Entrança as mãos em argola,
enlaça-me
pelo istmo da península
da mente.
Encosta os lábios de Eva
no movimento ascendente
da maçã
do primeiro homem!
Eleva-te
suave e nua,
qual pilastra de mármore branco,
em mogno Verão,
estilo império
dos sentidos...
Demora-te nesse abraço
enquanto me deito no chão,
afago ventre,
acaricio o reverso,
transformando essas montanhas
em faísca cintilante,
em descoberta,
em sedução!
Simetria de iguais
no desejo a renascer,
mistura de corpos sábios,
ávidos de ser,
em uníssono
Hino!
quinta-feira, 23 de outubro de 2008
Poesia ao desafio
Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
se inventam miragens
descobrem passagens
em labirintos de murta verde,
esmeraldas em brilhos de Lua
iluminam alma, mente, coração.
Dai-me uma jovem mulher em trança enfeitada
numa dança de estrelas de manto de noite
viverei fantasias de amor;
ao teu lado minha virgem, ardor
de lava incandesce
dando a meu ser
os motivos de mistério
os segredos de mulher!
Segundo desafio em poesia
Perdi-me dentro de mim
porque eu era labirinto
encontrei nosso feitiço
sem sombra e sem mistério
Perdi-me dentro de mim
como aranha em teia feita
em caminho de vazios
em vazios sem caminho
dentro de nós encontramos
outros liames mais finos
em textura enredados
procuramos o caminho
Fim
Depois de alguma inspiração, expiração,
pouca transpiração(estava frio!)e muita divagação,
escreveram os companheiros:
Auxilia, Eugénia, Teresa e José
e seu arbusto de sangue. Com ela
se inventam miragens
descobrem passagens
em labirintos de murta verde,
esmeraldas em brilhos de Lua
iluminam alma, mente, coração.
Dai-me uma jovem mulher em trança enfeitada
numa dança de estrelas de manto de noite
viverei fantasias de amor;
ao teu lado minha virgem, ardor
de lava incandesce
dando a meu ser
os motivos de mistério
os segredos de mulher!
Segundo desafio em poesia
Perdi-me dentro de mim
porque eu era labirinto
encontrei nosso feitiço
sem sombra e sem mistério
Perdi-me dentro de mim
como aranha em teia feita
em caminho de vazios
em vazios sem caminho
dentro de nós encontramos
outros liames mais finos
em textura enredados
procuramos o caminho
Fim
Depois de alguma inspiração, expiração,
pouca transpiração(estava frio!)e muita divagação,
escreveram os companheiros:
Auxilia, Eugénia, Teresa e José
Poesia em triângulo...
A partir do mote:
Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto
aqui fica o poema conseguido:
Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto
Tortuoso, escuro, sem fim
Confesso que não me sinto
Tão feliz dentro de mim
Nem dentro do meu caminho
E nem sei porque é assim.
E não sei sair de mim
Nem como aqui vim parar
Mas aqui estou a cismar
Como me perdi assim
Nestes caminhos de mim.
Labirinto que é só meu
E fui eu quem se perdeu.
Maria de Los Angeles, José Silva
e Maria Celeste
Publicada por Maria Celeste
Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto
aqui fica o poema conseguido:
Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto
Tortuoso, escuro, sem fim
Confesso que não me sinto
Tão feliz dentro de mim
Nem dentro do meu caminho
E nem sei porque é assim.
E não sei sair de mim
Nem como aqui vim parar
Mas aqui estou a cismar
Como me perdi assim
Nestes caminhos de mim.
Labirinto que é só meu
E fui eu quem se perdeu.
Maria de Los Angeles, José Silva
e Maria Celeste
Publicada por Maria Celeste
quarta-feira, 22 de outubro de 2008
Segredos de Mulher (Women's Secret)
Só para voltar ao meu papel de homem sem disfarces vou partilhar convosco este passeio!
Segredos de Mulher (Women's Secret)
Tarde de Outono na baixa da cidade
passámos as fronteiras
do "Segredos de Mulher".
De passos lentos, fui único
entre manequins de redondas formas.
Cruzei o olhar nos seios ausentes
de "soutien",
nas transparências e opacidades
de calcinhas.
Remexi as concavidades das gavetas
na procura das meias altas,
cor verde,
das calças de pirata!
Bati asas ao "Tweety"
das camisas de dormir,
pisquei o olho, sorri,
à "Betty-Boop"
no "underware" decotado!
Os ruídos das lojas de senhoras
são feitos de murmúrios,
de sussurros de tamanhos;
preferências escondidas!
As chinelas de riscas azuis,
as de caraculo, quentinhas,
batem palmas de pés,
ao único homem,
junto às provas, nas cortinas!
Duas amigas,
uma de "Babby Doll",
botas pretas,
outra de menor graça,
em alturas distintas, de roupão,
em trajes de roupas finas!
Por cima das lentes obrigatórias,
na leitura do M, S, XS,...
enquanto estendia a mão
dentro do teu espaço
(procura de forma, medida certa)
formulo dúvidas:
"-Acha bem? Sem a pele solta
no deslizar interior?
Um roupão beige?
Meia preta?"
Cansei de gestos comprometidos.
Encosto o queixo aos quadrados
do casaco alcochoado, sem mangas,
sem braços, sem corpo...
junto à montra dos glúteos,
do triângulo, fio dental.
No azul que acinzenta,
espero a noite;
na mesma cor "wonder-bra"
que, feliz, te aconchega
a fina seda!
Sobe o autocarro contrário,
em Santa Catarina,
de cor branca...
entram mãe e filha,
de roupa e cabelo gémeas...
Por fim,
surges luminosa,
no rosto de moldura,
nos caracóis de musa...
E na calçada nua,
um espelho de prata,
de mão dada
a alva Lua!
Segredos de Mulher (Women's Secret)
Tarde de Outono na baixa da cidade
passámos as fronteiras
do "Segredos de Mulher".
De passos lentos, fui único
entre manequins de redondas formas.
Cruzei o olhar nos seios ausentes
de "soutien",
nas transparências e opacidades
de calcinhas.
Remexi as concavidades das gavetas
na procura das meias altas,
cor verde,
das calças de pirata!
Bati asas ao "Tweety"
das camisas de dormir,
pisquei o olho, sorri,
à "Betty-Boop"
no "underware" decotado!
Os ruídos das lojas de senhoras
são feitos de murmúrios,
de sussurros de tamanhos;
preferências escondidas!
