quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Epígrafe à arte de furtar: poema de Jorge de Sena, música e voz de José Afonso

Roubam-me Deus
Outros o diabo
Quem cantarei

Roubam-me a Pátria
e a humanidade
outros ma roubam
Quem cantarei

Sempre há quem roube
Quem eu deseje
E de mim mesmo
Todos me roubam
Quem cantarei
Quem cantarei

Roubam-me Deus
Outros o diabo
Quem cantarei

Roubam-me a Pátria
e a humanidade
outros ma roubam
Quem cantarei

Roubam-me a voz
quando me calo
ou o silêncio
mesmo se falo

Aqui d'El Rei

Lágrima de preta

Encontrei uma preta
que estava a chorar
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhai-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.



António Gedeão

The Lamb - William Blake

Little lamb, who made thee?
Does thou know who made thee,
Gave thee life, and bid thee feed
By the stream and o'er the mead;
Gave thee clothing of delight,
Softest clothing, woolly, bright;
Gave thee such a tender voice,
Making all the vales rejoice?
Little lamb, who made thee?
Does thou know who made thee?

Little lamb, I'll tell thee;
Little lamb, I'll tell thee:
He is called by thy name,
For He calls Himself a Lamb.
He is meek, and He is mild,
He became a little child.
I a child, and thou a lamb,
We are called by His name.
Little lamb, God bless thee!
Little lamb, God bless thee!


William Blake (1757-1827)

Soneto 2

hoje o outono entrou-me pela alma.
sentia um vazio que'ele encontrou,
com vagar, encolheu-se e ali ficou
abandonando-se em silêncio e calma.

sei agora que não volta a sair…
encheu o vazio e'o resto também.
eu sou sua, mas ele, de ninguém
o outono que em mim se veio fundir.

encheu-me'o corpo de cinza, de frio,
de falta, de dúvida, de desejo…
melhor assim que sentir o vazio,

eu queria mais... um sorriso, um beijo
e'ao querer, mais fundo em mim o envio
este amigo que está onde o não vejo.



Raquel Patriarca
sete.outubro.doismileoito

Ossos ocos, terríveis penas, excesso

De acordo com a sugestão da Prof. Ana Luísa Amaral, procedi a algumas alterações. Muito grato.


Ossos ocos, terríveis penas, excesso,
invadidos de aves. Primo o calor interior, as
aves, leves penas: libertar o ar, a origem, o
artigo, o rio, a linhagem, o elefante, isoladamente.
Do ar recente, o resto, o elo, a pele, o novo ar,
o ar próximo. Percorresse mais ar, o ar!




José Almeida da Silva

Dia cinzento manhã submersa

Dia cinzento manhã submersa
E eu de rosto esborrachado ao vidro
A neblina sobe de fininho desde o rio
Os ossos do corpo já não sinto
Estou como que em parte incerta.

Quero voar daqui mas
O frio gelado prende-me toda ao chão
Crescem-me raízes que trepam até ao coração
Nesta cidade que chora sem parar
Um lamento esbatido e contínuo
E eu fico apenas a olhar
A linha do mar…

Vazio imenso e sem fim
Vazio que cai a conta gotas dentro de mim
E eu sem saber se hei de ficar
E apetece-me gritar!
De súbito uma certeza em mim se faz
O olhar já a brilhar e sou tomada pela paz
E era isto tudo o que eu mais queria
Logo pela noitinha é dia de poesia!

Elza

Trabalho de casa 2

Ossos de ar do rio

Recente linhagem:
Elefante aves
primo próximo novo
terríveis aéreos
invadidos
Mais ar
Penas leves
Pele interior
que o ar percorresse
Origem:
ar aves ocos
Artigo:
ar penas resto
Libertar:
excesso
calor
Isoladamente:
Elo de ar

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Exercício 2

Boa noite. Eu vou com as aves!
Primo excesso -
libertar o ar ar
ar ar ar
penas penas penas aves
Ocos ossos-de-ar-de-rio
aéreos terríveis leves
Mais aves aves. Isoladamente.
Resto novo, recente,
elo de pele próximo do calor elefante
Origem, linhagem, interior invadidos?
Percorresse o artigo!

