quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

APELO DE UM AMOR FERIDO

Eu sonhei louca felicidade
com um amor doce, abençoado,
mas perdi minha liberdade,
é inutil meu grito amordaçado.

Meu sonho vive em ruína,
tão manchado pela maldição,
não m' esforces ter-te em surdina,
- liberta-me! e ter-te-ei com paixão.

Não me cries mais ansiedade,
quero de novo o chilrear de passarinhos,
... que deles hei tanta saudade.

Não me subjugues a teus desvarios,
inunda-me d' amor e de gestos mansinhos,
... e nossas lágrimas não desenharão mais rios!


António Luíz , 25.01.2009
Prezados,

O primeiro "encontro à margem" das sessões clandestinas de poesia criativa terá lugar no Guarany pelas 21:30 no dia 29 de Janeiro de 2009.

Um poeta que se preze não faltará.

Azul cobalto- os dois rostos num aperto

Este poema foi escrito em paralelo com o que publiquei anteriormente da "Maria"
e pretende criar um ambiente a que chamei " Díptico do desencontro"


Azul cobalto- os dois rostos num aperto

Acordei preso de pétalas
amarelo malmequer
rodeado de cabelos em ogiva
os dois rostos num aperto.

Diria o sonho extinto
não fosse a flor na jarra
azul cobalto
que rodava crendo-se viva
sorrindo na volta do vidro
caule esguio de uma linha
na mesinha onde sopra
seiva verde de permeio
entre o linho do tecido
e o mármore cinza um pouco frio.

A luz ténue matinal
película fina
qual imperativa razão
desce lenta a persiana
adormeço de novo
no mesmo sonho

e
sinto-me de ti como o crepúsculo
prisioneiro na longínqua serrania
num rubor rosa de nuvens

os dois rostos num aperto
e um bailado
dos teus braços de alimento
ao meu corpo em desconcerto
tonto ao sê-lo.

É sonho bem sei
e planeio
bem mais do que um simples devaneio
poemas de palavras
que te toquem os cabelos
com ternura
as mãos dadas e os passeios
de aromas silvestres sabor de amoras
que te troquem os jeitos a postura
a miragem de um oásis
nos sossegos do teu seio

e ser eu o jardineiro
de ganga e saco de juta
na procura das sementes
no canteiro dos teus lábios
doce rosa de Alladin.

É sonho bem sei
mas a flor diz o contrário
na jarra côr azul
azul cobalto

os dois rostos num aperto
tontos dois tontos
sem sê-lo

O voo frágil do colibri

Abraço a árvore da selva amazónica
cara ao lado nas unhas de casca

a árvore e eu sózinha.

Pelo caminho das gangas sobe um esquilo
descansa no cinto castanho irmão de côr
segue grávido de noz ao redondo lugar
da toca na altura do cabelo.

Qual o nome destino que desponta
o ritmo batuque pulsante
que alimento de sabrinas
pés distantes no calor liso das raizes
milenar fluído de liras capilares
circular música sina dos sentidos

a árvore e eu sózinhas.

Posição imprópria e singular
acalmia
sinto-me bela adormecida
no berço rutilo titânio das pupilas
braços abertos seios despertos
desejo
a seiva fruta dos lábios
ofereço
o cálice flor de mel
no voo frágil do colibri

a árvore e eu
Aqui.

Maria-

domingo, 25 de janeiro de 2009

O autêntico segundo

Deste-me aquele poema que já foi lido
em feltro azul de traço largo
não saberás que me guio em linhas
de cabelo recém nascido traço fino
fino muito fino.

"Para ti"- como se estrela única
entre mil conchas de Pacífico
mergulho corajoso de rocha alta
ganhando lanço sustendo sopro
no puro engano que abraço como sendo
a luz singular do teu desejo.