As chinelas de riscas azuis,
as de caraculo, quentinhas,
batem palmas de pés,
ao único homem,
junto às provas, nas cortinas!
Duas amigas,
uma de "Babby Doll",
botas pretas,
outra de menor graça,
em alturas distintas, de roupão,
em trajes de roupas finas!
Por cima das lentes obrigatórias,
na leitura do M, S, XS,...
enquanto estendia a mão
dentro do teu espaço
(procura de forma, medida certa)
formulo dúvidas:
"-Acha bem? Sem a pele solta
no deslizar interior?
Um roupão beige?
Meia preta?"
Cansei de gestos comprometidos.
Encosto o queixo aos quadrados
do casaco alcochoado, sem mangas,
sem braços, sem corpo...
junto à montra dos glúteos,
do triângulo, fio dental.
No azul que acinzenta,
espero a noite;
na mesma cor "wonder-bra"
que, feliz, te aconchega
a fina seda!
Sobe o autocarro contrário,
em Santa Catarina,
de cor branca...
entram mãe e filha,
de roupa e cabelo gémeas...
Por fim,
surges luminosa,
no rosto de moldura,
nos caracóis de musa...
E na calçada nua,
um espelho de prata,
de mão dada
a alva Lua!
companheiros, na tentativa de fazer o trabalho de casa acabei fazendo a continuação do mesmo. no lugar da certeza, saiu-me a ambiguidade.
este exercício deu-me uma enorme vontade de escrever sobre a dança, porque nela tenho momentos onde nao existem palavras, nem tempo, nem espaço. neste poema em específico, quem vos parece que guia? e quem é guiado? gostava de ouvir opiniões.
Mal sei o chão sob os nossos pés
Ou as paredes espectadoras da nossa dança.
Agora – o único tempo que existe –
Sou a leve pressão do teu corpo,
A mão que se aninha no espaço entre as tuas costelas brancas,
A outra que sustenta a tua, flor tão suave;
O corpo que te envolve e protege,
Os pés que te guiam com destreza.
Abrigas timidamente o teu queixo no meu ombro.
Sinto o teu respirar húmido sussurrar-me ao ouvido
e o teu cabelo passear-se no meu rosto.
Será de quem, o coração que se ouve?
sara riobom
este exercício deu-me uma enorme vontade de escrever sobre a dança, porque nela tenho momentos onde nao existem palavras, nem tempo, nem espaço. neste poema em específico, quem vos parece que guia? e quem é guiado? gostava de ouvir opiniões.
Mal sei o chão sob os nossos pés
Ou as paredes espectadoras da nossa dança.
Agora – o único tempo que existe –
Sou a leve pressão do teu corpo,
A mão que se aninha no espaço entre as tuas costelas brancas,
A outra que sustenta a tua, flor tão suave;
O corpo que te envolve e protege,
Os pés que te guiam com destreza.
Abrigas timidamente o teu queixo no meu ombro.
Sinto o teu respirar húmido sussurrar-me ao ouvido
e o teu cabelo passear-se no meu rosto.
Será de quem, o coração que se ouve?
sara riobom
Fuga Silenciosa
Pela noite além,
eu , só, vagueio
em um lento e lasso vaguear,
para em silêncio escapar
a este longo e vasto
inferno de mágoas!...
O sono me não cerca
nesta noite sem luar,
que só me dá para errar,
sempre, sempre... sem parar.
Não se me dá p'ra cuidar...
E sigo sem um alento,
pois que sem tal sofrimento
coragem não hei p'ra viver...
Só um vago pensamento
em mim há muito existe...
Não se me dá p'ra parar
e muito menos p'ra recuar!
Só cansaço em mim há
mas persigo caminho além,
só, pela noite agreste,
só, sem mais ninguém,
sem esperança já de salvamento,
sem poder agora, enfim,
para sempre só esquecer
este tormentoso tormento!...
Só vontade hei de seguir,
que um nada me fará desistir.
O caminho é longo, sem fim,
sem paragens,
sem obstáculos quaisquer!...
Mas forte fadiga me invade,
que em pé me não seguro!...
E não me foi dado que um fim desse
a meu inconcebível sonhar,
não consegui a liberdade
que dela hei tanta saudade!
...Mas mais uma vez entendi
que se a prisão do que a morte
é, na verdade, mais forte,
é pior estar-se preso
do que ( na vida) já morto!
(Luanda 1965 - in "Eu e o Silêncio" (1994/2008 )
Poema em geito de despedida deste Blog...mas
não significa fuga!...
eu , só, vagueio
em um lento e lasso vaguear,
para em silêncio escapar
a este longo e vasto
inferno de mágoas!...
O sono me não cerca
nesta noite sem luar,
que só me dá para errar,
sempre, sempre... sem parar.
Não se me dá p'ra cuidar...
E sigo sem um alento,
pois que sem tal sofrimento
coragem não hei p'ra viver...
Só um vago pensamento
em mim há muito existe...
Não se me dá p'ra parar
e muito menos p'ra recuar!
Só cansaço em mim há
mas persigo caminho além,
só, pela noite agreste,
só, sem mais ninguém,
sem esperança já de salvamento,
sem poder agora, enfim,
para sempre só esquecer
este tormentoso tormento!...
Só vontade hei de seguir,
que um nada me fará desistir.
O caminho é longo, sem fim,
sem paragens,
sem obstáculos quaisquer!...
Mas forte fadiga me invade,
que em pé me não seguro!...
E não me foi dado que um fim desse
a meu inconcebível sonhar,
não consegui a liberdade
que dela hei tanta saudade!
...Mas mais uma vez entendi
que se a prisão do que a morte
é, na verdade, mais forte,
é pior estar-se preso
do que ( na vida) já morto!
(Luanda 1965 - in "Eu e o Silêncio" (1994/2008 )
Poema em geito de despedida deste Blog...mas
não significa fuga!...
4º trabalho de casa - O Maltratador
O maltratador
Levanta,amor, levanta
São horas de jantar
Tira a faca daí!
Por que não me respondes?
Diz, onde estavas?
Tu sabes que adoro ver-te em casa
quando chego do jogo.
Deitada assim no chão
atinges os teus ángulos mais belos...
Sabes , meu bem , que eu gosto de ti...
Que estaremos juntinhos para sempre
E que a minha força eterna e excessiva te protege
Essa expressão dos teus olhos mete medo.
