quarta-feira, 19 de maio de 2010

Cidade-ponto (poema de Sylvia Beirute)



















CIDADE-PONTO


{ao tiago gomes, com amizade}

não escrevi um livro em miniatura sob uma lupa falsa.
não pedi qualidade aos clássicos.
não pretendi reparar a eficácia de qualquer sistema humano.
não endossei poemas porque os poemas não são cartas.
não tenho um cativeiro de poetas.
não visitei cidades-poema.
não segui preceitos que se vejam.
não azuleci por pertencer ao céu.
não tive ilusão e coragem para crer na desistência.
não escrevi que o fingimento pode ser um ódio com casca.
não tenho maneiras puramente estéticas.
não tenho processos literários.
não tenho dois corações.
não li masaoka shiki ou matsuo bashō.
não li a crítica para não perder a liberdade e o meu
dom impreparado.
não peguei no tempo e o atirei para dentro do corpo
como células estaminais.
não escrevi sobre a revolução industrial.
não respeitei o meu passado enquanto índice temático.
não estimulei diagnósticos de subtileza grosseira.
não recuperei emoções com a cabeça.
não coloquei questões delicadas no campo da poesia suprema.
não transferi permissões de mim para mim.
não imaginei versos paralelos para prender significados.

Sylvia Beirute
inédito

1 comentário:

josé ferreira disse...

Olá Sylvia
é muito bom receber de novo os teus poemas no blog. neste poema os versos surgem soltos de liberdade porque a poesia é natural deixa fluir o instante e assim o não escrevi..., não pedi..., não azuleci... resulta na afirmação de um sim poético.