Guardo a exigência no saco fundo
como quem se desvia da falsa areia
na toalha de caranguejos e corais
num jogo de crianças junto ao mar

e quando sempre e por acaso
me deixo afundar
nesse buraco demais aberto
guardo o autêntico segundo
a íntima certeza de posse
traço largo;
cinde esse mundo que adivinho
no lento crescer da minha linha
fina muito fina.

poesia de que gosto

é mais conhecido como escritor de prosa, no entanto tem poemas muito interessantes
cortando com o tradicional. Pareceu-me importante trazer ao blogue algumas delas.
hoje deixo-vos uma:

poema das coisas aladas no coração da minha irmã flor

as coisas aladas ensinam o chão. explicam-lhe quanto há entre terra e céu,o
caminho livre de voo, a vista elevada de deus. eu vejo anjos e os anjos são,
das coisas aladas, os sonhos mais completos. erguem-se braçados de asas a
educar o vento, percursos de sopro que se abrem nas dimensões, e luzem nas
nossas cabeças como homens enfim pássaros, como se as árvores pudessem
ser casas nossas e nada nos acordasse na força do frio ou da chuva. como se
nos cumprimentássemos em pleno ar, seres tão leves atarefados com mais
nada. seríamos só pulmões cheios, máquinas de pairar, alegres imprecisões
ao alto

valter hugo mãe "folclore íntimo"



nas palavras do próprio poeta e escritor "as maiúsculas fazem-lhe confusão"
em sua homenagem e respeito todo este texto é minúsculo!
A neve a entrar nos teus olhos de sol
sou eu
a humanidade orgasmática a suar, a vir-se
em quentes frios espasmos,
a neve que te entra nos olhos
Sou eu, o que rejeita a publicação a Joyce,
a que tira as manchas de sémen nas camisas de Proust
a que abraça Rober Diaz, a que chupa Borges
pessoas passo a passo com frio a transpirar
a consolar-se a cada perda
Sou esta humanidade inteira nuclearmente ansiosa de riso e de calor e o meu suicídio será um povo etnicamente puro pegar no seu míssil de prata -
sou o ditador a comer iogurte de morango depois da limpeza étnica
as estrelas brilham para eles
a gente de verdade consola-se à escala humana,
a mais perigosa a Maior
E sou tu, a ler este texto,
e agora no rio está reflectida a nossa cara, a múltipla perspectiva
menina a arder com Messenger ligado

Nuno Brito, 2009

sábado, 24 de janeiro de 2009

Carícia lenta permanente

Assinalo o benigno dia
que é teu
aqui ao lado
disfarçado na sombra
do Sol que te deseja.

Solto o beijo, a mão
ingénuo e cândido;
meu modo de ser.

Deslizo de sonho
no etéreo fumo dos afectos
junto a ti

Evolamos na brisa dos gestos inéditos
poesia reti(s)ente de asas imensas
carícia lenta, doce e permanente
riso sano
e no mesmo instante
o búzio gigante, sussurros,
rumorejo, sossego sim;
assinala o benigno dia
que é teu
nas ondas do mar.

Vinicius e Neruda - Dois sonetos

Soneto do amor total

Amo-te tanto, meu amor...não cante
O humano coração com mais verdade
Amo-te como amigo e como amante
numa sempre diversa realidade

Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo.te, enfim, com grande liberdade
dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude
com um desejo maciço e permanente

E de te amar assim muito e amíude
É que um dia em teu corpo de repente
Hei-de morrer de amar mais do que pude.

Vinicius de Morais



XLIV

Saberás que não te amo e que te amo
pois que de dois modos é a vida
a palavra é uma asa do silêncio
o fogo tem a sua metade de frio

Amo-te para começar a amar-te
para recomeçar o infinito
e para não deixar de amar-te nunca:
por isso não te amo ainda.

Amo-te e não te amo como se tivesse
nas minhas mãos a chave da felicidade
e um incerto destino infeliz.

O meu amor tem duas vidas para amar-te
por isso te amo quando não te amo
e por isso te amo quando te amo

Pablo Neruda

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Bonitas as árvores

"Bonitas as árvores?" e tu dizes nada
atento ao toque, trinados metálicos
feitos de moda e metal imediato

"A Bolsa sabes! Não é dia! LIgou-me
o Estevão!"

