Uma mulher ama as obrigações sujas da sua igreja e adoece por tempo indeterminado numa instituição incompreensível mas a sua doença, pelo contrário, melhora a olhos vistos na perspectiva do príncipe que a vê da tremenda intolerância da Terra.
Uma mulher adoece onde o branco actua de tal forma aflito e por toda a parte exigente uma mulher adoece com um véu mal regulado pelo veredicto da água surda que corre da sua castidade extraterrestre quase como cabelos aperfeiçoados por enigmas e pequenas famílias de serpentes muito pouco verdadeiras
Uma mulher adoece até atingir um estado suficientemente adoecido. Depois uma mulher pára de adoecer de repente: quer subir na carreira de doente e maltrata o meu perfil com motivos pouco nítidos.
De príncipe e de louco todos nós temos um pouco. Mas eu não tinha tanto veneno no beijo para te despertar do teu desperdício como te despertei no dia em que eu próprio adoeci.
William Turner "uma cidade à beira de um rio com crepúsculo" 1833
Vejo que as tempestades vêm aí pelas árvores que, à medida que os dias se tomam mornos, batem nas minhas janelas assustadas e ouço as distâncias dizerem coisas que não sei suportar sem um amigo, que não posso amar sem uma irmã.
E a tempestade rodopia, e transforma tudo, atravessa a floresta e o tempo e tudo parece sem idade: a paisagem, como um verso do saltério, é pujança, ardor, eternidade.
Que pequeno é aquilo contra que lutamos, como é imenso, o que contra nós luta; se nos deixássemos, como fazem as coisas, assaltar assim pela grande tempestade, — chegaríamos longe e seríamos anónimos.
Triunfamos sobre o que é Pequeno e o próprio êxito torna-nos pequenos. Nem o Eterno nem o Extraordinário serão derrotados por nós. Este é o anjo que aparecia aos lutadores do Antigo Testamento: quando os nervos dos seus adversários na luta ficavam tensos e como metal, sentia-os ele debaixo dos seus dedos como cordas tocando profundas melodias.
Aquele que venceu este anjo que tantas vezes renunciou à luta. esse caminha erecto, justificado, e sai grande daquela dura mão que, como se o esculpisse, se estreitou à sua volta. Os triunfos já não o tentam. O seu crescimento é: ser o profundamente vencido por algo cada vez maior.
Rainer Maria Rilke, in "O Livro das Imagens" Tradução de Maria João Costa Pereira
Deixo-te uma indicação inquieta e uma explicação concisa sobre a forma como deves vender a tua ausência a mais ninguém.
Deixo-te um velho planeta bipolar e maioritariamente triste nos trópicos da decência uma nação na bancarrota da sua pose irresponsável perante o auxílio.
Deixo-te uma bússola e um pêndulo completamente perdidos nos seus afazeres domésticos e desprezíveis. O pack inclui ainda uma venda de oxigénio e um revólver compreensivo que fará as vezes da minha vez.
Deixo-te o misterioso compasso que desenha ângulos mortos nos desertos onde acaba o coração e começa o âmbito da flecha que não atingiu por pouco uma história mais simples.
Escrúpulos que não cabem na caixa negra deste poema.
Jonh William Waterhouse " a song of springtime" 1913
preso,penélope, preso na memória dos teus seios que em sonho abres qual cisne de lábios grossos em dança branca na altura de dois braços.
luzes,penélope, luzes nos faróis helenos de fogueiras nas muralhas onde adormeço células de cordas tensas no círculo veloz de sangue enfermo; caminhante de desejo .
desconheço, penélope, desconheço as invejas de helena, as fúrias de aquiles só não gosto destes muros onde esmoreço de espada à cinta, lassa, sem deslizes.
ainda,penélope, ainda trabalham agulhas sobre as águas na esperança de um barco à vela, uma jangada, uma tábua colada de dedos e o corpo, o corpo forte de ulisses.
