misturado a bastante selvageria e muita timidez.
Antes de me reconciliar com o processo da vida, no entanto, sofri muito, o que poderia ter sido evitado se um adulto responsável se tivesse encarregado de me contar como era o amor. [...] Porque o mais surpreendente é que, mesmo depois de saber de tudo, o mistério continuou intacto. Embora eu saiba que de uma planta brota uma flor, continuo surpreendida com os caminhos secretos da natureza. E se continuo até hoje com pudor não é porque ache vergonhoso, é por pudor apenas feminino.
Pois juro que a vida é bonita.”

Temperamento impulsivo
“Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever? Acho que assim: vem-me uma idéia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente. O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade.
Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. [...] Deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta? E também tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura. Vou pensar no assunto. E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso. Não sou madura bastante ainda. Ou nunca serei.”

Lúcida em excesso
“Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: é uma lucidez vazia, como explicar? assim como um cálculo matemático perfeito do qual, no entanto, não se precise. Estou por assim dizer vendo claramente o vazio. E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior do que eu mesma, e não me alcanço. Além do quê: que faço dessa lucidez? Sei também que esta minha lucidez pode-se tornar o inferno humano — já me aconteceu antes. Pois sei que — em termos de nossa diária e permanente acomodação resignada à irrealidade — essa clareza de realidade é um risco. Apagai, pois, minha flama, Deus, porque ela não me serve para viver os dias. Ajudai-me a de novo consistir dos modos possíveis. Eu consisto, eu consisto, amém.”.

Ideal de vida
“Um nome para o que eu sou, importa muito pouco. Importa o que eu gostaria de ser.
O que eu gostaria de ser era uma lutadora. Quero dizer, uma pessoa que luta pelo bem dos outros. Isso desde pequena eu quis. Por que foi o destino me levando a escrever o que já escrevi, em vez de também desenvolver em mim a qualidade de lutadora que eu tinha? Em pequena, minha família por brincadeira chamava-me de ‘a protetora dos animais’. Porque bastava acusarem uma pessoa para eu imediatamente defendê-la.
[...] No entanto, o que terminei sendo, e tão cedo? Terminei sendo uma pessoa que procura o que profundamente se sente e usa a palavra que o exprima.
É pouco, é muito pouco.”

Escritora, sim; intelectual, não

“Outra coisa que não parece ser entendida pelos outros é quando me chamam de intelectual e eu digo que não sou. De novo, não se trata de modéstia e sim de uma realidade que nem de longe me fere. Ser intelectual é usar sobretudo a inteligência, o que eu não faço: uso é a intuição, o instinto. Ser intelectual é também ter cultura, e eu sou tão má leitora que agora já sem pudor, digo que não tenho mesmo cultura. Nem sequer li as obras importantes da humanidade.
[...] Literata também não sou porque não tornei o fato de escrever livros ‘uma profissão’, nem uma ‘carreira’. Escrevi-os só quando espontaneamente me vieram, e só quando eu realmente quis. Sou uma amadora?
O que sou então? Sou uma pessoa que tem um coração que por vezes percebe, sou uma pessoa que pretendeu pôr em palavras um mundo ininteligível e um mundo impalpável. Sobretudo uma pessoa cujo coração bate de alegria levíssima quando consegue em uma frase dizer alguma coisa sobre a vida humana ou animal.”

A síntese perfeita
“Sou tão misteriosa que não me entendo.”

A certeza do divino
“Através de meus graves erros — que um dia eu talvez os possa mencionar sem me vangloriar deles — é que cheguei a poder amar. Até esta glorificação: eu amo o Nada. A consciência de minha permanente queda me leva ao amor do Nada. E desta queda é que começo a fazer minha vida. Com pedras ruins levanto o horror, e com horror eu amo. Não sei o que fazer de mim, já nascida, senão isto: Tu, Deus, que eu amo como quem cai no nada.”

Viver e escrever
“Quando comecei a escrever, que desejava eu atingir? Queria escrever alguma coisa que fosse tranqüila e sem modas, alguma coisa como a lembrança de um alto monumento que parece mais alto porque é lembrança. Mas queria, de passagem, ter realmente tocado no monumento. Sinceramente não sei o que simbolizava para mim a palavra monumento. E terminei escrevendo coisas inteiramente diferentes.”
“Não sei mais escrever, perdi o jeito. Mas já vi muita coisa no mundo. Uma delas, e não das menos dolorosas, é ter visto bocas se abrirem para dizer ou talvez apenas balbuciar, e simplesmente não conseguirem. Então eu quereria às vezes dizer o que elas não puderam falar. Não sei mais escrever, porém o fato literário tornou-se aos poucos tão desimportante para mim que não saber escrever talvez seja exatamente o que me salvará da literatura.
O que é que se tornou importante para mim? No entanto, o que quer que seja, é através da literatura que poderá talvez se manifestar.”
“Até hoje eu por assim dizer não sabia que se pode não escrever. Gradualmente, gradualmente até que de repente a descoberta tímida: quem sabe, também eu já poderia não escrever. Como é infinitamente mais ambicioso. É quase inalcançável”.

A importância da maternidade

“Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos. O ‘amar os outros’ é tão vasto que inclui até perdão para mim mesma, com o que sobra. As três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto. Tenho que me apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida. Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca [...].”

Viver plenamente
“Eu disse a uma amiga:
— A vida sempre superexigiu de mim.
Ela disse:
— Mas lembre-se de que você também superexige da vida.
Sim.”

