sexta-feira, 29 de maio de 2009

Voz Só


Aflige-me o equilíbrio do corpo, o sentido da mente,

vejo-a e sonho com paisagens primaveris e rostos

e rostos encantados.

 

(Ternas saudades). Despertas

pelos graves de uma doce alucinação solitária

num palco inundado pelas cores e pelas cores

e pelo magnífico som da trompete e do saxofone.

Ela ali, ali com duas pernas de pedra e peitos angélicos, uma

face vagabunda que me descompõe o raciocínio. E o teclado

que mantém o ritmo atordoado, o bater

que é mais um e mais um e mais um. E mais tantos saltos

e despejos de emoções que nos fazem viver

a excessividade de uma vida de alvoroço.  

Clama, clama e silencia. Como se testando o sopro, o seu sopro.

O éter da sua vida efémera que é prodígio e se desfaz

em pequenas situações de êxtase que ela, apenas ela, enxerga.

Chora, sente. Ri, esfarela-se.

Dança o seu bailado ensaiado e decora e relembra os passos ritmados

que lhe acodem o poderoso vociferar.

 

A voz só que canta e canta.

E desespera no seu mundo intranquilo. Os holofotes que a difamam

e os braços erguidos que lhe suplicam, recomeça.

(Recomeça).

Como se perdida no atempado metro que ela própria criou, não

está perdida, somente maravilhada.

Aturdida.

(Bebe).

Leva à boca a sua droga amiga, tão amiga, e

a cada gole, dá mais um passo. E a cada passo, mais um erro.

Mas o público é ignorante, esquece, pede mais.

(Suplica).

 

Implora pela voz que o guia e o embala, implora pela voz que o seduz.

Roga pela voz só. 


David Campos Correia

1 comentário:

josé ferreira disse...

David gostei do poema valeu a pena o regresso. O imaginário é rico e descreve com precisão emotiva os ídolos de pés de barro e muitos perigos, amalgamados numa ambiência musical muito característica.

Parabéns e obrigado por publicares