Anda, levanta-te.
São horas de jantar, não ouves?
Mexe-te.
Foi só um empurrão.
Eu trouxe-te o pão e o vinho.
Há trinta que casamos, lembras?
E continuas
cosmeticamente perfeita,
em formas, em volumes e em conversas.
És tão desejável...
Acorda, amor, acorda
São horas de jantar
Limpa o sangue ...do teu corpo.
Levanta,amor, levanta
São horas de jantar
Tira a faca daí!
Por que não me respondes?
Diz, onde estavas?
Tu sabes que adoro ver-te em casa
quando chego do jogo.
Deitada assim no chão
atinges os teus ángulos mais belos...
Sabes , meu bem , que eu gosto de ti...
Que estaremos juntinhos para sempre
E que a minha força eterna e excessiva te protege
Essa expressão dos teus olhos mete medo.
Anda, levanta-te.
São horas de jantar, não ouves?
Mexe-te.
Foi só um empurrão.
Eu trouxe-te o pão e o vinho.
Há trinta que casamos, lembras?
E continuas
cosmeticamente perfeita,
em formas, em volumes e em conversas.
És tão desejável...
Acorda, amor, acorda
São horas de jantar
Limpa o sangue ...do teu corpo.
4º Trabalho de Casa
Prostrado em cachimbadas solitárias
Olhava o rio e as coisas de nada.
Era velho.
Velhas as coisas, velhas as almas, velho o poeta.
Havia de ser Maio todos os dias
E ver-te enlaçada em vestidos de vento e de papoilas.
Poder olhar-te com a mesma certeza de outrora
de que não era velho, nem velha era a alma de agora.
Sem pesos, sem velhice aberta
em escombros.
Não quero mais levar aos ombros a poeira das gavetas!
Pudera eu abrir-me em portas
E ventos e borboletas!
Ou quando Deus fechar a porta abrir sempre uma janela,
ou um poema.
Ou versos feitos de outro tema.
Que com versos hei de olhar-te mais de perto
Sem pegadas, rastos de anos e fogueiras!
Olhar as curvas certas da tua poeira.
E assim esconder as barbas que branqueiam a poesia
Assim mudar-te as cores e roubar-te a companhia
Depois esfumar-te a idade e os momentos que são nossos.
E não ser velho.
E não ser homem.
Apenas ossos.
José Sarmento
(Maria Inês Beires)
Olhava o rio e as coisas de nada.
Era velho.
Velhas as coisas, velhas as almas, velho o poeta.
Havia de ser Maio todos os dias
E ver-te enlaçada em vestidos de vento e de papoilas.
Poder olhar-te com a mesma certeza de outrora
de que não era velho, nem velha era a alma de agora.
Sem pesos, sem velhice aberta
em escombros.
Não quero mais levar aos ombros a poeira das gavetas!
Pudera eu abrir-me em portas
E ventos e borboletas!
Ou quando Deus fechar a porta abrir sempre uma janela,
ou um poema.
Ou versos feitos de outro tema.
Que com versos hei de olhar-te mais de perto
Sem pegadas, rastos de anos e fogueiras!
Olhar as curvas certas da tua poeira.
E assim esconder as barbas que branqueiam a poesia
Assim mudar-te as cores e roubar-te a companhia
Depois esfumar-te a idade e os momentos que são nossos.
E não ser velho.
E não ser homem.
Apenas ossos.
José Sarmento
(Maria Inês Beires)
Vem ver meu amor
As estrelas lá longe
Piscando-nos os olhos
Como um círio a arder!
Vem ver meu amor
As estrelas lá longe
Vestidas de mar
Cantam melodias
Como as sereias
Nas marés vazias
Canções de encantar
Por dentro da gente
E do sofrimento!
Vem ver meu amor
As estrelas lá longe
Morrem de cansadas
Caindo no mar
E nas enseadas
Como peixes de prata
Nas altas marés
Ondas encrespadas
Por dentro da gente
E aos nossos pés!
Vem ver meu amor
Lá longe as estrelas
Vem comigo vê-las!
José Almeida da Silva
In " Amanheceste em mim pelo poente"
Publicado por Maria Celeste Carvalho
Nota: E é assim, com este lindíssimo poema,
que dou por terminada a minha participação
neste blog, dedicado à Poesia!
M.C.
As estrelas lá longe
Piscando-nos os olhos
Como um círio a arder!
Vem ver meu amor
As estrelas lá longe
Vestidas de mar
Cantam melodias
Como as sereias
Nas marés vazias
Canções de encantar
Por dentro da gente
E do sofrimento!
Vem ver meu amor
As estrelas lá longe
Morrem de cansadas
Caindo no mar
E nas enseadas
Como peixes de prata
Nas altas marés
Ondas encrespadas
Por dentro da gente
E aos nossos pés!
Vem ver meu amor
Lá longe as estrelas
Vem comigo vê-las!
José Almeida da Silva
In " Amanheceste em mim pelo poente"
Publicado por Maria Celeste Carvalho
Nota: E é assim, com este lindíssimo poema,
que dou por terminada a minha participação
neste blog, dedicado à Poesia!
M.C.
terça-feira, 21 de outubro de 2008
Balacete da semana
Que semana!
O chefe a pedir tudo para ontem. Os miúdos doentes. A Joana irrascível : leva- os tu ao Colégio! Não vês que vou ficar com o bébé? Não posso fazer tudo! Não poderias deixar o jornal? (até disse no condicional, só para me arreliar). Ajuda!
Bolas, nunca mais era sábado.
Bendita saída de amigos. Bendita liberdade.
Sorte amanhã haver futebol, se não eu dava em doido.
-João, assiste! Estás na lua? Já pareces a minha mulher, sempre a pensar no Além.Perdemos esta vasa por tua causa, daqui a pouco perdemos o jogo.Concentra-te, homem! Não me digas que hoje nem na sueca tenho sorte. Tive uma semana carregadinha de trabalho, e sai-me este destrambelhado para estragar também o serão. Quando é de azar, é de azar, pô.
Estou a ver. Nem na sueca tenho sorte. O Alfredo também está com problemas em casa, e vem cá descarregar. É tudo muito bonito, mas os putos crescem, o dinheiro falta, o trabalho sobra, e nós é que aguentamos.
Amanhã, pelo sim pelo não, vou à bola. Se o Porto perde, ah caramba, que se o Porto perde outra vez então é que eu destilo a raiva.
