Hoje ponho a leitura em dia, que bem que sabe.
Também queria agradecer o tão bem que soube o jantar!
13
um prato
um copo
partilhado
tão bem
passado, surpresa
e sentir
que bem calhou
vinil, guitarra
olhar-vos nos olhos
poemas
nos vossos sorrisos
sentir também o meu
que bem que soube
um doce sal
e as gargalhadas
que se for banal dizer
sermos diferentes poemas
um colorir sentidos
saudades de futuro
que sei que tenho!
terça-feira, 27 de abril de 2010
El más pequeno

Cartier Bresson
Es el más pequeño de todos, el último.
Pero no le digáis nada; dejadle que juegue.
Es más chico que los demás, y es un niño callado.
Al balón apenas si puede darle con su bota pequeña.
Juega un rato y luego pronto lo olvidan.
Todos pasan gritando, sofocados, enormes,
y casi nunca le ven. Él golpea una vez,
y después de mucho rato otra vez,
y los otros se afanan, brincan, lucen, vocean.
La masa inmensa de los muchachos, agolpada, rojiza.
Y pálidamente el niño chico los mira
y mete diminuto su pie pequeño,
y al balón no lo toca.
Y se retira. Y los ve. Son jadeantes,
son desprendidos quizá de arriba, de una montaña,
son quizá un montón de roquedos que llegó ruidosísimo
de allá, de la cumbre.
Y desde el quieto valle, desde el margen del río
el niño chico no los contempla.
Ve la montaña lejana. Los picachos, el cántico de los vientos.
Y cierra los ojos, y oye
el enorme resonar de sus propios pasos gigantes por las rocas bravías.
Vicente Alexandre
segunda-feira, 26 de abril de 2010
para que os peixes saibam

Amadeu Sousa Cardoso "Entrada"
nunca por nunca de qualquer modo
quis pálpebras tristes janelas fechadas
sem asas sem aves sem árvores.
corro.corro. junto ao jardim da buganvília
à fonte da boca d'água e cara de teatro.
desço.desço. a rua inclinada
até à margem só de madrugada
de orvalho sem vivalma. e grito. grito.
para que todos os peixes saibam
que nunca. nunca por nunca
quis teus olhos tristes
os braços como espadas
os ombros altos de muralhas
e os lábios a sete chaves
sem o sopro das palavras.
Dying Mannequin

Tens quilómetros de vida debaixo do vestido
restos de documentos históricos célebres
praças chumbadas a geometria descritiva
e ainda assim nódoas negras belíssimas
lesões que dão flor na primeira primavera
de cada mês
rotundas iluminadas por minúsculas intempéries
a circulação condicionada nas artérias
de maior afluência e imperícia.
Tens, em certa medida, um apartamento
com vistas para a intermitência de riscos
e promessas de enciclopédia na pele
onde a vastidão e as areias convencem
e os olhos repetem estranhas litografias:
uma caixinha consagrada à convergência
de um homem melhor no seu mistério
a noite, como uma jóia irrequieta qualquer
dentro da caixinha
e principalmente um pedaço de juventude
acrítica e leve
posta à prova num livro entreaberto
censurado pelo vento e lido pela líbido
e os direitos autorais do teu suor
agora sou eu que os protejo e incito.
domingo, 25 de abril de 2010
Xilofone
Vou desfazendo estrelas com as mãos
Enquanto partes
d-o-r
deposito o pó em vasos
em embriões ingénuos de passado
um testamento de memórias na pele
que a água não apaga
não lava
nem as lágrimas são estrelas
— a ausência é um planeta isolado
distante o sol deseja não ser nada
só luz
perder o corpo
vou desfazendo estrelas com as mãos
enquanto partes
p-ó
nascem flores do pó
com pele de seda e água
a matéria presa
—surda
só nada em mim
quando partes
só estrelas
só sonho
s-ó
Enquanto partes
d-o-r
deposito o pó em vasos
em embriões ingénuos de passado
um testamento de memórias na pele
que a água não apaga
não lava
nem as lágrimas são estrelas
— a ausência é um planeta isolado
distante o sol deseja não ser nada
só luz
perder o corpo
vou desfazendo estrelas com as mãos
enquanto partes
p-ó
nascem flores do pó
com pele de seda e água
a matéria presa
—surda
só nada em mim
quando partes
só estrelas
só sonho
s-ó
liberdade

