quinta-feira, 2 de outubro de 2008

A Pulga

Observa esta pulga, e repara nisto -
Quão pouco é o que me recusas -:
A mim sugou primeiro e agora suga-te a ti,
E nesta pulga nossos dois sangues se misturam.
Confessa: de tal não pode dizer-se
Que é pecado, ou vergonha, ou desfloramento,

Portanto ela goza antes de cortejar,
Saciada, incha com um sangue feito de dois,
O que, enfim, é bem mais do que ousaíamos.

Oh, espera. Três vidas poupa numa pulga,
Onde nós quase - não, mais do que - Casados estamos:
Esta pulga é tu e eu, e isto aqui
É o nosso leito, o nosso templo nupcial;
Embora os pais - e tu - protestem, estamos juntos
E enclausurados nessas vivas paredes negras.
Ainda que o uso te autorize a matar-me
A tal não se acrescente o suicídio,
E o sacrilégio: três pecados ao matar nós três.


Cruel e precipitada, já de púrpura
Manchas a tua unha como sangue da inocência?
De que poderia esta pulga ser culpada
Senão dessa gota que chupou de ti?
Mas tu triunfaste, e afirmas que te
Não encontras, nem a mim, mais fracos agora:
É verdade. Então aprende como são falsos os medos:
Esta mesma dose de honra, quando a mim te renderes,
Perderás -igual à vida que a morte desta pulga te roubou.



John Donne (1572-1631)
in "Poemas Eróticos" Assírio e Alvim -
tradução de Helena Barbas

1 comentário:

Rio disse...

muito bonito mesmo.