Pelo Porto e por mim.
M.Teresa Ribeiro
O chefe a pedir tudo para ontem. Os miúdos doentes. A Joana irrascível : leva- os tu ao Colégio! Não vês que vou ficar com o bébé? Não posso fazer tudo! Não poderias deixar o jornal? (até disse no condicional, só para me arreliar). Ajuda!
Bolas, nunca mais era sábado.
Bendita saída de amigos. Bendita liberdade.
Sorte amanhã haver futebol, se não eu dava em doido.
-João, assiste! Estás na lua? Já pareces a minha mulher, sempre a pensar no Além.Perdemos esta vasa por tua causa, daqui a pouco perdemos o jogo.Concentra-te, homem! Não me digas que hoje nem na sueca tenho sorte. Tive uma semana carregadinha de trabalho, e sai-me este destrambelhado para estragar também o serão. Quando é de azar, é de azar, pô.
Estou a ver. Nem na sueca tenho sorte. O Alfredo também está com problemas em casa, e vem cá descarregar. É tudo muito bonito, mas os putos crescem, o dinheiro falta, o trabalho sobra, e nós é que aguentamos.
Amanhã, pelo sim pelo não, vou à bola. Se o Porto perde, ah caramba, que se o Porto perde outra vez então é que eu destilo a raiva.
Pelo Porto e por mim.
M.Teresa Ribeiro
Oh mar !
Lago do azeite de deuses ou do fogo dos infernos,
Com o som calmo de suas ondas ou o ribombar das suas investidas,
O mar conduz- nos do nascer à eternidade.
Oh mar!
Quantos Homens se perderam nas sereias que carregas,
Quantas donzelas cairam nos braços de teu amor ?
Tens melodias divinas, raios de prata, ritmo extasiante.
Mas sabes também ser duro,rugindo de raiva e tudo levando.
Oh mar!
Sem ti o mundo parava
O lápis quebrava
A musa fugia
Fica, oh mar!
Ainda que o Homem te destrua,
Não vás para longe,
Oh mar!
Com o som calmo de suas ondas ou o ribombar das suas investidas,
O mar conduz- nos do nascer à eternidade.
Oh mar!
Quantos Homens se perderam nas sereias que carregas,
Quantas donzelas cairam nos braços de teu amor ?
Tens melodias divinas, raios de prata, ritmo extasiante.
Mas sabes também ser duro,rugindo de raiva e tudo levando.
Oh mar!
Sem ti o mundo parava
O lápis quebrava
A musa fugia
Fica, oh mar!
Ainda que o Homem te destrua,
Não vás para longe,
Oh mar!
Intrusa
Mal entrou, o ar encheu-se de um forte cheiro a volúpia que confundiu o religioso aroma dos nossos cachimbos. Violentamente, a pacatez morna do clube foi sacudida pelo estouvamento atrevido e delicioso da sua voz. Foram poucas as palavras, mas todas deixaram adivinhar uma vida sem morada certa, com errâncias inesgotáveis pelo sentir. O andar firme, os gestos desleixados, o vestido que mais parecia uma segunda pele e que despertaria inveja a um qualquer olhar feminino, não deixaram nenhum de nós indiferente. Diria mais. Incendiaram os mais adormecidos desejos. Provocaram as mais disfarçadas intumescências. Profanaram os mais puros sentires. Que destino lhe (nos) estaria reservado?
CARTA A UM AMIGO
Porto, 21 de Outubro de 2008
Meu Querido Amigo,
Fico-te muito grata pela confiança que em mim depositaste: abriste-me os alçapões da tua alma e entreabriste-me o universo das tuas preocupações.
Não sei se alguma vez pensaste nisto, mas eu julgo que a partilha harmoniosa dos corpos depende, essencialmente, do verdadeiro amor mútuo. Quando há, no nosso quotidiano, a necessidade de não facultar ao outro as ilhas da nossa alma, isso pode significar o crescimento da distância entre os que se amam. É verdade que o tempo inscreve nas almas dos amantes a cor da monotonia e as suas resistências. E que, se se não estiver atento, provoca erosão nos sentimentos como o vento sibilino nas rochas mais duras. O tempo não é, todavia, o maior carrasco do amor e das relações interpessoais. As pessoas escondem debaixo do amor incompreen¬sões e egoísmos que não sabem controlar. E vivem atormentadas e atormentam os que amam, porque não conseguem superar esses pequenos nadas que se vão agigantando, dia após dia, a infernizar a sua vida e a dos outros. Com o medo de perderem a partilha, engavinham-se no outro e não o deixam respirar em plena liberdade. Sufocado, o outro começa a criar a distância, e o silêncio cresce. E, ao amor, as palavras são importantes! A linguagem não transparece o amor na sua essencialidade, mas está lá, bem no seu interior: nos gestos, no olhar, nas mãos, nos lábios, nos corpos acesos, linguagens que dizem, tacitamente, os sentimentos mais profundos e os mais humanos.
Nós, as mulheres, entendemos o amor como uma contínua paixão. Não o compreendemos senão como constante ardor do corpo e da alma. Não entendemos que a paixão seja efémera devido à sua intensidade e ao desgaste que provoca. A paixão não conhece as fronteiras do tempo. A paixão confunde o dia e a noite. Não é má, a paixão! A paixão é boa. Mas não há espírito nem corpo que comporte a paixão ao longo de toda a vida. A paixão oferece-nos a morte múltipla, muitas vezes. A paixão não dá espaço para viver, sossegadamente. O sossego e a calma são-nos oferecidos pelo amor. Porque o amor é a paz. E os homens precisam de paz interior para uma relação estável, para a placidez do espírito. O amor contém dentro de si a vida, o companheirismo, a fraternidade, a partilha autêntica e desinteressada. O calor dos corpos é tão-só um complemento desse estado de partilha mútua, que possibilita o entrelaçamento do espírito e do corpo, para um crescimento sereno do par amoroso.
Às vezes, os homens esquecem-se também da paixão por dentro do amor. E correm desenfreadamente por outras paixões, efémeras, que, dizem, não interferem no amor que partilham. Esse, crêem, foi o escolhido e, por isso, eterniza-se por ele mesmo, não precisa de ser alimentado. Mas a paixão corrompe o amor e estilhaça o bem-estar, a serenidade que a vivência do amor exige constantemente. O amor precisa de todo o espaço espiritual dos amantes. Exige deles uma verdadeira partilha exclusiva.