Um vislumbre do fim

“Uma vez eu irei. Uma vez irei sozinha, sem minha alma dessa vez. O espírito, eu o terei entregue à família e aos amigos com recomendações. Não será difícil cuidar dele, exige pouco, às vezes se alimenta com jornais mesmo. Não será difícil levá-lo ao cinema, quando se vai. Minha alma eu a deixarei, qualquer animal a abrigará: serão férias em outra paisagem, olhando através de qualquer janela dita da alma, qualquer janela de olhos de gato ou de cão. De tigre, eu preferiria. Meu corpo, esse serei obrigada a levar. Mas dir-lhe-ei antes: vem comigo, como única valise, segue-me como um cão. E irei à frente, sozinha, finalmente cega para os erros do mundo, até que talvez encontre no ar algum bólide que me rebente. Não é a violência que eu procuro, mas uma força ainda não classificada mas que nem por isso deixará de existir no mínimo silêncio que se locomove. Nesse instante há muito que o sangue já terá desaparecido. Não sei como explicar que, sem alma, sem espírito, e um corpo morto — serei ainda eu, horrivelmente esperta. Mas dois e dois são quatro e isso é o contrário de uma solução, é beco sem saída, puro problema enrodilhado em si. Para voltar de ‘dois e dois são quatro’ é preciso voltar, fingir saudade, encontrar o espírito entregue aos amigos, e dizer: como você engordou! Satisfeita até o gargalo pelos seres que mais amo. Estou morrendo meu espírito, sinto isso, sinto...”


Textos extraídos do livro Aprendendo a viver, Clarice Lispector. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2004.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Passeios surreais

Uma exposição aberta ao critério
irregular de um jardim
projecto de mecenas já finado
no património sem família
na casa de traça senhorial.

As árvores centenárias lembram
os filmes de orvalhos nas florestas
de Sherwood onde se destacava Robin
uma Lady um rei Ricardo que rugia
na alma e se escondia nas sombras
do templário.

Mas que diz isso a uma pá vermelha
de dois andares nos cabos do futurismo?
Nada diz.

Mas de que serve uma casa verde
de espelhos e cadeiras giratórias
no meio da horta biológica?
Não serve.

Mas o que faz um vestido de cetim
no abraço de cascas e folhas de chá
e um laço azul "shocking".
Nada faz.

Espantado anda o corvo e não pouco
de bico afiado nos brilhantes
nos alimentos recheados de troféus
modernos em ondas de vento no mesmo
lugar.

Pelas sete da tarde poucos os passos
na terra batida nas cores vibrantes
do não natural; até os lagos parecem
aeoroportos vagos de libélulas e patos
no espelho verde das águas.

Um par um pato um pato um par
coordenados na proporção.
Uns andam outros escondem os remos
e deslizam de quilhas impermeáveis.
Uns trocam melodias entre os saltos
vivos do olhar outros algaraviam
de pressas nos ecos duplos triplos
sem comedidos discursos embora
se entenda o falar das migalhas
e o chapinar de asas na sofrega
vontade de as apanhar:
"Quá! Quá! Quá!"...

De mãos dadas
ambos gostamos do edifício branco
das janelas amplas quando
as tardes são calmas e mornas.
Gostamos de o ver por fora
enquanto sacudimos os pós
encostamos os braços
juntamos os lábios
em Serralves.

Quanto mais sós mais juntos
esquecendo por momentos as artes
abstractas
fluindo de "naturas" nas essências
do sentir das seivas que nos transforma
num contexto imaterial por magia
nos indistintos frutos do paraíso
da Natureza da Mãe-Terra como iguais.

Vamos planar como abelhas o pólen
das flores mais doces
ter colmeia fazer mel
nos passeios surreais.

Calor que cala a dor

O calor abana
O calor arranca
A anca morena
Chocalha
O calor choca
O calor atrapalha
O trabalho dá calo
O calor dá embalo
Abalo de lá
Para cá
Parece que há
Calor nesse vício
E a moça viçosa
Roça um ar de rosa
Tem a cor do calor
Tenra flor desfolhada
O calor e mais nada
Dança a moça
Calada

Bahia

Bahia
É lata
É bairro
É barro
É borra
E café
Mulher da manhã
Com dança no pé
Bahia
Dos carros
Dos ossos
Dos pobres
Dos podres
De amores
Que bebem as dores
Num copo sem fundo
Bahia é o guincho
Que acorda
O sono profundo
Bahia é o bicho
Que morde
E mia no escuro
Bahia é o mundo
Que segue
De passo
Inseguro
A coxear
Um Futuro
Manco
Bahia segue
De perto
O seu Orixá
Bahia do preto
Perdida de branco
Devota a Iemanjá
Bahia é pra já
Bahia imediata
Sem espera ou data
Sem plano de acção
Bahia canção
Multidão
Temores
De tambores
E dança
Balança
Sem esperança
Só samba
Só mar
Só morte e criança
Com fome na pança
Bahia bamba
De pernas compridas
Bahia descalça
Que salta
Ou assalta
Mostrando
As feridas

Um quadro magnífico

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Todos os dias

E tu que fazes? Fabricas fabricas?

Sim! Os operários são moléculas unidas unidas
numa extensão de átomos famintos famintos
onde argamassas de electrões gravitam gravitam.

As palavras são cascas de ovo partidas
que como ecos se repetem
as mesmas
definindo os lugares
onde se exprimem vários sentidos
na tômbola dos espaços preenchidos.


Cabriolando de cascos as montanhas Himalaias
sufocando nos ares rarefeitos os limites.
Miméticas de início nos silêncios
e de seguida
expandindo os inaudíveis sinais
à harmonia que endoidece de sinfonias
nonas.

Por vezes acham-se belas as palavras
e no momento seguinte na seguinte leitura
falsas vulgares fracas. Ainda não
literatura poema balada grito garra
no espírito absorto da febre
que arrasa
ao criar o impossível espelho
dentro de nós e nele nos vermos
transparentes límpidos nas verdades
nos sentimentos.

São sempre incompletas as palavras
e sendo assim se recomeça a miragem
sabendo que
nunca extenso é o saber
nunca perfeito o poema
nunca a escrita máxima
deslinda-se pouco o céu ignoto
o paraíso o infinito
nas sete capas protectoras
do indizível.

E o que faço?
Todos o dias fabrico fabrico
um manto de versos
de palavras invisíveis.

