sábado, 9 de outubro de 2010

o quarto de Van Gogh - punhos sobre a alma


O quarto de Van Gogh

começou por punhos pequenos na vidraça
o ruído batente, surdo e intermitente, incansado
em movimentos de alerta: acorda, é hora, acorda.
os olhos graves e exaustos eram portas pesadas
e a grande casa dos sonhos e da memória
um vazio, um grande vazio e um armário –

a chuva pediu ajuda ao vento, bateu com estrondo
a cor verde da gelosia, exterior, em desamparo
abandonada, acordou o sono ao som férreo de uma aldraba.

punhos de água sobre a alma e aos poucos se recorda a irrealidade
um novo espaço se desvenda como um filme de autor, em desespero;
último capítulo, os óculos sujos, as mãos suadas sobre o manuscrito
o enredo:

naquela noite era a selva. um actor saltava em altos de embondeiro.
uma liana, solta e leve, acenava numa sombra escura de vermelho.
um grifo escutava em silêncio o grito de floresta
esperava a hora da grande garra, do voo certeiro.
na clareira corria uma gazela dirigida à sanzala
onde onde onde
se esfuma a irrealidade.

sobre a mesa cai a jarra.
espalham-se as flores, escorre a água, mia o gato

acorda, é hora, acorda
punhos sobre a alma -
amanhã é sábado -

mas a chuva pára, o vento sossega
a mão ausente embala e o cérebro adormece

não quer saber de nada -

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