terça-feira, 15 de novembro de 2011

a história de um caso



quando cruzas as pernas não descuido o olhar
sem danos, que se dane
pior seria, observar outras estrelas
um outro rosto junto ao mar –

quando cruzas as pernas não evito o teu olhar
a interrogação na ironia dos lábios
um ligeiro sorriso, um proteger de intimidade
e é fim de tarde, e é Verão
e no areal todas as mulheres mostram mais –

quando cruzas as pernas há um desejo de sexo
e é normal como as ondas, como a água e o sal
no entanto ajeitas a saia e perdes os olhos na folha branca
uma posição flexível e abstracta, baixando e erguendo pupilas
como quem pensa num poema ou numa carta
naquela pura dificuldade
de pensar da mesma forma
sem dizer nada –

quando cruzas as pernas perco-me a imaginar quadros
cores azuis, cores mais pequenas, sensibilidades
entre o prodígio e o vulgar, reinventando penínsulas
numa soldadura de países, sem fragilidades, de hinos –

corre uma brisa de amenas tardes
na lateralidade do rosto, nas maçãs coradas
quando se solta ao de leve a gargalhada
um som pequeno, de quem viu, gostou e disse nada
no rodeio de escrever na folha em branco
uma primeira palavra –

e a razão é fácil, como saborear um rebuçado
caíram-me os óculos, pois claro
sem mais, desamparados sobre o grão de areia
na esplanada de madeira, sem danos
que se dane, ser óbvio não é pecado -

quando abandonamos o supor de intensidades
desce a noite como ave a planar
e sem mais, ao dar os dedos
guardamos dentro da cabeça todas as palavras

e fechamos os lábios -

José Ferreira 14 Novembro 2011

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