Caro amigo, não foi toda esta filosofia que me pediste. Mas, se calhar, eu não sou capaz de responder concretamente às tuas angústias e às tuas preocupações. O amor é como o respirar: cada um tem de saber dedilhá-lo à sua maneira. A vida depende de ambos. Por isso, cada um tem de encontrar as soluções que melhor se adaptam ao seu caso concreto. O médico não cura ninguém. Propõe caminhos que o paciente percorrerá ou não. A cura está sempre dentro de nós. O teu caso exige uma grande reflexão a dois. A harmonia tem de surgir de vós mesmos. Se não forem capazes dessa harmonia, não valerá a pena caminharem para o caos relacional. É bem melhor que cada um de vós saiba encontrar a sua harmonia, mesmo que implique a separação e a busca subsequente da harmonia individual.
Certa de que encontrarás a melhor das soluções, deixo-te um solidário abraço de muita amizade, e fico à tua inteira disposição.
Francisca
(José Almeida da Silva)
Meu Querido Amigo,
Fico-te muito grata pela confiança que em mim depositaste: abriste-me os alçapões da tua alma e entreabriste-me o universo das tuas preocupações.
Não sei se alguma vez pensaste nisto, mas eu julgo que a partilha harmoniosa dos corpos depende, essencialmente, do verdadeiro amor mútuo. Quando há, no nosso quotidiano, a necessidade de não facultar ao outro as ilhas da nossa alma, isso pode significar o crescimento da distância entre os que se amam. É verdade que o tempo inscreve nas almas dos amantes a cor da monotonia e as suas resistências. E que, se se não estiver atento, provoca erosão nos sentimentos como o vento sibilino nas rochas mais duras. O tempo não é, todavia, o maior carrasco do amor e das relações interpessoais. As pessoas escondem debaixo do amor incompreen¬sões e egoísmos que não sabem controlar. E vivem atormentadas e atormentam os que amam, porque não conseguem superar esses pequenos nadas que se vão agigantando, dia após dia, a infernizar a sua vida e a dos outros. Com o medo de perderem a partilha, engavinham-se no outro e não o deixam respirar em plena liberdade. Sufocado, o outro começa a criar a distância, e o silêncio cresce. E, ao amor, as palavras são importantes! A linguagem não transparece o amor na sua essencialidade, mas está lá, bem no seu interior: nos gestos, no olhar, nas mãos, nos lábios, nos corpos acesos, linguagens que dizem, tacitamente, os sentimentos mais profundos e os mais humanos.
Nós, as mulheres, entendemos o amor como uma contínua paixão. Não o compreendemos senão como constante ardor do corpo e da alma. Não entendemos que a paixão seja efémera devido à sua intensidade e ao desgaste que provoca. A paixão não conhece as fronteiras do tempo. A paixão confunde o dia e a noite. Não é má, a paixão! A paixão é boa. Mas não há espírito nem corpo que comporte a paixão ao longo de toda a vida. A paixão oferece-nos a morte múltipla, muitas vezes. A paixão não dá espaço para viver, sossegadamente. O sossego e a calma são-nos oferecidos pelo amor. Porque o amor é a paz. E os homens precisam de paz interior para uma relação estável, para a placidez do espírito. O amor contém dentro de si a vida, o companheirismo, a fraternidade, a partilha autêntica e desinteressada. O calor dos corpos é tão-só um complemento desse estado de partilha mútua, que possibilita o entrelaçamento do espírito e do corpo, para um crescimento sereno do par amoroso.
Às vezes, os homens esquecem-se também da paixão por dentro do amor. E correm desenfreadamente por outras paixões, efémeras, que, dizem, não interferem no amor que partilham. Esse, crêem, foi o escolhido e, por isso, eterniza-se por ele mesmo, não precisa de ser alimentado. Mas a paixão corrompe o amor e estilhaça o bem-estar, a serenidade que a vivência do amor exige constantemente. O amor precisa de todo o espaço espiritual dos amantes. Exige deles uma verdadeira partilha exclusiva.
Caro amigo, não foi toda esta filosofia que me pediste. Mas, se calhar, eu não sou capaz de responder concretamente às tuas angústias e às tuas preocupações. O amor é como o respirar: cada um tem de saber dedilhá-lo à sua maneira. A vida depende de ambos. Por isso, cada um tem de encontrar as soluções que melhor se adaptam ao seu caso concreto. O médico não cura ninguém. Propõe caminhos que o paciente percorrerá ou não. A cura está sempre dentro de nós. O teu caso exige uma grande reflexão a dois. A harmonia tem de surgir de vós mesmos. Se não forem capazes dessa harmonia, não valerá a pena caminharem para o caos relacional. É bem melhor que cada um de vós saiba encontrar a sua harmonia, mesmo que implique a separação e a busca subsequente da harmonia individual.
Certa de que encontrarás a melhor das soluções, deixo-te um solidário abraço de muita amizade, e fico à tua inteira disposição.
Francisca
(José Almeida da Silva)
Excreção de um mundo líquido.
Excreção de um mundo líquido.
Somos apenas o que fica depois da escorra.
Matéria senil
Massa decomposta
Expulsa pela contracção
de um ventre higiénico.
Um grito doloroso
solta-se
das entranhas revoltas
numa reacção contra-luz.
E uma atracção fatal surge
por uma gota de água
escorrendo dum espaço aberto
capaz de abeberar a angústia
dum corpo
quase dilacerado.
Somos apenas o que fica depois da escorra.
Matéria senil
Massa decomposta
Expulsa pela contracção
de um ventre higiénico.
Um grito doloroso
solta-se
das entranhas revoltas
numa reacção contra-luz.
E uma atracção fatal surge
por uma gota de água
escorrendo dum espaço aberto
capaz de abeberar a angústia
dum corpo
quase dilacerado.
Nunca te direi ... Adeus!
Esta noite, sonhei contigo. Estávamos de mãos dadas e, apesar da irrealidade do lugar, sem dimensão, nem tempo, eu distinguia, claramente, todos os traços do teu rosto.
Sobre nós, o céu parecia uma imensa árvore, densa e escura, pontilhada de estrelas brancas, cintilantes e tão próximas que, se eu quisesse, poderia tocar-lhes, prendê-las entre os meus dedos e deixar o seu brilho enfeitar o meu destino.