Dia mundial do livro


Não seria de bom tom ficar por assinalar no blogue a transição que permite a partilha de tantos milhões de palavras em tantas diferentes expressões, para tantos milhões de pessoas através dos livros. Por isso participemos e no dia de hoje, pequeno ou grande, se houver disponibilidade procure-se e compre-se um livro, um novo amigo nada exigente.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Uma história de candelabros

Amanhece
nasce o discurso ínfimo de recados
no início de um dia impuro cínico
de argumentos cobertos de neblina
não desejável não correcto
na procura da cura
posologia tão mínima que rasa
no tamanho o grão de milho
na dimensão do silo.

E tudo na mesma
sem sentido sem poema
como gota de geleia em caramelo
na borda do frasco de tampa seca.

Anoitece
desfiam-se folhas de alface rodelas de legumes
na salada fresca de água corrente
juntam-se cogumelos fatiados
a receita de um fio de azeite e gotas azedas
tudo se rebola na taça em cima da mesa.

O silêncio no ruído das notícias
como avalanche e certeza
que ao fim de tantos anos somos
somos apenas
uma história de candelabros
esguios apagados vazios.

Tudo começou na auréola de um crepúsculo.

Era tarde a praia deserta e trinta e um
nas águas tépidas de um Junho algarvio.
Contei-os antes do mergulho de pés molhados
à distância do pontão: trinta e um.

As gotas escoavam acendiam a pele luminosa.
Os cabelos eram limos confusos
na toalha amarela nos reflexos do sol.
Os dedos longos arqueados em brilhos de concha
distendiam em espaços uma chuva míuda de areias.

Trinta e um de novo no regresso mais junto
colocando a sombra o arrepio o pressentimento
paralelo entre o meu e o teu corpo.

Nesse fim de tarde nessa noite cada um seguiu
o seu caminho.

Na manhã seguinte uma mesa ao lado no hotel
a toalha branca a meia-de-leite o croissant
sumo de manga uma torrada e a geleia.
Foi o doce o argumento no presente
no guindaste leve do meu braço.
Usaste o charme como fala do destino
uniu palavras ideias nas areias afundadas
quando a espuma deixa o seu falar liso
e se afasta num jogo subtil que nem sempre
se entende qual o caminho: se nos falta
o areal ou se escorregam mais e mais
as ondas de caracóis nos embalos do mar.

Foi a tarde mais longa na volta das dunas
no disfarce nas cortinas dos arbustos.
Guardo imagens precisas não difusas
do puzzle descomposto de peças tuas.

Era um fruto de cidade tu mais aldeã:
" Gosto das maias que afastam os demónios
nas fechaduras, não gostas?"
Nem sequer conhecia e como esta outras
histórias. Deslumbraste as rotinas
de cafés negros jornais livros
nos fumos das nicotinas.

Naquele verão no intervalo das férias
disseram meus pais: "Vem!" eu nada sabia
passei a noite no comboio de mão dada
em misturas de saliva com uma menina algarvia.
Adormeci no seu ombro "pouca-terra...pouca-terra"
era já de madrugada. Acordei e disse adeus
na estação de Tavira.

De seguida trinta e um consequência
a praia o pontão o hotel o crepúsculo
da primeira vez.

Um fim-de-semana e foi preciso um mês
no juntar novo de brisas dos candelabros
de velas imóveis e mais cinco anos de chamas
sem derreterem as ceras fortes únicas
até aos dias de consumos vastos
só saciados no desacato das cinzas.

Anoitece
agora passaram mais cinquenta
e se por vezes falas ao meu ouvido
apenas escuto as memórias e o som
ininterrupto do silêncio
na distância de dois candelabros
entre a salada e a indiferença
sem sementes de futuros de existência
sem os fetos e as heras esquecidas
na circunstância de não sermos mais
e ser apenas dois candelabros vazios.

Dia da Terra


foto Bullit Marquez/AP




O dia da Terra passa quase despercebido em Portugal. Criado em 1970, pelo senador norte-americano Gaylord Neson, manifesta-se essencialmente nas escolas do país.

O que começou, em 1970, como um protesto nacional contra a poluição, é assinalado à escala mundial, com iniciativas centradas na preservação do Planeta e na importância da reciclagem.

Por todo o país decorrem actividades que comemoram o Dia da Terra, assinalado mundialmente, a partir de 1990, no dia 22 de Abril.

No Porto o projecto "Together Green", vai oferecer flores na Rua S. Francisco Xavier. Se um dos 78 estudantes de “t-shirt” verde mobilizados para a campanha lhe oferecer flores não estranhe, não é "Impulse", é o Dia da Terra.

(Copiei de um site a imagem e o texto) Não temos outra.A Terra é a nossa casa há que cuidar dela: "R" e "R" e "R" - Reduzir, reciclar reutilizar! Esta é casa maior que existe logo os problemas são muitos, mas as gotas todas juntas fazem um mar, com a contribuição de uns poucos podemos começar pela nascente e com muitos seguir o rio!
Sejamos atentos!

O futebol dos filósofos

Se Arquimedes ainda jogasse futebol diria: "Eureka"!


Um pequeno momento de humor genial!

Pergunta ao mocho se sabe ou não

Moinhos de vento perseguia
velas gastas dedos vazios
alguém me chamava
eu não ouvia!

A roda rodava
moía moía
branca farinha
tornava macia.

As vozes lá fora
e eu não sabia!

Um vulcão um dia
do ventre da terra
subia subia
lançava lava
brechas abria.

Portas janelas
rodas farinha
num mar de raiva
tudo sumia!

Quanndo assustado
do lume das pedras
nos arvoredos
já me escondia
indaguei ao vento
o que acontecia?

"Eu só sopro e ribombo
em voz de trovão
das tempestades
não sei a razão!
Pergunta ao mocho
se sabe ou não!"

Vi alto o mocho
parado ficou não se mexia
olhos redondos fechava e abria.

