terça-feira, 22 de maio de 2012

era o dia do boulevard




era o dia do boulevard
Paris emergia nos seus telhados de lousa lisa.
as janelas de sótão abriam-se e era maio
o mês das flores.

aquele momento foi a porta aberta e o lampião aceso
cedo, cedo, depois da madrugada que juntou a noite
cedo e tarde, ouro nos olhos e a palha espetada como agulhas
depois das costas tortas de outras escritas, o relatório –

preferia falar das vindimas, dos cachos maduros
da gravilha clara e pequenina para que não haja pó nos caminhos
mas o relatório ergueu  os números, a hora da conta
e não do conto, e não da maresia –


penso nos teus cabelos e nas minhas paredes
penso que não devia ser assim esta distância e saí cedo
cedo na esperança de que o sol fosse amigo –

 os dias seguintes da primavera, quando se aproxima o estio
são maiores, mais brancos, menos vazios –


essa a razão, saí cedo mas a barba tinha uma sombra
um piano baixo de alguns graves quando a mão a percorria.
ninguém, nem ninguém havia quando a barba erguia  o som
um som de intensidades únicas, o cansaço da noite inteira, o relatório
e a outra margem,  uma memória contínua –

passei por essa rua.  não esperava o vestido preto a sombrinha.
 os dois sozinhos
a porta aberta, o lampião aceso, a rua vazia –

não sei se soubeste se era aquele rosto, naquela hora
porque o pé tremia; a hesitação, a dúvida
o apoio da sombrinha, o recuo, a rua vazia –

 no minuto seguinte
um passo atrás na luz para o mistério dos olhos perdidos
para o mistério das cartas e dos segredos
um passo atrás, um crescer sozinho
como um rio contrariado pelo grande muro humano
por uma barragem no meio de paisagens
por ser cedo e porque a porta estava aberta
e porque provavelmente nada se explica –

cedo, digo, porque mais tarde dois minutos podia ser diferente
se, frente a frente, a porta aberta, a rua vazia –

 Paris podia ter acontecido
não fosse o atraso e a paragem
aquele lampião impossível –



                                                                                       
 josé ferreira

1 comentário:

Aline Carla Rodrigues disse...

Maravilhoso, mas muito triste, meu coração ficou na palma de minha mão esperando que o desfecho fosse feliz. Mas... muitas vezes a arte imita a vida, nem sempre o que queremos é o que alcançamos.
Que o seu dia seja lindo e que a passagem para Paris possa acontecer quando o seu coração estiver pronto.
Bom dia poeta! Abraços, Aline Carla.