Foi numa noite assim, vestida de negro e de prata e já perdida na teia que o tempo, incansável, tece, que comparaste as estrelas a incontáveis grãos de luz e nós, enquanto seres mortais, a grãos de pó que o vento, um dia, levará consigo.
Falaste-me depois, pela primeira vez, da fragilidade da vida e de como é tudo tão efémero, tão transitório que, o que pensamos ter, não chega, na verdade, a ser nosso.
Não somos donos de nada, não possuímos ninguém e, quando o fim se aproxima, tudo desaparece e, connosco, só fica o Amor. O que fomos capaz de dar e, talvez também, o que, em troca, recebemos.
No jardim, cresciam dúzias de rosas, de caule esguio e pétalas de veludo, que enchiam de perfume e de encanto, a tarde serena e quente. Dístraída, desfolhei uma que se abria púrpura e exuberante à luz incandescente, mas já cansada, do sol dormente e tu, com esse teu jeito de menino que nunca deixaste de ser, disseste-me que nada se destrói na Natureza, sem perturbar o equilíbrio do Universo, tão forte, tão íntima, é a ligação entre tudo o que existe.
Não sei se, então, terei compreendido bem o sentido das tuas palavras, mas, nessa noite, adormeci, já suspensa, entre a incipiente consciência da delicada e perfeita harmonia da Criação e a noção pungente da minha fragilidade e da força destruidora que essa mesma fragilidade escondia .
Tinhas uns olhos lindos, que os óculos esbatiam, mas que mudavam de cor, não sei se conforme a maior ou menor intensidade da luz, se conforme o teu estado de espírito ou se, porque eram, simplesmente, assim .
Às vezes eram castanho-esverdeado, outras vezes, de um verde profundo e aveludado, como as folhas das árvores nas madrugadas macias e serenas, de Verão, outras ainda, de um castanho tão claro e transparente que pareciam âmbar. Esta era uma nova cor que eu tinha aprendido a conhecer e a palavra que a designava, parecia-me tão bonita e harmoniosa como essa tonalidade em si.
Um dia, perguntei-te de que cor eram os teus olhos.
Meio-divertido, meio-surpreendido com a pergunta, disseste que os teus olhos eram da cor que eu os via, como, aliás, tudo à minha volta. Explicaste-me que, pela força das minhas emoções, com a minha alegria luminosa e radiante, com a minha tristeza sombria e gelada, assim eu coloria ou escurecia cada um dos meus dias. Era como se, ao projectar-me em tudo ao meu redor, eu tivesse, sem saber, o poder de recriar o mundo, embelezando-o ou desfigurando-o, o poder supremo de pintar a minha vida da cor que eu escolhesse, da cor que eu mais gostasse!
E, nessa noite, adormeci feliz, cheia de esperança num mundo que eu iria pintar de azul, verde, branco e amarelo. E de todas as outras mil cores possíveis!
Muitas vezes, perdida no escuro, afogada nos velhos medos e pesadelos ancestrais que já nascem connosco, eu chorava baixinho e sufocava, na almofada, o terror, sem nome e sem tamanho, de te perder! Porque perder-te, seria o fim, trágico e definitivo, do meu pequeno mundo de afectos e seria perder-me!
Uma noite, pressentindo-me a solidão e as lágrimas, abraçaste-me e prometeste que nunca me deixarias enquanto eu não fosse suficientemente forte para prosseguir sem ti! Foste ousado na promessa que não sabias se irias cumprir, mas , eu suspirei de alívio e, como sempre, descansei em ti.
E, quando, por fim, adormeci, aconchegada na ternura morna dos teus braços, o meu coração batia, já, ao ritmo sereno do teu, de novo compassado, seguro, confiante.
Ensinaste-me sempre a ver o Mundo como um filme fantástico, de largos horizontes e em deslumbrante colorido. Talvez por isso, nunca tive da vida, das pessoas, dos sentimentos, uma imagem linear, cinzenta e entediante .
Um dia, ao entardecer, quando o céu e a terra se fundem, na labareda incandescente e lasciva do sol poente, perguntei-te como seria o Amor se tivesse cor . Eu imaginava--o de um cor-de-rosa doce, delicado, encantadoramente romântico, mas tu pensavas que deveria ser vermelho vivo, forte, fulgurante, porque esse é um sentimento feito de pura emoção, intenso, impetuoso, avassalador e as cores suaves não lhe ficam bem .
No Amor, dizias, é sim ou não, é ganhar ou perder, é tudo ou nada, sem meias-tintas, sem meias-palavras, sem meios-termos!
E, nessa noite, adormeci agitada e um pouco ansiosa. Assustava-me a possibilidade de, um dia, amar e ser amada assim. Inteiramente, apaixonadamente, irremediavelmente!
Hoje, muitos anos passados, tantos, que já lhes perdi a conta, acredito que, partilhar com alguém um Amor com essa verdade, essa entrega, essa força arrasadora, possa ser, só por si, a justificação de toda uma existência!
Contigo, aprendi a amar a música e, a encontrar nela, uma preciosa companhia nas horas de solidão, uma amiga fiel e sempre presente nos bons e nos maus momentos .
E, a teu lado chorei com Chopin, sorri com Mozart, enterneci-me com Puccini, emocionei-me com Beethoven e rezei com Bach!
Despertaste, em mim, desde muito cedo, o gosto pela leitura e, pelas tuas mãos, li algumas das obras mais marcantes da Literatura que, depois, comentávamos calorosamente. Tu, com um sorriso e o argumento certo. Eu, arrebatada e muito ciosa da minha opinião!
E, junto de ti, repousei com Antero, na Mão direita de Deus, calcorreei serras com Torga, amei perdidamente com Florbela, encantei-me com a profundidade de Somerset, assombrei-me com a magia de Mann e apaixonei-me, definitivamente, por Eça!
Através dos livros, eu ia descobrindo mundos novos, enquanto criava outros, nas histórias que inventava, que tu lias, orgulhoso, mas que eu, depois, sem tu saberes, rasgava.
Porque, tudo o que escrevo parece-me sempre tão tosco, tão incompleto, tão inútil ! Porque, nunca fui capaz de transpor para o papel, nem os pensamentos que brotam rápidos, em torrente incontida, do meu cérebro, nem os sentimentos, de choro e de riso, que correm à solta, em doido tropel, no meu coração!
Como acontece agora, que escrevo para ti, enquanto vasculho lembranças nos baús desbotados e poeirentos do Passado.