Assinei de palmas as penas do chão
as folhas castanhas secas fluídas
carapaça olfactiva de terra negra
e de uma formiga essa sim atarefada
de um ponto branco, uma migalha.
Centrei-me nela indefesa tão pequena
ampliei de vista as antenas, a cabeça
ametista, a pata levantada soltando
a baga, a gota cansada de caminho
e ela fugindo, ela por baixo
por cima a migalha.

"Gosto das árvores no Outono
erguem os braços fortes, finos!
Vês deste lado, um esquiço
um "Siza" chino, traços leves
fundo azul.
Gosto das cores cambiantes matiz
o som dos passos na forma elástica
interminável de um poema, estala."

E tu calado estendes a mão no meu ombro
afagas a pele; que interessa a palavra
a biologia do resto?

"Não queres sentar? Abrimos o jornal
não sujas o fato. Anda. Aqui no relvado.
Lembras-te do silêncio da Serra
no casebre de madeira da Estrela?

"A Bolsa sabes! A todo o momento..."

E os meus olhos dentro de mim:
vejo um prado longo de verde
umas meias longas brancas
umas tranças
uma Alice de tufos macios
um relógio grande de fadas
e imagino outras palavras:

"Bonitas as árvores?"
- Sim! Bonitas as árvores contigo ao lado!"

Maria-

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

As griffes de coração

Escadas verde alface
as portas de laranja;
casa de artista
- óculos rectângulo azul turquesa
sobrancelhas à janela
arquitectura moderna
minimalista, estanque
cores opostas e pelugens;
faltam os ursos pandas
pendurados nos bambus.

Gogos largos muitos dividem salas
criam transparências nos átrios clínicos
chão de tábuas largas corridas pretas
nos brilhos dos trabalhos das abelhas.

Um catálogo de lugares exaustos
sem vivências: procuro onde são
as migalhas, as poeiras, o palco
ricochete de chamas nas palavras
bolas numeradas de bilhar
cruzando tabelas de paredes
brancas, descobertas.

Falta o desmancho de regras
músicas vinil de outras épocas
copos vazios o desamparo de bolos
nos disparos de talheres
bocas abertas;
a toalha entalada de gavetas
cadeiras de pernas coladas
mesas disfarçadas de bandidos
massagens nas provetas dos dedos
trocas de calcanhares diferentes.

Faltam as ondas quando escorregam
os cotovelos as gargalhadas soltas
de uma mufla fumos de enxofre
cor de açafrão.

Esta casa não existe
não é real
faltam as marcas, as garras
as griffes de coração.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

olhos teus

........................"Não será bom proibir
........................os beijos interplanetários?"
........................Pablo Neruda

Conduzo a armada planetária
Dirigindo uma expedição aos olhos teus
Tento levar tudo que me permita
Sobreviver no teu planeta duplo
Preparo sem ciência e experiência
A acoplagem nas tuas pupilas
Aterro numa velocidade gigantesca
Que o teu lago salgado amortece
E que forma de vida me aparece!

Consta haver o lado esquerdo e direito do cérebro
A crença que catalogam funções distintas
recordo
Como tentasse descobrir uma diferença
Entre teus olhos gémeos perfeitos
Como um fosse a terra, outro a lua
Como um fosse original, outro a cópia
Concluo os resultados da expedição:
Jamais vi tamanha beleza duplicada
Constato que nunca um poderá ver o outro
Como se a perfeição não se reconhecesse
Alem da visão no espelho.

Os teus olhos - são dois e um olhar
E outro ainda antes de me abandonar
Os teus olhos – são dois e um retrato
Abstracto da alma que duvidas ter
Que não te pede licença para me receber
No olhar penetrante esbarrando na nave
Que te invade a porta entrefechada do coração.

Esqueço já de investigar
Perdido no planeta lugar
Inveja sinto do teu oftalmologista
Do oculista que te aconselhou os óculos de sol
Para alem daquele fotógrafo malabarista
Que ousou tentar reproduzir o irrepetível
Do mundo que te habita num olhar.

Sou eu quem te fita agora
E não há escândalo nesse lugar sagrado
O sentir-me em casa - no templo da origem
Convidas alongando o ângulo da mirada
Eu estrangeiro encantado no seu interior
Delicio-me com as cores da cor dos teus olhos
Passeio no céu que há nos teus sonhos
Mergulho no mar das tuas lágrimas escondidas
Sinto o amor de uma guardada para mim.