Salvador Dali
álvaro escrevo-te hoje para agradecer
aquela carta de caligrafia tão delicada.
não se usa escrever já asssim as frases.
cortam-se as palavras nas pressas de internet.
apreciei que dissesses que me amavas
e que levasses cinquenta linhas e dez parágrafos
até que tomasse a devida nota que não sonhei
não foi por acaso aquela mão no ombro
e o beijo na face deslocado quase no canto
no canto dos lábios.
álvaro chega por volta das sete, sete e um quarto
e traz a espingarda - como bem sabes é metáfora
que gosto de todos os animais até da víbora
e não gosto de caça. matas-me e eu mato-te
quando chegares.
álvaro traz a mala verde e três mudas de roupa branca
t-shirts calças de ganga as botas fortes de borracha
dois chapéus de palha e uma enxada.ah! e não te esqueças
álvaro três diários.
álvaro vamos para o campo
só voltamos daqui a dois anos -
maria -
Roll bus roll
O autocarro é estéril
A noite calma e ébria
O portátil é o teu gira-discos
O meu amor é portátil
Descartável
Reciclável
O teu amor é um autocarro
O teu amor é o gira-discos
Portátil
Ébrio
O amor é o infinito _ reciclável
O amor é uma calma ébria
Uma noite portátil
Um gira-discos descartável
O meu amor é a tua música.
A noite calma e ébria
O portátil é o teu gira-discos
O meu amor é portátil
Descartável
Reciclável
O teu amor é um autocarro
O teu amor é o gira-discos
Portátil
Ébrio
O amor é o infinito _ reciclável
O amor é uma calma ébria
Uma noite portátil
Um gira-discos descartável
O meu amor é a tua música.
sábado, 24 de abril de 2010
Não temas
Não temas que esse medo também é meu
Tremem os joelhos e os ventrículos marcham rápido no breu
Não sinto os dedos nesta parestesia de dor
Não sinto o espaço
Pára o tempo em mim numa paralisia de ausência
Não temas
Não temas que este meu medo é um ladrão de medos
Rouba os medos alheios num egoísmo isolado a preto e branco
Não temas
Não temas que o medo de tudo te priva
do beijo e da queda
Resta-te o nada que te embrulha e preenche
Não temas
Não temas que esse teu medo também é meu.
Não temas que esse medo também é meu
Tremem os joelhos e os ventrículos marcham rápido no breu
Não sinto os dedos nesta parestesia de dor
Não sinto o espaço
Pára o tempo em mim numa paralisia de ausência
Não temas
Não temas que este meu medo é um ladrão de medos
Rouba os medos alheios num egoísmo isolado a preto e branco
Não temas
Não temas que o medo de tudo te priva
do beijo e da queda
Resta-te o nada que te embrulha e preenche
Não temas
Não temas que esse teu medo também é meu.
sexta-feira, 23 de abril de 2010
Pó