Eu acordado já não tremia
do negro sonho já emergia.

Olhos abertos via caminhos
na quietude sabedoria!

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Vladimir

Tenta beijar a mão
fugitiva lesta:
gesto de enfado
a resposta é não.

Procura o cotovelo
menos sorte
no desvio na saída
acerta-lhe de raspão.

"Quem espera sempre alcança"
vai ao ombro
no toque leve
ingénua decisão.

Indiferença nem se vira
gélida fria
arrogante declina
desafina o coração.


Escrevi este pequeno poema depois de ler um livro pequeno ou antes um conto grande
de Turguéniev chamado "Primeiro Amor" em que Vladimir é um jovem personagem.

domingo, 19 de abril de 2009

The poetess (1940)

MIGRAÇÔES

As transformações por que a alma passa
são análogas às daquela árvore que tenho no quintal. Já a vi despida,
ébria, numa ânsia de líquidos
e nuvens. Depois, vi-a
resplandecente de folhas, pesada,
impondo-me o respeito dos seus frutos - como
se eles não estivessem ali para que eu os colhesse antes que
apodreçam, caídos no chão, ou os pássaros os comam! E
pergunto-me: que relação existe entre
essa árvore nua de Inverno, e a árvore sob o verde manto
do verão? Serão os mesmos ramos os que se estendem na sua despida
fragilidade, como se nada os prendesse no ar, e os que ostentam
a jóia de flores e rebentos, com o seu ar primaveril?

Ao cortá-los, para que não tapem o sol às plantas que têm de
nascer à sua volta, penso nesta comparação
entre a árvore e a alma; e em como, nas coisas da natureza, não se liga
a sentimentos, deitando fora o que é inútil para que o novo possa ter
o seu lugar. Mas uma alma não se
deixa podar, como a árvore. O seu crescimento faz-se sobre si mesma; não crescem
sobre outras flores e frutos, juntando-se nessa mistura que
obriga o homem a decidir, a ter de esquecer partes da sua vida,
mesmo que saiba que a alma guarda tudo, e que um dia tudo voltará
ao de cima.

Nuno Júdice "Cartografia de emoções"

sábado, 18 de abril de 2009

The Raven

Solidário com a escolha da Sara encontrei esta dupla versão com as palavras originais
em Inglês e a tradução de Fernando Pessoa e resolvi publicar.


meu povo lindo, ando a descobrir este senhor e partilho-o convosco. a traduçao é do nosso Pessoa.

nao sei o que se passa com a formatação, que alguns versos aparecem cortados... quem perceber disso por favor componha o poema, que eu não sei.


      O CORVO
      *

      (de Edgar Allan Poe)

    Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
    Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
    E já quase adormecia, ouvi o que parecia
    O som de algúem que batia levemente a meus umbrais.
    "Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.

    É só isto, e nada mais."

    Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
    E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
    Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
    P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
    Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,

    Mas sem nome aqui jamais!

    Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
    Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
    Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
    "É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
    Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.

    É só isto, e nada mais".

    E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
    "Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;
    Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
    Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
    Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.

    Noite, noite e nada mais.

    A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
    Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
    Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
    E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
    Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.

    Isso só e nada mais.

    Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
    Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
    "Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
    Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais."
    Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.

    "É o vento, e nada mais."

    Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
    Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
    Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
    Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
    Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,

    Foi, pousou, e nada mais.

    E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
    Com o solene decoro de seus ares rituais.
    "Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
    Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
    Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."

    Disse o corvo, "Nunca mais".

    Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
    Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
    Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
    Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais,
    Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,

    Com o nome "Nunca mais".

    Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
    Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
    Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
    Perdido, murmurei lento, "Amigo, sonhos - mortais
    Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais".

    Disse o corvo, "Nunca mais".

    A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
    "Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais,
    Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
    Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
    E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais

    Era este "Nunca mais".

    Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
    Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
    E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
    Que qu'ria esta ave agoureia dos maus tempos ancestrais,
    Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,

    Com aquele "Nunca mais".

    Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
    À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
    Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
    No veludo onde a luz punha vagas sobras desiguais,
    Naquele veludo onde ela, entre as sobras desiguais,

    Reclinar-se-á nunca mais!

    Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
    Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
    "Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
    O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
    O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"

    Disse o corvo, "Nunca mais".

    "Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
    Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
    A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
    A esta casa de ância e medo, dize a esta alma a quem atrais
    Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!

    Disse o corvo, "Nunca mais".

    "Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
    Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
    Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
    Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
    Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"

    Disse o corvo, "Nunca mais".

    "Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!
    Torna á noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
    Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
    Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
    Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"

    Disse o corvo, "Nunca mais".

    E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
    No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
    Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
    E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,

    Libertar-se-á... nunca mais!

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Imagine



Esta é uma das minhas canções preferidas e com base nela fiz este poema que aqui deixo! Também gostei dos óculos redondos de lentes azuis imaginei uma tela branca e de cada vez que abrisse os olhos ter o céu azul - sempre!

IMAGINA

Fecha os olhos ...
Imagina!

O Sol durante o dia
estende seu manto morno
no alpendre
no baloiço
no jardim das mariposas
nos ramos de um salgueiro
tremeluzindo de cores!

Fecha os olhos...
Imagina!

Na noite crepuscular
sobe a Lua dos mistérios
não redonda mas esguia
nesse quarto crescente
que namora a melodia!

Imagina!

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Dias de Abril

O tempo incerto tem tempestades
nuvens cinzentas e largas outras de dedadas
buracos de meia onde espreita o Sol.
Nas carapaças qual tartaruga aquece
fecha-se os olhos no espaço de luz
sugando o astro nas precisas
tão quentes energias.

Assim se sente da natureza as temperaturas
abrem pétalas e polens de voos mínimos
febres de fenos espirros de resfrios
e sempre o calor descendo de dossel
no rosto silente imóvel querendo
sentir as mensagens do vento no bronze
da pele.

