terça-feira, 20 de outubro de 2009

Trabalho de casa "Olympia"- texto 2

Eu disse-te meu amor
Ou o gato, ou eu
Alérgica, coçada e nada

Tenho o sofá cheio de pelos
Não me deito nele pelada

A casa é minha
O gato é teu

Sabes que acordei de rabo de gato em nó de gravata?
Nua de gato ao pescoço

Mijo na almofada e nas chinelas!
Mijo no gato e tiro-lhe o rato!

Gato castrado
Ralado?
Papinha de piriláu

A casa é minha
O gato é teu

Tranquei a porta do quarto
E nem tu nem gato

Espreitas à fechadura enquanto me masturbo
Bem feito se de tusa o gato te agarra a blusa

(Ana Janeiro)

4 comentários:

omarpareceazeite disse...

Deixei o comentário no segundo poema.

ana luísa

josé ferreira disse...

Ana vamos lá ver como hei-de começar. è assim que gostei logo na primeira leitura não há dúvida, o factor surpresa resultou e eu queria ler e entender. primeiro a musicalidade da ironia,ok. depois o ambiente que causa confusão: o sofá, os pelos do gato,castrado, a papinha de piriláu e por fim o buraco da fechadura e esse alguém que se masturba e causa tusa a outro alguém arranhado pelo gato, castrado, invejoso, que agarra a blusa. pelo meio fiquei, acho que ficámos de fora, observadores de espanto neste quadro de ambiente surreal onde Dali faria maravilhas e talvez a Paula Rego carregasse um pouco mais o escuro dos olhos, nas figuras gordas de um gato(coitado), um homem, a mulher.
resumindo que gostei, gostei. mas devo dizer que fico preso na "blusa"
para mim o símbolo feminino. na leitura que eu faço, que me sugere o poema, quem está dentro do quarto é a mulher, quem na porta tem tusa é o homem e o gato está arisco de castrado e o caso não é para menos.
è divertido, invulgar e apesar de saber que isto que eu penso se calhar é ao contrário, continuo na mesma a ver uma olympia que usa uma gravata de rabo de gato, tem um homem trancado do lado de fora do quarto e o homem tem um gato, castrado, coitado!
Uff!Uff! terminei! mas que gostei, gostei!

José Almeida da Silva disse...

Ana,

Gostei imenso do texto pelo tom coloquial e pelo ambiente nele criado. Partindo de um elemento perturbador da relação a dois – o gato, o poema desenvolve uma situação do quotidiano, reveladora da erosão dos afectos nessa relação a dois.
Pressupondo o cumprimento de um aviso já feito, o poema configura uma situação reiterada, dado que o aviso parece ser antigo e, como tal, irreversível («Disse-te meu amor / Ou o gato, ou eu»). O “eu” feminino indica as consequências da presença do gato no seu espaço: é alérgica ao gato e sente-se castigada pelo “tu”, («Alérgica, coçada e nada») na medida em que este lhe interpõe cons¬trangimentos à relação de convivia¬lidade e à de intimidade: uma questão de saúde e de ciúme.
Por isso, alega a invasão promíscua do seu espaço («Tenho o sofá cheio de pêlos» e recusa-se a deitar-se nele nua, por alergia e nojo («Não me deito nele pelada»). As razões do aviso são reiteradas, e o “tu” responsa¬bi¬lizado pela invasão e pela promiscuidade [«A casa é minha / O gato é teu» (vv. 6-7; 15-16)], exem¬¬plificando-o com o facto de ter dormido nua, no sofá, e de acordar de «gato ao pescoço», servin¬do-se da imagem «…rabo de gato em nó de gravata» / Nua de gato ao pescoço»), dando ênfase à indesejada pro-mis¬cuidade “gato-eu”, reforçada ainda pelo uso das sensações olfactiva e visual do «Mijo» do gato «na almofada e nos chinelos», o que leva o “eu” a vingar-se do gato, mijando-lhe e castrando-o («Mijo no gato e tiro-lhe o rato!»). De notar o sentido de humor que o vocábulo «rato» aqui adquire, o órgão sexual do gato, e que é explicitado em («Gato castrado / Ralado? / Papinha de pirilau»), sendo o acto da castração violento, como sugere o uso da interrogação retórica «Ralado?», denunciadora da voz do interlocutor do “eu”, e da confirmação do “eu” no emprego do diminutivo «Papinha», que introduz no texto uma certa dramaticidade.
Face à invasão e à promiscuidade, impe¬di¬tivas de uma relação de intimidade a dois, o “eu” isola-se e protege-se do “tu” e do “gato” («Tranquei a porta do quarto / E nem tu nem gato»), impondo uma fronteira ao “tu”, em busca da sua inti¬midade para, sozinho, poder satisfazer-se sexualmente, deixando apenas ao “tu” a possi¬bi¬lidade de o espreitar, aludindo assim ao gosto pelo voyeurismo («Espreitas à fechadura enquanto me masturbo»), não sem que lhe demons¬tre a sua irritação e o seu desagrado pelo sucedido («Bem feito se de tusa o gato te agarra a blusa»). De registar a vulgaridade que ecoa no vocábulo «tusa», pertencen¬te apenas ao dicionário do calão, e que a linguagem descuidada e periférica corporiza. A confirmar este registo de língua, o poema apresenta também outros exemplos desse tipo de linguagem: «Mijo na almofada e nas chinelas! / Mijo no gato e tiro-lhe o rato!» e «Papinha de pirilau».
Embora rime com a palavra «tusa», o vocá¬bulo «blusa», revelando a eufonia dos sons “usa” (rima interna), gera alguma ambigui¬da¬de em relação à identidade do “tu”. A blusa é uma peça de vestuário, por norma, do universo da mulher, o que poderá remeter-nos para uma relação partilhada no feminino.
O texto autoriza-nos a entendê-lo como um mundo às avessas, onde a linguagem se institui, sobretudo, uma crítica à ausência de valores no universo da convivialidade, em que o desrespeito e o egoísmo se revelam as personagens principais das relações humanas. Daí, o humor e o cinismo que atravessam todo o poema, cujo conteúdo nos situa no universo da contem¬poraneidade.

Joana Espain disse...

Em vez de entrarmos a cavalo no Manet, entramos de gato. O ritmo ajuda à afirmação aberta logo no inicio. De onde vem a surpresa ... do jogo do gato e do rato entre palavras. No sofá de 'pelos' 'pelada', 'rabo de gato em nó de gravata' no pescoço (adoro) e 'o gato castrado que mija' (até aqui as palavras davam breves colisões de ironia mas aqui o grito inicia e a independência vem para ficar) e a porta fecha-se mas não o gozo. Quem estava a mais foi expulso, ficamos sem gato para entrar, mas o poema não acabou. Gostei da porta escancarada no inicio e que nos bate na cara no final, de fazer do gato sapato e dos gritos. Devíamos gritar às vezes. As palavras também sofrem de stress. E ninguém obriga ninguém a ficar à porta.