resistes,penélope, resistes e sei que um dia não serão só raios sobre o ulmeiro de ítaca nem só lágrimas de noite no destecer de tecidos. a luz exacta de uma seta surgirá no teu pranto e o fim dos pretendentes.
levaremos argus e o alaúde de ébano voltaremos a visitar os campos -
mar. tanto mar o não limite errante num cerco de vento nuvens e um sol tímido de gente.
muitos anos atrás um túnel escondido nas linhas de um comboio e encostas de uma serra época de generais e domínios de frança. na arqueologia fugaz de fato e alfaiate desceu escadas de ferro à luz da lanterna acendeu filamentos dentro de uma capela no meio de espíritos e nichos vazios; antigo templo invisível sem nomes nem símbolos.
uma alta abóbada e três barras metálicas onde porventura rendas, um crucifixo e talha dourada em toda a volta um ruído de água em direcção ao rio.
desce.desce.sobe.sobe. quatro horas ao fim do dia e o fim das pilhas. escuro. que susto. A mãe zangada 15 anos e quatro manchas de lama nas abas do casaco.
mar.tanto mar e um altar. A analogia do divino.
vem a propósito a existência dos anjos. Onde são? vestem-se de branco? será que se escondem atrás da linha do mar num terraço plano de precipício onde descansam asas e saltitam algodão?
a analogia. a entrada secreta de um túnel. talvez exista uma porta naqueles arenitos mais míudos uma porta de Alice que abra uma saída.
de repente um céu húmido de castelos brancos. um breve granizo. Um pouco de sol. uma nuvem de asas grandes nas mãos de uma criança. gaivotas debicam pepitas esfusiantes de milho.
na mesa mineral de um lugar seguro interroga a possibilidade física de uma porta de mar e o caminho qual será?
chega o empregado:
por favor. um café curto e um sumo de laranja natural desculpe. por acaso não tem o público? O jornal?
imaginou um grande espaço branco e anjos todos descalços, um pouco suspensos de asas cabelos soltos e olhos de muitas cores, tizianos na luz de auréolas, uma genética de néons anunciada de trombetas solenes: agora à sua direita something completely diferente!
pouco a pouco as gaivotas saíam. incrível. as nuvens tão diminutas e o azul. como mudou a atmosfera. a palha entupiu numa pevide e lembrou-se do Richelieu, o melro que fugia aos gatos entre camélias rubras e azáleas claras, floridas, o tempo delas -
O amor não é como Roma: demora a cair. Por isso, a volúpia é lenta e o poema não nos ensina o pára-quedas a tempo nem que a queda também ela é um objecto passível de cair.
Demoradamente.
II
Porque repara: pode-se fazer tudo com o amor a cair. Pode-se, inclusive, fazer amor com o amor a cair.
A neve, por exemplo, imita o amor a cair como ninguém. Mas carece do pânico que por vezes o amor a cair sugere na sua nudez improvisada pelos gritos
do amor, diz-se por aí muita porcaria quanto mais a cair.
III
E digo mais: O amor a cair é um assunto para ser discutido seriamente no parlamento da tua indiferença.
IV
Foi ainda a tua falta de visão teleológica da história deste amor a cair que fez com o amor parasse de cair de vez e caisse em si, finalmente.
Ora, o amor pode cair em todos os lados menos em si.
o escritor precisava escrever uma história afastar os fantasmas de uma vaga de silêncio.
de um calendário na parede do quarto, março saiu a mosca, voou a imagem
...duas horas da tarde nas margens do lago Windermere e a distância de três árvores que nos separa de um barco, uma água branca , parada.
o saber antigo de artesão colocou os talheres em couro de presilhas no cesto de merenda oferta de Lady Sheena, dama inglesa, amiga.
chegar primeiro. puro egoísmo de estender uma toalha arrumar os remos, sentir o barco, e do teu lado colocar o chapéu de palha.