Nestes dias de Abril estendo palmas abertas
recebo as outras mãos distantes do Paraíso
a dança breve de uma brisa nos cabelos
que entra nos meandros da cabeça
onde me sento de almofada nos sentidos
desvendando segredos nos altares inconscientes.

A surpresa de um novo filme numa trama de seda
um casulo nascente de folhas de amoreira
deslumbrante improvável resplandecente
só nossa tão dentro
COMIGO ME DESAVIM

Comigo me desavim,
Sou posto em todo perigo;
Não posso viver comigo
Nem posso fugir de mim.

Com dor da gente fugia,
Antes que esta assi crecesse:
Agora já fugiria
De mim , se de mim pudesse.
Que meo espero ou que fim
Do vão trabalho que sigo,
Pois que trago a mim comigo
Tamanho imigo de mim?

Sá de Miranda

quarta-feira, 15 de abril de 2009

O guardador de rebanhos

Ariana

Ariana é feita de chama
pede o jeito o beijo
a seguir reclama
a cadeia dos dedos que incendeia
os maiores desejos de quem ama.

Sem medo sem rodeios
pede na forma certa
agora já sem mais demora.

Tem pressa na procura de almofada
até ao leve sopro de quem
mais não quer acabou e pede sim
o sossego de adormecer.

Ariana tem o medo de acordar
se acabe o sonho a pressa de amar
por isso pede antes ao amante
que no fim sim no fim
quando deixar
os cabelos de lado na cama
e o rosto de ar completo
que parta vá embora devagar
e a deixe a ela sempre sempre a pensar
que foi sonho e o pode retomar.

No resto da noite Ariana dorme
dorme o sonho
e sonha de novo a pressa de amar.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Tricotando com palavras

Tive, na Faculdade, um professor escocês que, a conselho psiquiátrico, tricotava longas tiras de malha, quando tinha de ficar parado, isto é, enquanto vigiava frequências ou exames.
Fascinava-me a rapidez incrível com que tricotava e o ponto certinho, que quase transformava aquelas tiras de malha, lindíssimas, em obras de arte, de leveza e perfeição

Não sei fazer tricot mas, não resisto ao desafio de tentar tricotar uma longa tira de palavras., não sei ainda como mas, com certeza, nunca com a beleza da malha certinha, do meu professor escocês!

Neste meu tricot, as palavras são os meus novelos e a esferográfica e depois, as teclas do computador, as minhas agulhas.
As palavras são preciosas, como jóias antigas! Mas, não sei se vou saber tricotar com elas! O meu professor, aqui a meu lado, sorri e diz-me que sim...

Na esteira de Cesare Pavese, que escreveu a frase “ O mar parece azeite”, escrevi, um dia, que “O mar parece um oleado ondulante e pardo”. Não é aquele, nem este mar que quero tricotar! Não tenho novelos esverdinhados e viscosos como o azeite, nem tenho novelos pardos como um oleado!
Prefiro aquela massa líquida, imensa, translúcida, de um azul profundo, salpicado de luz, que não quero rematado por espuma mas, por gatinhos brancos, pequenas bolinhas de pêlo, que saltitam, rebolam e brincam contentes e libertos da dor de pensar, como o gato de Pessoa.
Estes gatinhos, só meus, não brincam na rua, brincam na areia, também, como se fosse na cama e, sem molhar as patinhas felpudas, são a mais bela cercadura viva, para esse mar do meu encantamento.
E, no meu vestido azul, enfeitado de veludo branco, que me fica tão bem, eu tricoto esse mar magnífico, com os meus novelos azuis, bordados a fio de prata e com os meus novelos brancos, cansados de tanta brincadeira! E, à medida que se desenrolam os novelos e as malhas se entrelaçam, enroscam-se, ternamente, no ar, a música deliciosa, sorridente de Mozart e o perfume, suave e macio, dos lírios do campo, da lavanda, da alfazema e do tomilho.

Mas, logo a seguir, desce a noite gelada e tempestuosa e o mar é, agora, um abismo imenso, negro, rasgado por relâmpagos que ziguezagueiam e se despedaçam nas vagas encapeladas, violentas que batem fortes, em furioso turbilhão, contra as rochas e açoitam, endoidecidas, a areia serena e branda. E, a música poderosa de Wagner, que traz consigo laivos de vermelho que lembram sangue e que lembram guerra, irrompe das profundezas desse abismo aterrador, com o cheiro a raiva, a vingança, a sal e a algas.
E eu tricoto esse mar com as palavras pesadas, assustadoras que são os meus novelos de escuridão e de pesadelo!
Foi muito penoso tricotar este mar, de vagas enormes, a ribombar, alterosas.
Enganei-me no ponto e deixei cair malhas, como lágrimas.
Estou cansada e encolho-me, com frio, no meu vestido escuro, com laivos vermelhos que lembram sangue e lembram guerra.

A noite tempestuosa esvai-se e o dia nasce...
E, na claridade límpida e serena da madrugada, o mar que vejo, é azul cristalino, com pinceladas de cor-de-rosa, salpicado de ouro e vai-se aproximando, devagarinho, timidamente, num marulhar feito de ternura e de amor, ao encontro da areia dourada, macia e húmida que o espera, também ela, témula e ansiosa. E o mar, num redemoinho de emoções, com o coração aos tropeços, o cor-de-rosa agora já o vermelho da paixão, espraia-se nela e, cobrindo-a com um rendilhado delicado de espuma, qual renda de bilros, abraça-a, beija-a e sussurra-lhe inconfessáveis segredos, envolvendo-a nas suas ondas mansas, para logo se fundirem num abraço de luz!
Depois, na languidez preguiçosa, apaziguada, do amor saciado, ele deixa-se ficar, a revoltear, junto dela, numa suave ondulação.
E, eu, no meu vestido azul claro com pinceladas de rosa e de vermelho, vaporoso e, quase translúcido, tricoto com os meus novelos macios, a fio de luz entrelaçados, este mar enamorado e a areia, sua amada!
Deles emergem, suavemente, a doçura de “Für Elise” de Beethoven, e o doce e envolvente perfume das rosas e do jasmim e o cheiro delicado e pensativo das gardénias.