Contigo, surpreendi-me com os traços puros, clássicos, belíssimos de Botticelli, deslumbrei-me com a beleza voluptuosa, cheia de cor e de luz de Renoir e comovi-me com a delicadeza intimista, deliciosamente cândida e sensual de Fragonard.
Mas, também de ti vem esta atracção irresistível pelo mar, esta necessidade, quase primária, de o ver, de lhe sentir o cheiro a sal e a algas, de lhe escutar o ribombar assustador das vagas alterosas, em furioso turbilhão, quando está revolto, ou o marulhar terno, quase erótico, das ondas mansas a sussurrarem inconfessáveis segredos e a espreguiçarem-se, lânguidas, na areia húmida e lisa .
E, frente a essa massa de água, imensa, translúcida, magnífica, bordada de espuma e salpicada de luz, aprendi, contigo, a encontrar alento para o meu cansaço, paz para a minha ansiedade, inspiração para a minha vida!
De ti, ficou-me o desprezo pela hipocrisia, pela intolerância, pela mentira cruel, pela maldadezinha canalha, pela vingança aviltante, pelo queixume gratuito!
Em ti, encontrei sempre uma espantosa humanidade, um sentido de humor subtil, mas certeiro, uma inteligência viva, flexível, uma sensibilidade fina, requintada e o respeito discreto, compassivo, generoso pelos outros. Pelas dificuldades, pelas aflições, pelo sofrimento dos outros!
E, é por tudo isso que tantas vezes, como agora, é para ti que o meu pensamento voa, a minha alma se ajoelha, reverente, perante a tua e eu te agradeço e te bendigo! Tu foste, em cada um dos meus dias, a minha âncora, o meu porto de abrigo, a luz-guia dos meus passos ! Antes, agora, sempre!
Não foste um santo, um filósofo ou um poeta. Ou, talvez tenhas sido tudo isso, sem ninguém saber. Nem mesmo tu!
Esta noite sonhei contigo e fomos juntos, lá para onde só a alma e a memória podem ir, onde somos livres, o céu é sempre azul, as flores não perdem o encanto, nem o perfume e tudo tem a cor cristalina do teu espírito!
Nunca nos dissemos Adeus!
Adeus, diz-se quando o Amor acaba e o fim é, então, inevitável, definitivo, irreparável!
Nunca se diz Adeus, quando o laço visceral, feito de sangue e de afecto, permanece intacto e tu continuas comigo, pois, sobre o coração e o pensamento, ninguém, nada, nem mesmo a morte, tem qualquer poder !
Não se diz Adeus, quando sabemos que, em termos de Eternidade, vinte, trinta ou quarenta anos de separação, não são mais do que dois, três ou quatro segundos deste tempo que contamos!
Não se diz Adeus, quando o rasto claro, límpido, brilhante da tua luz é ainda o caminho que percorro!
E, porque uma noite destas talvez volte a sonhar contigo, agora e uma vez mais, digo-te apenas, até já, até logo, até sempre, meu querido!
Dia 19 de Março dos anos que já vivi e dos que me restam viver!
Maria Celeste Carvalho
Sobre nós, o céu parecia uma imensa árvore, densa e escura, pontilhada de estrelas brancas, cintilantes e tão próximas que, se eu quisesse, poderia tocar-lhes, prendê-las entre os meus dedos e deixar o seu brilho enfeitar o meu destino.
Foi numa noite assim, vestida de negro e de prata e já perdida na teia que o tempo, incansável, tece, que comparaste as estrelas a incontáveis grãos de luz e nós, enquanto seres mortais, a grãos de pó que o vento, um dia, levará consigo.
Falaste-me depois, pela primeira vez, da fragilidade da vida e de como é tudo tão efémero, tão transitório que, o que pensamos ter, não chega, na verdade, a ser nosso.
Não somos donos de nada, não possuímos ninguém e, quando o fim se aproxima, tudo desaparece e, connosco, só fica o Amor. O que fomos capaz de dar e, talvez também, o que, em troca, recebemos.
No jardim, cresciam dúzias de rosas, de caule esguio e pétalas de veludo, que enchiam de perfume e de encanto, a tarde serena e quente. Dístraída, desfolhei uma que se abria púrpura e exuberante à luz incandescente, mas já cansada, do sol dormente e tu, com esse teu jeito de menino que nunca deixaste de ser, disseste-me que nada se destrói na Natureza, sem perturbar o equilíbrio do Universo, tão forte, tão íntima, é a ligação entre tudo o que existe.
Não sei se, então, terei compreendido bem o sentido das tuas palavras, mas, nessa noite, adormeci, já suspensa, entre a incipiente consciência da delicada e perfeita harmonia da Criação e a noção pungente da minha fragilidade e da força destruidora que essa mesma fragilidade escondia .
Tinhas uns olhos lindos, que os óculos esbatiam, mas que mudavam de cor, não sei se conforme a maior ou menor intensidade da luz, se conforme o teu estado de espírito ou se, porque eram, simplesmente, assim .
Às vezes eram castanho-esverdeado, outras vezes, de um verde profundo e aveludado, como as folhas das árvores nas madrugadas macias e serenas, de Verão, outras ainda, de um castanho tão claro e transparente que pareciam âmbar. Esta era uma nova cor que eu tinha aprendido a conhecer e a palavra que a designava, parecia-me tão bonita e harmoniosa como essa tonalidade em si.
Um dia, perguntei-te de que cor eram os teus olhos.
Meio-divertido, meio-surpreendido com a pergunta, disseste que os teus olhos eram da cor que eu os via, como, aliás, tudo à minha volta. Explicaste-me que, pela força das minhas emoções, com a minha alegria luminosa e radiante, com a minha tristeza sombria e gelada, assim eu coloria ou escurecia cada um dos meus dias. Era como se, ao projectar-me em tudo ao meu redor, eu tivesse, sem saber, o poder de recriar o mundo, embelezando-o ou desfigurando-o, o poder supremo de pintar a minha vida da cor que eu escolhesse, da cor que eu mais gostasse!
E, nessa noite, adormeci feliz, cheia de esperança num mundo que eu iria pintar de azul, verde, branco e amarelo. E de todas as outras mil cores possíveis!
Muitas vezes, perdida no escuro, afogada nos velhos medos e pesadelos ancestrais que já nascem connosco, eu chorava baixinho e sufocava, na almofada, o terror, sem nome e sem tamanho, de te perder! Porque perder-te, seria o fim, trágico e definitivo, do meu pequeno mundo de afectos e seria perder-me!