por aquele sorriso faria replay no comando como um disco de vinil gago no risco de um diamante. de olhar fixo na página de um tecido indiano, esvoaçante guardei a fotografia, sensível como o som certo de um piano.
disseste sério. disse deslumbrado no contraste da cor sépia do cais e o singular colar três cerejas de cerâmica num fio de prata e um brinco natural de uma pena de perdiz como um pêndulo de Freud em espiral.
o gesto seguinte abriu-te os lábios quando da água do lago baptizei as pálpebras e agradeci as asas audazes que me davam os teus braços caindo segura e suave no barco que balouçava.
não sei a que horas saímos do lago Windermere mas as nuvens já não eram reflectidas.
na manhã seguinte, junto á água, um céu azul de Veneza. cinco cisnes de olhos tristes aguardaram as migalhas. um pássaro de 237 cabeças sobrevoou o aeroporto subiu acima de uma nuvem cinzenta no formato de um elmo árabe ...
parou na surpresa de um café amargo. esquecera a quantidade exacta de hidratos de carbono; no ambíguo disfarce que quebrou o sonho fechou os olhos, sentiu a imagem que voava de volta à parede de um quarto ao calendário. março -
Há um piano carregado de músicas e um banco há uma voz baixa, agradável, ao telefone há retalhos de um roxo muito vivo, bocados de fitas de todas as cores há pedaços de neve de cristas agudas semelhantes às das cristas de água, no mar há uma cabeça de mulher coroada com o ouro torrencial da sua magnífica beleza há o céu muito escuro há os dois lutadores morenos e impacientes há os poetas sábios químicos físicos tirando os guardanapos do pão branco do espaço há a armada que dança para o imperador detido de pés e mãos no seu palácio há a minha alegria incomensurável há o tufão que para além disso matou treze pessoas em Kiu-Siu há funcionários de rosto severo e a fazer perguntas em francês há a morte dos outros ó minha vida
Era domingo, e os velhos tinham mais cabelos brancos na rendição. Mais consoantes mudas. Mais habilitações para deixar de falar.
A injustiça invade de neve as cabeças dos mais incautos e aos domingos a minha espécie é de uma sinceridade trágica e insular e adoece em todo o seu enunciado
depois, um longo repertório de passos dados em falso põe cabelos brancos nos homens e humidade nas paredes irónicas que educam o cenário
atrás esconde-se uma fábrica de misericórdia pouco merecedora de aplausos ambientais e à sua volta brincam crianças lendárias com elementos provenientes do carnaval oportunista da sua vida real e é nas suas perucas loiras de esperança que agora pousa o meu olhar.
Como um copo de vinho pousado na oscilação o planeta acusa algum cansaço e o meu corpo dança a ardente contemporaneidade da sua dor. Tornado morto pela opacidade do instante eu sou aquele que te espera despejada de adornos e circunstâncias do lado de lá da porta da casa de banho de um comboio com destino ao desencontro.
Ainda demora muito o amor?
É inútil entregar-me à especulação, enquanto sofro: do outro lado, fazes apenas o que todas fazem, mas muito melhor. Organizas a minha aflição ao pormenor, de forma a que não fique nem um minuto de fora da antiguidade das tuas práticas castigadoras.
Tens o cuidado de morder o lábio inferior quando por fim o alívio inunda o poema concreto do teu esforço estrelas que caíram mortas no fundo de um poço cheio de noite, papel queimado e águas ferozes.