O tempo muda e o mar reflecte o céu que, de repente, ficou cinzento e agora quase, mas quase, esverdinhado, viscoso e pardo. Este é o mar gélido, desolado dos náufragos, dos suicidas, do desespero e da loucura!
E, eu, no meu vestido cinzento, opaco e feio, tricoto este mar de infelicidade, de vidas violentamente interrompidas, esse mar onde repousam sonhos em pedaços, projectos destroçados, farrapos de Esperança perdida, com os meus novelos cinzentos, baços, e tristes e neles, agora, é Chopin que chora baixinho e cheira a velas e a flores murchas, apodrecidas! Como os afogados, como os sonhos desfeitos, como os projectos, para sempre, apenas projectos, como os farrapos de Esperança destroçada!
Esgotou-me, tricotar este mar a cheirar a morte e a podridão!

É tempo de voar, reencontrar a alegria de viver e de correr, ansiosamente, atrás do sonho de voltar ao ponto de partida!
Mas, chorosa, deparei-me com um mar de luto. Um mar estranho que me enjoou, que me provocou a agonia do vómito e dos suores frios, quando o cheiro horrendo da fome mais negra, da doença sem remédio, da miséria mais pungente, da guerra mais impiedosa, me atingiu, em cheio, como uma bola incandescente!

Não sei tricotar este mar! Não vou tricotar este mar! Não quero tricotar este mar!

Então, com o poder imenso, fantástico, quase divino das palavras feitas novelos de lã, modifico este mar e transformo-o numa toalha imensa, esplêndida, cheia de cor e de luz, com um remate de espuma que é, afinal, uma sumptuosa renda de Bruges, que estendo sobre uma mesa infinita, agora alegre e farta pois, sobre ela há inesgotáveis alimentos e remédios, uma imensa solidariedade e uma forte e terna fraternidade! Para que não haja fome, nem doença, nem miséria, nem guerra!
E, eu tricoto esta toalha maravilhosa com os meus novelos amarelos, vermelhos, azuis, cor de laranja e verdes e deles brota a música sensual da kizomba, e o som agreste e excitante, dos batuques, e deles, brotam também os cheiros fortes, tropicais, da vegetação exuberante, do abacaxi, do maracujá, da papaia, do coco e o cheiro a barro, consolado da terra vermelha, depois da chuva!

E, tricoto, ainda, com os meus novelos, agora, endiabrados, carregados de erotismo e desejo, os corpos negros, lascivos, suados, que se agitam indomáveis, em frémitos de prazer e de paixão, ao ritmo inquietante e frenético dos batuques!

As palavras, meus novelos feiticeiros, conferem-me, ainda, com o seu poder mágico, quase divino, a possibilidade singular de criar, só para mim, um espaço de maravilhosa fascinação, neste mar africano.
Não vou pôr no mar, em seu lugar, um relâmpago, como fez Luís Miguel Nava. Os relâmpagos são brilhantes, belos e poderosos mas, assustadores!
Também não vou pôr no mar, em seu lugar, um vasto campo de miosótis pequeninos e azuis, onde eu pudesse dançar, solta e descalça, ao som de uma melodia belíssima, fantástica, que o mar compusesse, só para mim, como fiz um dia!
Não! No lugar do mar, vou pôr um mangal, só meu, transbordante de encanto e de romantismo, com flamingos cor-de-rosa, só meus, acácias em flor, só minhas e uma cascata imensa, cristalina, cheia de luz e brilho, a brotar, deslumbrante, entrelaçada numa vegetação magnífica, vestida de verde de mil matizes, também, só minha!
Envolta em panos coloridos, artisticamente traçados sobre o meu corpo, modelando-o, tricoto, feliz, este mangal de fantasia, com os meus novelos que escorrem beleza e encanto, num delírio de cores e ofuscantes de luz e onde ressoam os batuques, a kizomba e, onde paira, provocante, o cheiro fresco mas, atrevido, das acácias em flor!

Já arrumei o meu texto tricotado.
O meu professor escocês já se despediu, e, como é um cavalheiro, limitou-se a sorrir e a dizer-me, docemente: “ My dear, don`t worry! It`s just a question of practice!”
Mas, lá no fundo, penso que lhe fez uma certa confusão, este meu tricot lento, desajeitado, com ponto incerto e malhas caídas! Como lágrimas...


Nota: Este texto é muito extenso mas, estou a "pendurá-lo" no
nosso blogue, com permissão da nossa querida Ana Luísa que não
sabia como era... enorme!
Desculpem e obrigada se tiverem paciência para me lerem.
Voltei a recordar a África do nosso encantamento, António Luiz!
Especialmente, para si, aí vai um mangal, a kizomba, os batuques e acácias em flor!

Maria Celeste Carvalho

Eu já não sou eu

A partir do mote:

O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu


este é o poema conseguido:

O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu
E me tiver perdido
Nas voltas que o tempo deu!

Procurei-me e não me achei...
Perdi-me no tempo voraz... ruim
Que, indiferente, passou...
A correr, veloz, por mim!

E a quem me perguntou
Não soube dizer quem sou...
Nem para onde devia ir.

Perguntei qual o caminho
De volta ao tempo...
Ao tempo em que eu era eu.
Mas, ninguém me quis ouvir...
Ninguém me viu...
Ninguém me respondeu.

O poema levou-me no tempo
Perdi-me... Não sei onde estou!
E... no turbilhão sem fim
Das voltas que... o tempo deu
Perdi-me... da poesia
Que me amarrava... a mim.

E, sem alma...cega...vazia
Nas voltas que o tempo deu...
Perdi-me... não sei quem sou
Perdi-me...eu já não sou eu!