Biblioteca Peabody
Nas estantes os livros ficam
(até se dispersarem ou desfazerem)
enquanto tudo
passa. O pó acumula-se
e depois de limpo
torna a acumular-se
no cimo das lombadas.
Quando a cidade está suja
(obras, carros, poeiras)
o pó é mais negro e por vezes
espesso. Os livros ficam,
valem mais que tudo,
mas apesar do amor
(amor das coisas mudas
que sussurram)
e do cuidado doméstico
fica sempre, em baixo,
do lado oposto à lombada,
uma pequena marca negra
do pó nas páginas.
A marca faz parte dos livros.
Estão marcados. Nós também.
Pedro Mexia, in "Duplo Império
os livros. os livros. os livros. 23 de abril 2010
DIZER-VOS ‘OBRIGADA’.
Dizer-vos ‘obrigada’ pelo encontro de ontem. Ao texto da conferência em que estou (ainda…!) a trabalhar, cujo título é “Topografias em (quase) dicionário: Rotas e travessias” e que apresentarei na próxima Terça-feira, acrescentei hoje um parágrafo. Vem a seguir à travessia entre poema e leitor e a Alberto Pimenta e Nanni Balestrini, falando sobre a diferença entre leitor e público. E diz assim:
“(…) Convoco uma experiência que me está muito próxima. De há uns dois anos para cá, tenho dado pequenos cursos de escrita criativa, que vão agora na sua terceira edição. A partir desses cursos e da amizade que foi sendo construída, construímos também um blogue (http://www.omarpareceazeite.blogspot.com/) e temos feito jantares mensais. O último desses jantares foi há precisamente seis dias. A um oceano de distância de outra partilha numa língua comum, partilho aqui e agora convosco da alegria dessa travessia real que é escutarmo-nos uns aos outros, em poemas trazidos por jovens e menos jovens, com profissões que vão desde a de empresária, professora de física ou professor de literatura, à de jornalista, tradutor ou psiquiatra. Alguns poemas vêm em cuidados manuscritos, acompanhados a cor, outros, dactilografados, outros ainda em pequenos papéis de ordem vária e forma irregular.
Neste último encontro (e porque nos tornámos mais exigentes no tocante ao espaço em que celebramos a poesia, dispondo agora de um local onde ela pode ser, ao lado de ementas elaboradas, experimentada a desoras), a viola prometeu vir a tornar-se um acompanhamento habitual – e a ela juntar-se-á, tudo indica, o saxofone. Talvez um dia destes alguém traga uma flauta, nunca se sabe. Ou um oboé. Não descurando o rigor, que, seja como for, no nosso caso é, felizmente, diverso do metodológico, porque assenta nas intensidades, estes são trânsitos que se situam fora de muitas elaborações teóricas e passam sobretudo pelo prazer da beleza, pela vivência de uma experiência estética apoiada na presença do outro, vivo, e no verdadeiro exercício dos cinco sentidos em torno da poesia. (…)”
Obrigada pelo sentir. Pela inspiração. E pela amizade.
ana luísa amaral
Dizer-vos ‘obrigada’ pelo encontro de ontem. Ao texto da conferência em que estou (ainda…!) a trabalhar, cujo título é “Topografias em (quase) dicionário: Rotas e travessias” e que apresentarei na próxima Terça-feira, acrescentei hoje um parágrafo. Vem a seguir à travessia entre poema e leitor e a Alberto Pimenta e Nanni Balestrini, falando sobre a diferença entre leitor e público. E diz assim:
“(…) Convoco uma experiência que me está muito próxima. De há uns dois anos para cá, tenho dado pequenos cursos de escrita criativa, que vão agora na sua terceira edição. A partir desses cursos e da amizade que foi sendo construída, construímos também um blogue (http://www.omarpareceazeite.blogspot.com/) e temos feito jantares mensais. O último desses jantares foi há precisamente seis dias. A um oceano de distância de outra partilha numa língua comum, partilho aqui e agora convosco da alegria dessa travessia real que é escutarmo-nos uns aos outros, em poemas trazidos por jovens e menos jovens, com profissões que vão desde a de empresária, professora de física ou professor de literatura, à de jornalista, tradutor ou psiquiatra. Alguns poemas vêm em cuidados manuscritos, acompanhados a cor, outros, dactilografados, outros ainda em pequenos papéis de ordem vária e forma irregular.
Neste último encontro (e porque nos tornámos mais exigentes no tocante ao espaço em que celebramos a poesia, dispondo agora de um local onde ela pode ser, ao lado de ementas elaboradas, experimentada a desoras), a viola prometeu vir a tornar-se um acompanhamento habitual – e a ela juntar-se-á, tudo indica, o saxofone. Talvez um dia destes alguém traga uma flauta, nunca se sabe. Ou um oboé. Não descurando o rigor, que, seja como for, no nosso caso é, felizmente, diverso do metodológico, porque assenta nas intensidades, estes são trânsitos que se situam fora de muitas elaborações teóricas e passam sobretudo pelo prazer da beleza, pela vivência de uma experiência estética apoiada na presença do outro, vivo, e no verdadeiro exercício dos cinco sentidos em torno da poesia. (…)”
Obrigada pelo sentir. Pela inspiração. E pela amizade.
ana luísa amaral
Musas de calendario