E quando de facto eu não puder mais aguentar e pensar finalmente em arrombar a porta o comboio parará na ultima estação do abandono.
sete dias que não escrevo. um orvalho de memória. a semana número treze. o diâmetro de palavras gordas tornaram-me redondo. rebolo aéreo enquanto me dobram todas as esquinas as palavras aveludadas, permanentes, íntimas.
na escarpa alta uma nuvem de mar aperta o oceano e também ela se arredonda ganha rosto ganha forma grandes braços à volta a quarta folha do trevo
I Fascínio e perfume trazem os vendedores de flores Porque geralmente são das raças antigas das índias Porque solitários olham o público deslocando-se Mas com a altivez de quem não olha nos olhos Como a prostituta ciente que não beija na boca Porque evitam as perguntas pessoais e são Cinzas contrastantes com as cores vivas das pétalas Porque encostam discretamente as rosas no peito Porque em dias de chuva pedem lume E até um cigarro e protegem um jardim nos braços E calados - o fumo que exalam tem uma distância que fala Que nunca colide com o silêncio das plantas.
II Fascínio e perfume trazem os vendedores de flores Porque embalam armas de aroma em plástico transparente Porque avaliam rapidamente os potenciais amantes Porque adivinham quem ama a continuidade da flor no vaso Porque aparecem se soletrado um poema no ouvido de alguém E assim se confunde o conhecimento do seu autor Porque fazem parte da classe de trabalhadores das abelhas Mesmo não revelando em baile as flores mais apetitosas.
II e I/II E fascínio e perfume sobram Porque tristes saem à rua para ganhar a árvore Porque reconhecem que também eles Vendem o amor como um forasteiro E sempre têm troco para dar na moeda local Enquanto sonham tecer um tapete de flores Para que em procissão regressem ao perfume da terra E fascinados cuidem um roseiral não ambulante.
Pode chover à vontade ............................................(tratar por eu) O noitibó-de-nuttall acordou não quer saber da armada em dura Pode chover em sentido ..........................................(tratar por eu) Nuvens formam filas - dramático carácter ao invés das manhãs
A primavera e os camaradas do hemisfério norte É nunca perder de vista nas marés do sul ...............(tratar por tu) O espelho do equinócio das asas de dentro das asas de fora
Nota de teor zoológico: O noitibó-de-nuttall(Phalaenoptilis nuttalli) é uma ave nocturna conhecida por ser a única que hiberna.
É o amor, e não o Vaticano, a mais pequena nação do mundo. Podemos imaginar: um coração, um enclave totalmente independente do território estrangeiro que o domina.
Mas quando um coração se liga a outro perde imediatamente a sua soberania. As suas fronteiras adoecem e desistem. O sol desfaz as faces dos seus príncipes. O povo ganha finalmente um governo.
qual o sinal que prenuncia o facto? caiu uma pedra de um muro sobre a estrada era azul e amarela na casa abandonada agora na cor cinzenta,abstracta. na inclinação de luz um vidro inteiro é branco e ninguém já existe por detrás da janela; a ruína de um quadrado, um campo de batalha depois a escola
depois na escola as pedras não falam alto silvam na forma de dedos maiores uma toada por sob uma cruz de cimento e um lamento : mas porquê? e depois o silêncio, sempre, sempre o silêncio
passado muito tempo surge a pergunta: como será o fundo de um rio quando quer o mar? e os peixes?
"com o correr dos anos, observei que a beleza, tal como a felicidade, é frequente. Não se passa um dia em que não estejamos, um instante, no paraíso." Jorge Luís Borges "Os conjurados"
madrugada:o fumo branco de um universo onde o mar tem barcos de bosque e erva raios reflexos de neve e mármores impuros
os corvos voaram sem ruído na lua breve
linha a linha a semente o segredo múltiplo das orquídeas
a derme treme nua cresce uma voz de terra profunda mística como um hino na sombra: acredito em ti mulher em ti...em ti...em ti...
A imagem lendária de uma mulher descalça não porque as mãos estejam sempre descalças mas porque os pés são as mãos das nossas desinibições. A cidade não está preparada para a leveza que uma mulher desempenha descalça e oferece a sua espada à doença simpática do amor.
Só os pobres e os pássaros e as ambulâncias a vêem passar porque nunca cicatrizam onde a necessidade vende melhor. Na perspectiva da cidade dos homens uma mulher descalça põe a morte em perigo e a vida depois.