Uma noite, pressentindo-me a solidão e as lágrimas, abraçaste-me e prometeste que nunca me deixarias enquanto eu não fosse suficientemente forte para prosseguir sem ti! Foste ousado na promessa que não sabias se irias cumprir, mas , eu suspirei de alívio e, como sempre, descansei em ti.
E, quando, por fim, adormeci, aconchegada na ternura morna dos teus braços, o meu coração batia, já, ao ritmo sereno do teu, de novo compassado, seguro, confiante.
Ensinaste-me sempre a ver o Mundo como um filme fantástico, de largos horizontes e em deslumbrante colorido. Talvez por isso, nunca tive da vida, das pessoas, dos sentimentos, uma imagem linear, cinzenta e entediante .
Um dia, ao entardecer, quando o céu e a terra se fundem, na labareda incandescente e lasciva do sol poente, perguntei-te como seria o Amor se tivesse cor . Eu imaginava--o de um cor-de-rosa doce, delicado, encantadoramente romântico, mas tu pensavas que deveria ser vermelho vivo, forte, fulgurante, porque esse é um sentimento feito de pura emoção, intenso, impetuoso, avassalador e as cores suaves não lhe ficam bem .
No Amor, dizias, é sim ou não, é ganhar ou perder, é tudo ou nada, sem meias-tintas, sem meias-palavras, sem meios-termos!
E, nessa noite, adormeci agitada e um pouco ansiosa. Assustava-me a possibilidade de, um dia, amar e ser amada assim. Inteiramente, apaixonadamente, irremediavelmente!
Hoje, muitos anos passados, tantos, que já lhes perdi a conta, acredito que, partilhar com alguém um Amor com essa verdade, essa entrega, essa força arrasadora, possa ser, só por si, a justificação de toda uma existência!
Contigo, aprendi a amar a música e, a encontrar nela, uma preciosa companhia nas horas de solidão, uma amiga fiel e sempre presente nos bons e nos maus momentos .
E, a teu lado chorei com Chopin, sorri com Mozart, enterneci-me com Puccini, emocionei-me com Beethoven e rezei com Bach!
Despertaste, em mim, desde muito cedo, o gosto pela leitura e, pelas tuas mãos, li algumas das obras mais marcantes da Literatura que, depois, comentávamos calorosamente. Tu, com um sorriso e o argumento certo. Eu, arrebatada e muito ciosa da minha opinião!
E, junto de ti, repousei com Antero, na Mão direita de Deus, calcorreei serras com Torga, amei perdidamente com Florbela, encantei-me com a profundidade de Somerset, assombrei-me com a magia de Mann e apaixonei-me, definitivamente, por Eça!
Através dos livros, eu ia descobrindo mundos novos, enquanto criava outros, nas histórias que inventava, que tu lias, orgulhoso, mas que eu, depois, sem tu saberes, rasgava.
Porque, tudo o que escrevo parece-me sempre tão tosco, tão incompleto, tão inútil ! Porque, nunca fui capaz de transpor para o papel, nem os pensamentos que brotam rápidos, em torrente incontida, do meu cérebro, nem os sentimentos, de choro e de riso, que correm à solta, em doido tropel, no meu coração!
Como acontece agora, que escrevo para ti, enquanto vasculho lembranças nos baús desbotados e poeirentos do Passado.
Contigo, surpreendi-me com os traços puros, clássicos, belíssimos de Botticelli, deslumbrei-me com a beleza voluptuosa, cheia de cor e de luz de Renoir e comovi-me com a delicadeza intimista, deliciosamente cândida e sensual de Fragonard.
Mas, também de ti vem esta atracção irresistível pelo mar, esta necessidade, quase primária, de o ver, de lhe sentir o cheiro a sal e a algas, de lhe escutar o ribombar assustador das vagas alterosas, em furioso turbilhão, quando está revolto, ou o marulhar terno, quase erótico, das ondas mansas a sussurrarem inconfessáveis segredos e a espreguiçarem-se, lânguidas, na areia húmida e lisa .
E, frente a essa massa de água, imensa, translúcida, magnífica, bordada de espuma e salpicada de luz, aprendi, contigo, a encontrar alento para o meu cansaço, paz para a minha ansiedade, inspiração para a minha vida!
De ti, ficou-me o desprezo pela hipocrisia, pela intolerância, pela mentira cruel, pela maldadezinha canalha, pela vingança aviltante, pelo queixume gratuito!
Em ti, encontrei sempre uma espantosa humanidade, um sentido de humor subtil, mas certeiro, uma inteligência viva, flexível, uma sensibilidade fina, requintada e o respeito discreto, compassivo, generoso pelos outros. Pelas dificuldades, pelas aflições, pelo sofrimento dos outros!
E, é por tudo isso que tantas vezes, como agora, é para ti que o meu pensamento voa, a minha alma se ajoelha, reverente, perante a tua e eu te agradeço e te bendigo! Tu foste, em cada um dos meus dias, a minha âncora, o meu porto de abrigo, a luz-guia dos meus passos ! Antes, agora, sempre!
Não foste um santo, um filósofo ou um poeta. Ou, talvez tenhas sido tudo isso, sem ninguém saber. Nem mesmo tu!
Esta noite sonhei contigo e fomos juntos, lá para onde só a alma e a memória podem ir, onde somos livres, o céu é sempre azul, as flores não perdem o encanto, nem o perfume e tudo tem a cor cristalina do teu espírito!
Nunca nos dissemos Adeus!
Adeus, diz-se quando o Amor acaba e o fim é, então, inevitável, definitivo, irreparável!
Nunca se diz Adeus, quando o laço visceral, feito de sangue e de afecto, permanece intacto e tu continuas comigo, pois, sobre o coração e o pensamento, ninguém, nada, nem mesmo a morte, tem qualquer poder !
Não se diz Adeus, quando sabemos que, em termos de Eternidade, vinte, trinta ou quarenta anos de separação, não são mais do que dois, três ou quatro segundos deste tempo que contamos!
Não se diz Adeus, quando o rasto claro, límpido, brilhante da tua luz é ainda o caminho que percorro!
E, porque uma noite destas talvez volte a sonhar contigo, agora e uma vez mais, digo-te apenas, até já, até logo, até sempre, meu querido!
Dia 19 de Março dos anos que já vivi e dos que me restam viver!
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