domingo, 19 de outubro de 2008

Daniel Faria

Do ciclo das intempéries

1
Sabes, leitor, que estamos ambos na mesma página
E aproveito o facto de teres chegado agora
Para te explicar como vejo o crescer de uma magnólia.
A magnólia cresce na terra que pisas — podes pensar
Que te digo alguma coisa não necessária, mas podia ter-te dito, acredita
Que a magnólia te cresce como um livro entre as mãos. Ou melhor,
Que a magnólia — e essa é a verdade — cresce sempre
Apesar de nós.
Esta raiz para a palavra que ela lançou no poema
Pode bem significar que no ramo que ficar desse lado
A flor que se abrir é já um pouco de ti.
E a flor que te estendo,
Mesmo que a recuses
Nunca a poderei conhecer, nem jamais, por muito que a ame,
A colherei.

A magnólia estende contra a minha escrita a tua sombra
E eu toco na sombra da magnólia como se pegasse na tua mão

2
Quero dizer-te que esta magnólia não é a magnólia
Do poema de Luiza Neto Jorge que nunca veio
A minha casa - ela própria dava flor
Ela riscava nas folhas
Ela era grande mesmo quando a magnólia não crescia

Esta magnólia não é como a dela uma magnólia pronunciada
É uma magnólia de verdade a todo o redor - maior
E mais bonita do que a palavra

Dos Líquidos

Deste conjunto de poemas fazem parte 8, todos sobre as magnólias. É muito interessante o segundo, que está em diálogo directo com o da LNJ e que, aliás, ilumina a sua interpretação.

1 comentário:

Nuno Brito disse...

faltei à sessão no progresso onde foram lidos alguns textos dele porque estive doente- Disseram-me que correu muito bem,

tenho estado a trabalhar na livraria Poetria à quinta feira e nesse dia da sessão de homenagem a ele à vera Vouga e ao Joaquim Castro Caldas fui com a Dina da Poetria à associação de Jornalistas do Porto buscar um retrato do Daniel Faria para ficar no Progresso durante a sessão.

É uma das personagens mais interessantes da literatura portuguesa