Os homens ignoram, pelo menos três vezes por dia, esta erótica crepuscular. E vão para o Café e discutem gases política póstuma e cerveja com futebol.
Se eu definisse o tempo como um rio, a comparação levar-me-ia a tirar-te de dentro da sua água, e a inventar-te uma casa. Poria uma escada encostada à parede, e sentar-te-ias num dos seus degraus, lendo o livro da vida. Dir-te-ia: «Não te apresses: também a água deste rio é vagarosa, como o tempo que os teus dedos suspendem, antes de virar cada página.» Passam as nuvens no céu; nascem e morrem as flores do campo; partem e regressam as aves; e tu lês o livro, como se o tempo tivesse parado, e o rio não corresse pelos teus olhos
quanto ao tempo um pouco mais louro e quente o adeus do inverno no caule esguio dos junquilhos. amarelo o sorriso quanto à política. dizem que PECados ninguém tem; história antiga de Cerejeira que não usava brincos.
empurra para o lado tapa o bocejo da confirmação um pouco cinza na extinta Assembleia de credos "Pap'açorda"
o senhor presidente silêncio. serenidade. filosofia. Sócrates sempre soube, mas era o outro. o gato tem sete vidas, "Free" as the wind. TeVI à escuta do jornalista.
o senhor presidente ar circunspecto de economista. ainda não é hora de bomba atómica (talvez para o ano, quem sabe no meio do terreiro do paço; um cogumelo mágico. depois lava-se tudo no Tejo e daqui a mil anos volta o ùltimo dos moicanos)
quanto ao governo, procurador, casa pia liberdade,censura - opinião nemhuma.
humildemente na consciência da história erros erros inscritos como raios o paradigma de uma tempestade de silêncios.
flua o rio, a seiva,a mãe árvore o incenso da verdade que derrube as montras gastas de palavras apertadas que derrame o néctar de um fio de horizonte; um anel de fumo branco do fundo da terra;
a essência de mãos e dedos como escudo das espadas dos desertos e das sombras -
às dezoito e trinta de um dia de domingo uma a uma as folhas de eucalipto o seu sentido e um aroma intenso, opulento de natura; liberto fumo de uma lei pura às dezoito e trinta. domingo.
folhas de eucalipto ferventes, nebulosas, sobrenadam dentro de um lago de oriente resultam fumo gotas condensadas lâmpadas de imagens de Aladino voadoras, como danças indescritas extremos quadros, alegorias e uma tontura às dezoito e trinta -
acordes de gitanos, harpejos, harpejos e uma nota de piano lânguida, suspensa - um desejo de domingo.
Minha cabeça estremece com todo o esquecimento. Eu procuro dizer como tudo é outra coisa. Falo, penso. Sonho sobre os tremendos ossos dos pés. É sempre outra coisa, uma só coisa coberta de nomes. E a morte passa de boca em boca com a leve saliva, com o terror que há sempre no fundo informulado de uma vida. Sei que os campos imaginam as suas próprias rosas. As pessoas imaginam os seus próprios campos de rosas. E às vezes estou na frente dos campos como se morresse; outras, como se agora somente eu pudesse acordar. Por vezes tudo se ilumina. Por vezes sangra e canta. Eu digo que ninguém se perdoa no tempo. Que a loucura tem espinhos como uma garganta. Eu digo: roda ao longe o outono, e o que é o outono? As pálpebras batem contra o grande dia masculino do pensamento. Deito coisas vivas e mortas no espírito da obra. Minha vida extasia-se como uma câmara de tochas. - Era uma casa – como direi? – absoluta. Eu jogo, eu juro. Era uma casinfância. Sei como era uma casa louca. Eu metia as mãos na água: adormecia, relembrava. Os espelhos rachavam-se contra a nossa mocidade. Apalpo agora o girar das brutais, líricas rodas da vida. Há no