domingo, 4 de abril de 2010

Quarenta graus à sombra (com Platão e ideias irrealistas)




Quarenta graus à sombra
e a necessária precipitação dos olhares
que se cruzam depois da meia-noite
nos corredores mal iluminados de uma escola
de nudez absoluta relativamente àquele
que se despe sem querer perante a coisa
que quer ver despida.

O asfalto onde decorre este momento
derrete com o calor e liberta estratégias
de fumo e fuga que se frustram na inércia
que aguardam a água cega do momento
seguinte numa aerodinâmica sala de espera
onde aparecem os dois pela primeira vez
vestidos de convidados para o seu próprio labirinto.

E quando a audácia começar a dar dinheiro
contrata um arquitecto que projecte uma ponte
entre tudo em aberto e nada em rigor.
Pode ser que o amor dure para sempre
por alguns segundos
suspeitos de conterem lá dentro
várias vidas depois.

Lê sempre o prazo da eternidade que te oferecem
mais do que uma vez, e em todas as línguas.
E nunca te preocupes com a forma nem com o trajecto:
atravessa. Apenas e apesar de tudo atravessa.
Afinal a mesma coisa ocorre ao prisioneiro
no dia em que lhe anunciam o dia
envelhecido da sua liberdade perpétua
as grades que o espreitam no mundo das ideias
mais irrealistas.

4 comentários:

josé ferreira disse...

Olá André gostei muito da forma como se analisa o amor nesta visão interior com " a necessária precipitação dos olhares" e um "asfalto...(que) liberta estratégias de fumo e fuga" "onde aparecem os dois...convidados para o seu próprio labirinto". Também gostei de versos como "...uma ponte entre tudo em aberto e nada em rigor" "...prazo da eternidade que te oferecem..."e "...o dia envelhecido da sua liberdade perpétua..."

Abraço

André Domingues disse...

Obrigado pelo comentário, José.
A ver se combinamos um dia destes o nosso café!

Abraço

Joana Espain disse...

Há escolas nuas, asfalto que liberta estratégias para as aquecer enquanto espera por águas cegas e nos vai convidando para o seu labirinto. Ainda há projectos de contratados arquitectos que fazem pontes de rigor entre nada. Entre grades e prazos em todas as línguas agradeço o aviso. Atravesse-se então. Na mala uma ou outra ideia real como esta.

André Domingues disse...

Olá Joana,

Um poema é um poema é um poema.
Irradiações infinitas. A intertextualidade não mente.

J' est, vraiment, un autre.

O eco é uma substância em que a contemporaneidade acredita.

Beijinhos