Nota: Como foi Páscoa, ressuscitei!!
Nunca esqueci a nossa muito "prezada" Ana Luísa,
nem os queridos Amigos, com quem tive a alegria de
participar no Workshop Escrita criativa( Poesia )I
Abraço apertado,

Maria Celeste Carvalho

Porcelana da China

A porcelana fina torna-se translúcida
na chávena oriental de cor ilíquida.
O eclipse de contraluz deslinda o invisível
rosto comprimido fundo de laterais decorativos
onde surgem precisas fortes as imemoriais tintas
e a leveza autêntica de porcelana da China.

É rodeio esta prosa este desmontar de restos
de caramelo um encosto aspirante de silêncio
após a transferência no fumo de ervas presas
condensados vapores inéditos das essências.

Se se teima outra vez a posição inicial
e se eleva a delicada asa junto ao lábio
de novo o intermédio a pausa o sabor
que passa além da linha de um olhar e
pousa no incómodo de não ter mais
onde colocar os dedos a não ser ressaltos
de superfície ainda quente ainda morna
agora fria.

No previsto fim de nascente no bule é então
o momento que se inicia de frases incompletas
que exigem companhia esclarecimento e ainda
uma outra harmonia tangida na distância
de memórias que aproximam esta outra aquela
de girândola sem intervalos como onda
milidispersa de gotas na rótulas dos joelhos
ou cedendo sem destino areias lisas e castelos
difusos entre espumas.

Qual a razão do rosto na ideia milenar?
Talvez o entendimento uma irmandade cheia
lunar que se estende no rubor ténue
nas asas das porcelanas voar de aromas
no ilustrado quadro do diálogo de faces
efectiva sensitiva translúcida sintonia.

O Sonho

O sonho desarruma
tudo, muda
as formas do mundo altera a ordem dos
assuntos é difícil contá-lo

quando por fim saímos
e acordar
se torna alívio chegamos a ser nele
assassinos faz crescer angústia

do amor perdido
evitamos a
custo precipícios desalinho
de imagens como um filme de espírito

mas afinal a vida também vive
na dor e na ânsia pelo que não existe

Gastão da Cruz

Prémio Correntes de Escrita Póvoa 2009

quinta-feira, 9 de abril de 2009

O que é o amor?Não sei; nem é preciso

O que é o amor? Não sei;nem é preciso
Tentar saber, - tentar ou descobrir
Porque razão há quem pretenda ouvir
A fala de um olhar ou de um sorriso.

Jamais devemos formular um juízo
Para poder pensar ou reflectir
Sobre o que nasce e anda a progredir
No silêncio das almas, impreciso...

Tumulto sereníssimo e fecundo;
Domínio dominado na inconstância
De fixar os desvarios do mundo...

E se a vida é somente o que se vê,
Será melhor andarmos na ignorância
De nos amarmos sem saber porquê.

O poema do menino de Fernando Pessoa



Gostei imenso de Maria Bethania mergulhada na magia das palavras de Fernando Pessoa

Um samba para o poeta Vinicius

Surreal

Não te posso dizer tudo claro

Não te posso dizer tudo claro
muitas as razões para...
não ainda não agora não acrescento
receios de palavra incerta
como metáfora exemplo dúvida
interior que batente me apoquenta;
um sarilho curvilíneo de quem se perde
na clareira como escuro labirinto.

Não te posso dizer tudo claro
deixo cair as migalhas do indício
embora as sinta imóveis atentas
aguardando uma saída um ruído
nos silêncios tardios.

Não são claros os dias de muitos segundos
(intranponíveis obstáculos nos passos de chumbo)
talvez um dia a gravidade de lua mais leve
mais nossa mais tua nos dê o sossego
de uma noite imensa segura.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Não lhe sei o nome

Não lhe sei o nome apenas imagino
que se ligue de forma plena no sorriso
que embaraça faz cair a pálpebra
a quem sem defesa desmorona na presença
de... não sei o nome já o disse!

Ninfa seda cetim estrela
áurea Atenas que passou num único voo
óvulo de origem na imagem que ficou
presa na retina na ideia no poema
sem o nome nem discurso
de sorriso borboleta!

terça-feira, 7 de abril de 2009

"Eça agora"

Encontrei este vídeo de uma canção que gostava. Achei simples mas terna a animação.
É também um tributo aos Maias de Eça de Queirós nas palavras do meio.

Encontro o Vaso e o Mar



Encontro
A fugir te encontro
Atrás de ti todos os dias me encontro
A paz pode esperar
Tudo torna-se azul claro e
Indizível e transparente.

Encontro
O vaso e
O mar.

Aldeia

Apesar de já nem tantos, ainda há rebanhos, o cão de guarda e os pastores de cajado torto e marcas nodosas. Ainda há sombras protectoras de árvores e algumas flores
que aguardam os cuidados na apanha para a jarra . Por vezes falam as ovelhas nas vozes delas e silva o ar o som agudo de um assobio. Há distâncias mais puras que separam os campos das cidades.


segunda-feira, 6 de abril de 2009

Páscoa

Não desminto o sorriso de Páscoa
nos brilhos das pratas envolventes
de castanhos chocolates
de amêndoas.

Há a doçura alcaçuza excessiva
em naufrágios redutores nas baías
de marfim e as frases submersas
encaracoladas de palavras não nítidas;
discursos de festas.

Santa sexta sábado domingo
a visita do Senhor, senhor abade
e alguns outros de opa branca,
um poste de crucifixo
escondido no carro mini

A mesa posta:
o cálice de vinho fino liga bem
com o doce de fios de chila
o pudim e a outra doçaria.

Ao toque da campainha
do pequeno sino
todos de roda na porcelana
de aro dourado. As conversas
de circunstância sobre os dias
que passam sem mudança
e os desígnios de futuros
nos sorriso repetidos
dos mais velhos das crianças.