esquecimento, ou na lembrança total das coisas, uma rosa como uma alta cabeça, um peixe como um movimento rápido e severo. Uma rosapeixe dentro da minha ideia desvairada. Há copos, garfos inebriados dentro de mim. - Porque o amor das coisas no seu tempo futuro é terrivelmente profundo, é suave, devastador. As cadeiras ardiam nos lugares. Minhas irmãs habitavam ao cimo do movimento como seres pasmados. Às vezes riam alto. Teciam-se em seu escuro terrífico. A menstruação sonhava podre dentro delas, à boca da noite. Cantava muito baixo. Parecia fluir. Rodear as mesas, as penumbras fulminadas. Chovia nas noites terrestres. Eu quero gritar paralém da loucura terrestre. — Era húmido, destilado, inspirado. Havia rigor. Oh, exemplo extremo. Havia uma essência de oficina. Uma matéria sensacional no segredo das fruteiras, com as suas maçãs centrípetas e as uvas pendidas sobre a maturidade. Havia a magnólia quente de um gato. Gato que entrava pelas mãos, ou magnólia que saía da mão para o rosto da mãe sombriamente pura. Ah, mãe louca à volta, sentadamente completa. As mãos tocavam por cima do ardor a carne como um pedaço extasiado. Era uma casabsoluta – como direi? - um sentimento onde algumas pessoas morreriam. Demência para sorrir elevadamente. Ter amoras, folhas verdes, espinhos com pequena treva por todos os cantos. Nome no espírito como uma rosapeixe. - Prefiro enlouquecer nos corredores arqueados agora nas palavras. Prefiro cantar nas varandas interiores. Porque havia escadas e mulheres que paravam minadas de inteligência. O corpo sem rosáceas, a linguagem para amar e ruminar. O leite cantante. Eu agora mergulho e ascendo como um copo. Trago para cima essa imagem de água interna. - Caneta do poema dissolvida no sentido primacial do poema. Ou o poema subindo pela caneta, atravessando seu próprio impulso, poema regressando. Tudo se levanta como um cravo, uma faca levantada. Tudo morre o seu nome noutro nome. Poema não saindo do poder da loucura. Poema como base inconcreta de criação. Ah, pensar com delicadeza, imaginar com ferocidade. Porque eu sou uma vida com furibunda melancolia, com furibunda concepção. Com alguma ironia furibunda. Sou uma devastação inteligente. Com malmequeres fabulosos. Ouro por cima. A madrugada ou a noite triste tocadas em trompete. Sou alguma coisa audível, sensível. Um movimento. Cadeira congeminando-se na bacia, feita o sentar-se. Ou flores bebendo a jarra. O silêncio estrutural das flores. E a mesa por baixo. A sonhar.
Torner "quatro quartetos - quatro estações (a T.S.Eliot))" 1979
como se fosse um intervalo na exortação dos crocodilos
entre dois rios e outras noites um deus de pequenas coisas revela as horas de todos os nomes; um jardim sem limites em busca do tempo perdido; o caminho de Swann.
a faca não corta o fogo de 366 poemas de amor; a luz da sua lucidez passeando sob a brisa de uma cidade invisível.
combateremos a sombra de sentimentos à deriva
na outra margem da memória -
josé ferreira
Tradução de um roubo de palavras:
O segredo do Rio - Miguel Sousa Tavares
Se fosse um intervalo – Ana a Luísa Amaral Entre dois rios e outras noites- "
Exortação dos crocodilos – António Lobo Antunes
O Deus das pequenas coisas – Arundhati Roy
As horas – Michael Cunningham
Todos os nomes – José Saramago
O Jardim sem limites – Lídia Jorge
Combateremos a sombra - “
Em busca do tempo perdido – Marcel Proust O caminho de Swann "
A faca não corta o fogo - Herberto Hélder
366 poemas de Amor – Vasco Graça Moura
A lucidez do Amor – Tânia Ganho
Um deus passeando sob a brisa da tarde - Mário de Carvalho