Sorris depois - Baptizas a minha alegria
De onde vês vejo um brilho fresco
E nessa luz nasce o meu dia
Revela-se o universo da utopia
Agora descansa
Fecha os olhos suavemente
Cerra neles as ideias do poema explorador
E guarda meu amor - a realidade da paz
Que me dás quando olhas docemente
Para aquilo que é a minha imagem.

Qual a imagem do negativo de
Um beijo nosso?

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Sonho

Sonho com um campo verde
Onde caminho
Cresço no orvalho límpido da erva
Contas-me histórias e rio a brincar
Rio e o tempo pára.
Os meus brinquedos são flores
Batalhas, heróis de brincar e espadas de pau
Sonho com a criança que caminha
Dentro de mim a criança
Dentro caminha na dança
No campo verde onde me contas histórias
O cíclico círculo girando
em vida em roda em mudança
A criança cresce e dança
Colhe flores e brinquedos
Os meus brinquedos são flores
A criança cresce e fala
Diz que nada é seu
Só uma flor na sua mão
Por um instante é sua,
Como a estrela cadente que guardo em mim
Para te dar.

domingo, 18 de janeiro de 2009

O aprendiz de harmónica

Não previ a torrente sob o musgo
a queda de pinhão que rapa
tira e põe histórias mágicas
no veludo das estrelas
o condão de varinhas quando
chega o sonho de pinheiros bravos.

Não previ os teus olhos
nas rugas dos meus
julguei-me gasto e cansado
entre as corridas de praias
e os mergullhos de àgua fria.

Desconcertei-me
qual aprendiz de harmónica
na doçura dos teus lábios, no sal
da lágrima feliz que ofereço tua.

És feita de tudo o que seduz
teu corpo é forma única.

Passeio a teu lado
fujo no minuto e volto
nos grãos de terra suja;
nas mãos a flor justa
do canteiro do Palácio
junto à quinta
nas presas margens do rio
que te ilumina o sorriso
os olhos de candeia
na gruta dos segredos
no milagre das rosas
do regaço dos desejos.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Óleo de amêndoas (agri)doces

Na primeira fase do grupo de trabalho poético acabei por ficar preso a um dos desafios da Ana Luísa. A inversão dos papéis e tentar a interpretação
do género, o colocar-nos na pele. Esse foi um chamamento que me tocou e uma experiência que ficou nos poema que, a partir dessa data, em resposta
ao meu nome de José passei a intitular como os poemas que assino como "Maria-" e começou com o das "Três Marias". Este que aqui vos deixo é mais um.

Óleo de amêndoas (agri)doces

Como se perde alguém
quando nasce uma criança?
- sem estar previsto
como obelisco, sílex de lança
pedra lascada de parto
quando sémen mal guardado
desiquilibra o amor, ameaça
o namoro na balança.

As águas revoltas do choro
que emerge e cansa na hora
dos sonhos, teima o dia.
Aperta o autocolante
de uma fralda tingida, amarela.
Ilumina o pó branco na estante
no livro, nas cruzadas do jornal
no ruído chamusco da novela.

Mãe! Sou mãe

só me sinto de mim e dela
quando ofereço o peito dorido
o braço cansado, o arremesso
de carinho no rodado do berço;
exausto carrocel de sossego.

Meço a almofada bébé do pulso
nas argolas do meu medo
e dentro do sorriso guardo
as dores abertas, os pontos corridos
o assomo claro de estrias
no óleo de amêndoas doces
natas de "Aloe Veras"
falsas de ser milagre.

Faz-me falta a presença do teu ombro
o prometido colo
outro colo de consolo
enquanto fecho os olhos
no descanso da menina

Mãe

faz-me falta a tua mão
um círculo de fogo junto à minha
perto dela. Vem

Vem
embala a Cinderela
a Boa Esperança
- não posso perder ninguém
enquanto dormem os ninhos
na alma de uma criança!

Maria -