Guardo de esperança na Páscoa
um "Bonjour" de amêndoas de licor.

domingo, 5 de abril de 2009

Um céu e nada mais

Um céu e nada mais - que só um temos,
como neste sistema: só um sol.
Mas luzes a fingir, dependuradas
em abóbada azul - como de tecto.
E o seu número tal, que deslumbrados
eram os teus olhos, se tas mostrasse,
amor, tão de ribalta azul, como de
circo, e dança então comigo no
trapézio, poema em alto risco,
e um levíssimo toque de mistério.
Pega nas lantejoulas a fingir
de sóis mal descobertos e lança
agora a âncora maior sobre o meu
coração. Que não te assuste o som
desse trovão que ainda agora ouviste,
era de deus a sua voz, ou mito,
era de um anjo por demais caído.
Mas, de verdade: natural fenómeno
a invadir-te as veias e o cérebro,
tão frágil como álcool, tão de
potente e liso como álcool
implodindo do céu e das estrelas,
imensas a fingir e penduradas
sobre abóbada azul. Se te mostrasse,
amor, a cor do pesadelo que por
aqui passou agora mesmo, um céu
e nada mais - que nada temos,
que não seja esta angústia de
mortais (e a maldição da rima,
já agora, a invadir poema em alto
risco), e a dança no trapézio
proibido, sem rede, deus, ou lei,
nem música de dança, nem sequer
inocência de criança, amor,
nem inocência. Um céu e nada mais.


Ana Luísa Amaral (Lisboa, 1956-)
in Às Vezes o Paraíso (Quetzal Editores, Lisboa, 1988)


Em jeito de Parabéns à nossa poetisa/ mentora deste blog, que festeja hoje o seu Aniversário, aqui fica mais um poema lindo de Ana Luísa Amaral. Aproveitem!

Les coquelicots

Há princípio

Nunca se sabe se tudo é tudo
ou se algo escapa
o saber é fio de horizonte
de perto se faz longe redondo
é origem de Oceanos o sítio dos mares
o destino dos rios ázimos sem o sal
o plâncton numa pressa de margens
inclinadas.
O saber é nascente sem a queda do Sol
a nuvem dupla que recebe a luz
e destila águas puras contínuas
gotas de elevador a deslizar nas folhas
em sumiço plano nas cobertas do chão;
incompleto e intermédio
construído ou inconstruído
de pressupostos que o são
válidos inválidos ou não.

Há princípio no saber bordamos origens.

Subimos na miragem da princesa no castelo
quanto mais subimos mais alta se torna torre
cresce mais e mais uma escada de cabelo.

Sorrimos subimos sorri
sorrimos continuamos-

Há muitos muitos anos era uma vez
uma pedra no caminho
era uma vez o ìnicio do saber-

Liberdade

sexta-feira, 3 de abril de 2009

A árvore inclinada e o ninho

Há uma árvore inclinada junto ao parque
em frente à Câmara. Pedra lavada
embranquecida no edifício um da Avenida.

Ressaltam relevos escurecidos de outra
época, não tão lisa, mais vária.

Só uma árvore como atleta de corrida
ângulo agudo direcção ao Sul;
promessa de partida.

Na imagem de sonho subo o tronco
acerco os ramos as crinas de folhas
e parto com ela
direcção ao cais caindo ao rio
flutuando na textura de brilho
de olhar imerso nela a árvore
na raiz da alma dela
acenando as margens pequenas
nos braços grandes do mar.

Há uma árvore inclinada junto ao parque
em frente a Câmara e só agora reparo
um ninho de plumas entrançadas
da mesma cor das pedras claras
sem ovo nem aves
e penso:
quando vierem
quando nascerem
voo com elas.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Dia Internacional do Livro Infantil



um sorriso feito de papéis


linhas desalinhadas de
palavras.

contos de contar
e versos de rimar.

desenhos às cores
pintados
em dedos de magia.
caracóis de fantasia.

sombras de música
e danças de roda
em salpicos e memórias.
coisas engraçadas
e outras histórias.

estrelas perdidas no mar,
e árvores antigas a cantar.
princesas, fadas e dragões,
mais quarenta e sete ladrões.

é fazer séria
a brincadeira.

ser criança
e ser herdeira
de contadores,
poetas,
jograis
trovadores
e menestréis.

dar-te um sorriso
feito de papéis.



raquel patriarca
dois.abril.doismilenove

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Confissão post-morten

Nasci, cresci um pouco à margem,
ou à míngua das benesses, ou do carinho,
subi tortuosos caminhos,
e desci escorregadias ladeiras;

vivi com sofreguidão a vida
e paixões as mais díspares e diversas,
e algumas tão tamanhas
que acreditei eternas;
mas perguntei-me por vezes:
- se fugazes,
porquê grandiosas e tamanhas?

Então, alheava-me da paixão,
por tudo e por nada vivia o desassossego,
e tantas vezes vivia a Vida
tão ferido de exclusão
que confesso não me entendia!...

Então, buscava a doce ternura
que quase sempre encontrava
lá longe, arredada , tão longínqua de mim,
e pegáva-a , derramando-a nos olhos
de quem me olhasse nos meus,
até me chegar a fadiga ou a exaustão,
que me subtraía a dôr
e me fazia proliferar a ilusão,
crivando-me a alma de fantasias,
e trespassando-me de luz o coração!...

Tentei estar na fila da frente,
após cumprir os meus sessenta,
esgrimindo-me contra o ódio,
a falsidade e a maledicência,
que tanta gente afugenta.

Corri atrás da liberdade,
que jamais pude atingir;

quiz ter Vida apaziguadora
de um mar revolto de emoções,
trinchei o ciúme e a cobardia
até sofrer grave mutação;

Transformei-me em alucinado ser
ao lutar pela verdade indiscutível,
mas desisti, bati no fundo,
situação gélida, inenarrável,
para mim contra-habitual, contranatura!

Preferiria ter-me afugado
numa lagoa de mel e bondade ,
ou ter-me explodido
num frondoso bosque de amôr,
equidade e de temperança!...


(António Luíz , 31-Março-2009)