(Meus amigos, a todos os que estiveram na maravilhosa noite de ontem: assim a poesia ainda vale mais! Obrigado pela forma como me receberam e como emitiram as vossas fantásticas palavras e imagens. Deixo-vos com um poema acabadinho de fazer, em espanhol. Amo esta língua. Há muito tempo que já não escrevia nela e voltei hoje.
Abraços e beijos)
El poeta sigue creyendo
en calendarios con musas
y en todos los malos modos
de usarlas:
primero con sospecha y renuncia,
luego con ríos de curiosidad
gritos de guitarra y champán.
En los inmensos desdenes de su harén
el poeta mantiene una casa poco recomendable.
Más de cerca, en la apatía del patio:
un grupo de Marías Antonietas
menos famosas pero más probables
se desnudan del tiempo negro de la venganza
al que se entregaron como poemas
que se hacían pasar por milagros.
Hoy y siempre es martes de carnaval.
A los niños les sale muy fácil expresarse
jugando con el oculto bajo las dádivas
de la petulancia.
También les pasa lo mismo
a los poetas que siguen creyendo
en musas de calendario
figuras de santas en su despacho
que nunca cicatrizan en las paredes
totalmente fieles de la inevitabilidad.
quinta-feira, 22 de abril de 2010
língua de poeta
trevas. as janelas de negro
medo. medo de ter medo
medo de ser sombra de ser luz
medo de ser trevo e erva seca
de ser néctar ser veneno
medo.medo -
não há coragem no que digo –
oscilo entre a uva e a vindima
cálice de mosto e vinho de aguardente
perdendo o equilíbrio
como a gravidade lunar num suspensório antigo
elástico, repetido
como um barco sem remos, sem destino
no ritmo de uma onda que se cria.
medo. medo. tenho tanto medo-
uma tesoura aberta sobre um fio
e um grito rouco. um eco distante
boca braço abraço
que me circunda e quebra
o refúgio mais certo de ser náufrago -
ilha. ilha de sal.
medo. medo de não ser
o retrato e o pó
as cartas e o nó
de um laço de palavras. palavras escritas
das que se guardam num relógio de pulso;
uma. uma. uma. uma em cada batida:
ritmo síncope de uma gota a abrir círculos como saída-
o medo. o medo. o medo
de ser lágrima
e ser língua de poeta -
yo tambien soy Garzón
"há um telhado onde o vento vem chorar"
poema de juan kruz igerabide - uma página do meu caderno
afilado es el tejado de mi casa;
llora el viento
llora cuando pasa.
Juan Kruz Igerabide
este poema, escrito originalmente em basco e aqui traduzido para castelhano, fala de um telhado como a única parte de uma casa que se avista de muito longe. fala do olhar de uma criança que perdeu a casa no dia em a falange lhe levou os pais. fala de um homem adulto preso na memória de um telhado pousado na linha do horizonte, onde o vento vem intencionalmente chorar. e fala de vidas e de verdades que nem o vento pode esquecer.
raquel patrairca
vinteedois.abril.doismiledez
vinteedois.abril.doismiledez
Suspenso do teu nome

Suspenso do teu nome
Que indelével me retine
Na lembrança sinto
O veludo das tuas mãos
Serenando-me a insónia
Do medo que em criança
Chamava por ti.
Vinhas e então vinha o sono
Para exorcizar o medo
E tranquilizar a noite.
O sonho fazia o resto,
Sorria-me como tu fazias
Com o veludo das tuas mãos
E dos teus lábios pousando
Um beijo na minha testa.
É música o teu nome
Ecoando em mim a harmonia
Desde menino, agora vinda
Da eternidade que te dou.
O medo hoje é a tua ausência
Anoitecendo-me o coração.
(2010.04.21)
José Almeida da Silva
have a nice day
nice, nice day
este é o lema de um desejo.
dia azul de primavera
não cai o sol como casaco de ovelha
não há suor cansado na protecção da sombra.
suspensos sobre tábuas tortas
os aromas de jasmim, muitos e pequenos.
está reunido em cima de uma nuvem o concílio?
concílio de obscura origem nas más profecias?
nos escuros medos dos labirintos? Não, não acredito.
gosto dos teus cabelos e de um sorriso dentro deles –
um lenhador nas florestas de Iguaçu
lança um grito aos pássaros no último golpe do machado
inclina e parte a madeira no ruído farto
mas não cai a árvore, outras esticaram os braços.
ainda a páscoa, ainda as amêndoas de açúcar e licor
um travo gradual de um pouco de álcool –
ainda cedo nas pampas argentinas.
voam os espíritos claros que vivem livres
e são de asas os cavalos, pégasus de crinas
de cascos batidos no lado cardíaco.
não é tarde para a manta de retalhos
a visita das formigas, da joaninha.
a possibilidade de adágios de um carnaval
sem estátuas duras de camille . sobre-
sobre um guardanapo de tecido, biscoitos
tranças doces e uma termos de plástico
chá negro inglês que sempre desperta
um sopro de lábios, um ligeiro fumo
em refluxo, recolhendo de novo o bordo
e o fumo. os dedos . os dédalos de dedos
como crivos frescos de folhas, de folhas –
no brasil do rio as praias longas
no recife corais escondidos
na baía uma dança de saia de palha
um ventre molhado de oriente
solto de samba. as vozes. os ritmos.
uma chuva de gotas. gotas de pés descalços
um círculo sem poeira e um rosto
um rosto que se desenha .
não são verdes mas ruivas as folhas
raios atravessando uma caruma de versos
alinhados, paralelos, incontados, infinitos
e uma, uma caruma, aguda sobre o tornozelo
um som soprano no lóbulo, ao vento -
voou um colibri batendo asas numa acácia.
não voou mas ia jurar. a brisa. os olhos.
a brisa sobre os olhos. a velocidade.
o movimento acelerado. o riso . os cabelos -
nos mares da china anda uma jangada
e por maiores, muitos e medonhos – os medos
se voam os versos é porque há ilhas
e luas e planetas e lagos, lagos de estrelas-
have, have
a nice, a nice day
este, este é o lema de um desejo -
e um sorriso dentro dele -
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