terça-feira, 21 de outubro de 2008

Ponto de Partida num Parágrafo

Ponto de Partida num Parágrafo I
No enlaço dos teus braços morrem pudores e recatos breves, que deslizam à descoberta da curva da orelha, onde sussurro desejos a fugir pelo pescoço, peito e pele num percurso de pêlos, navegado rente aos ossos, até respirar o teu sexo feito mastro emergindo dum mar salgado a apelar por descobertas e lugares profundos, onde desaguo num desalinho de gritos rubros, na certeza de que cheguei ao para-sempre e aqui vamos experimentar felicidades várias, todas elas eternas, perfeitas, nossas.

Ponto de Partida num Parágrafo II
Morre a força de cansaço nos teus braços miúdos onde enlaço paraísos de desejo e mundos perfeitos para onde iremos fugir depois de te foder, depois de navegar os seios que imagino serem mamas tumultuosas de mamilos hasteados a apontar a ruína que se segue, depois de me afundar entre as tuas coxas e desaguar as fragilidades do meu querer na cona de seda que me promete um futuro em que não acredito, mas que espero um dia experimentar, nem que seja para de novo partir e me perder de mim.

Ponto de Partida num Parágrafo III
Nos teus braços morreríamos, mas o amor é fodido e lá fora os outros e o mundo invejam este paraíso de onde tenho de partir, para regressar ao inferno e voltar e, de novo sentir o futuro no teu sexo, atravessar o teu corpo e experimentar felicidades virgens, aquecer a alma nas tuas coxas, transpirar a liquidez do desejo até me derreter no exílio da tua pele e por fim regressar ao ponto onde decidi partir e te perder.

Ponto de Partida num Parágrafo IV
Morri na lembrança que tenho de ti e nenhuma espécie de ressurreição me fará regressar a esse mundo onde permites que se arquitectem atropelos ao amor puro e se desenhem destinos onde os nossos corpos não se enlaçam, mesmo quando continuam a produzir torrentes de lava interior emergente, invocando incandescências que são uma ameaça à perfeição das leis putrefactas e cobardes de quem não sabe sequer o que é o amor.

4 comentários:

raquel patriarca disse...

gosto do desconcerto total do parágrafo IV. "Morri na lembrança que tenho de ti e nenhuma espécie de ressurreição me fará regressar"... muito bonito.
R

liliana disse...

Gostei muito da originalidade do texto a duas vozes, em que se mistura amor, desejo, paixão, utopia, realidade e as linhas do desencontro, do sexo e dos outros em nós. A forma como tudo de desenlaça, tudo passa, na procura num sentido, no sentido das sensãções, na dor inaceitável da partida e da perda e de tudo o que nunca se perde.

Ana Luísa Amaral disse...

muito, muito interessante estas duas vozes -- ainda por cima emparelhadas! belíssimo exercício. títulos óptimos

Maria Inês disse...

um texto muito forte!
A articulação das duas vozes é surpreendente. Sim senhora!