segunda-feira, 13 de outubro de 2008

A estalagem (conto de Turgueniev em poesia)

A estalagem escondia
a história antiga,
perdida no frio das estepes,
no torpor de mágoa
de um certo Ivanich!

Na barba pendia o respeito
de brancos fios;
neves de muitos Natais!
No olhar cinzento
a esquecida alegria,
escuros metais
da riqueza esquecida!

Na mesa , o copo vazio,
rugas no capote,
braços cruzados,
pernas estendidas,
findas
nos vincos paralelos
de peles ensebadas,
nas botas grossas,
altas!

Altas como pinheiros
e a Estrela da Noite,
Polar,
frio colar de setenta
roladas pérolas...

Tantos anos divididos
nos cumes
das montanhas dos Urais!

A mesa aconchegava
o canto da estalagem.
Nela sempre alguém novo...
encantado pelo marulhar
de um búzio mágico;
ao viajante
carregado de chumbo
nos pesados trajes
fazia sentar!

Nunca o olhar se cruzava,
ausente,
apenas a melodia,
no minuto certo,
adequado,
enquanto o velho falava:

" Há muito tempo,
quarenta anos tinha então,
fui homem rico,
tive criados, amigos,
mulher, ambição!

Vivi feliz na estalagem
que hoje chamam pensão.
Iludido nos negócios,
nas conversas de homem,
nos refúgios pouco feitos de essência,
de poesia, de razão...

Perdi-me nos vapores...
No ritual esqueci
estrelas, flores,
pequenas coisas...
Não alimentei brasas,
não aqueci Invernos,
não dei atenção!

Sempre fácil se vazio existe,
o lugar onde rolam trémulas emoções;
areias inclinadas direcção ao sonho,
à ilusão!

Quando o novo trovador
dançou nas cordas
as letras belas,
perdeu-se o saber, a eloquência,
vieram as fadas da Lua Nova,
as velas de Vénus,
as poções de Afrodite!

E assim foi...
perdi o conforto da companhia,
a alegria, o sorriso.
Julgado único não o era;
só e vazio!

A estalagem vendida,
a mulher perdida,
os criados tristes,
em fados desertos
de aventais!

Na despedida
os amigos em lágrimas;
pedras doces caídas,
quentes de cristal
na neve fria!
Na verdade que as rodeava
também fugiam...

Nos quatros cantos
debaixo do mesmo céu,
sem destino, eremita,
noite e dia,
aqui e ali,
piso folhas secas,
restos no Outono.
Ouço o despertar da Natureza;
Primavera de trinados
pardais, rouxinóis,
flores e frutos;
simples nos modos
nos quereres.

E
sempre volto a este lugar
de onde sempre quis fugir,
guiado pela estrela dos Reis Magos!

Três dezenas de Natais
que esperam o Ano Novo...
nas mãos do destino,
nos passos do vento,
levando
Akim, o mujique,
nas nuvens do céu!"

1 comentário:

Anabela Couto Brasinha disse...

A meio está o verso:"só e vazio".Penso que no final do poema (o poeta) se ainda está só, já não estará vazio. Gostei muito do poema!