Quero uma vida em forma de espinha

Quero uma vida em forma de espinha
Num prato azul
Quero uma vida em forma de coisa
No fundo de um sítio sozinho
Quero uma vida em forma de areia nas minhas mãos
Em forma de pão verde ou de cântara
Em forma de sapata mole
Em forma de tanglomanglo
De limpa-chaminés ou de lilás
De terra cheia de calhaus
De cabeleireiro selvagem ou de édredon louco
Quero uma vida em forma de ti
E tenho-a mas ainda não é bastante
Eu nunca estou contente

Boris Vian (1920-1959)
Canções e Poemas
(tradução de Irene Freire Nunes e Fernando Cabral Martins)

A Felicidade Suprema

Cuidado! Vêm aí a Felicidade Suprema.
Tocaram os cornos de carneiro, Boiiiiuummnn!!
Calma!
É só como levar com uma grua em cima,
Como estar dentro de um sino a levar marteladas,
Como ser atropelado por um camião.
A Felicidade é violenta.
Ela vai cair em cima de nós,
Vai crescer dentro de nós.
Vai fazer nós dentro de nós.
Ninguém vai conseguir escapar.
A Alegria vai nos magoar tanto!



Nuno Brito, 2007

Los Hombres Duros - Roberto Bolaño

Los hombres duros no bailan
Los hombres duros llegan a poblados límitrofes en horas oscuras
Los hombres duros no tienen dinero, malgastan el dinero,buscan un poco de dinero en habitaciones minúsculas y húmedas
Los hombres duros no usan pijama
Los hombres duros tienen vergas grandes y duras que el tiempo va cuarteando y reblandeciendo
Los hombres duros cojen sus vergas con una mano y mean largamente en acantilados y desiertos
los hombres duros viajan en trenes de carga por los largos espacios de Norteamérica
Los grandes espacios de las peliculas de serie B
Películas violentas donde el alcalde es infame y el sheriff un hijo de puta y las cosas van de mal en peor
Hasta que aparecen los hombres duros disparando a diestra y siniestra
Pechos reventados porbalas de grueso calibre se proyectan
Hacia nosotros
Como hostias de redención defenitiva
Los homnbres duros hacen el amor con camareras
En habitaciones femeninas pobremente decoradas
Y se marchan antes de que amanezca
Los hombres duros viajan en transportes miserables por los
grandes espacios de Latinoamérica
Los hombre duros comparten el paisaje del viaje y la
melancolía del viaje con cerdos y gallinas
Atrás quedan bosques,llanuras, montañas como dientes
de tiburón, ríos sin nombre, esfuerzos vanos
Los hombres duros recojen las migajas de la memoria sin una
queja
Hemos comido, dicen, hemos culeado, nos hemos drogado,
hemos conversado hasta el amanecer con amigos de verdad
Qué más podemos pedir?
Los hombres duro dejan a sus hijos desperdigados por los
grandes espacios de Norteámerica y Latinoámerica
Antes de enfrentar la muerte
Antes de recibir con el rostro vaciado de esperanzas la visita de
la Flaca, de la Calaca
Antes de recibir con el rostro arrugado por la indiferencia la
visita de la Madrina, de la Soberana
De la Pingüica, de la Peluda, de la Más fea del baile
De la Más Fea y la Más Señalada del Bail



Roberto Bolaño

Os Manequins de Munique - Sylvia Plath

Os manequins de Munique


A perfeição é terrível, não pode ter filho.
Fria como a respiração da neve, põe um tampão no útero


Onde os teixos sopram como hidras,
A árvore da vida e a árvore da vida

A libertar as suas luas, mês após mês, sem nenhum objectivo.
O fluxo do sangue é o fluxo do amor,


O sacrifício absoluto.
Quer dizer: não há outro ídolo senão eu,


Eu e tu.
Assim, no seu sulfuroso encanto, nos seus sorrisos


Estes manequins dormitam esta noite
Em Munique, a morgue que fica entre Paris e Roma,


Nus e carecas nos seus casacos de pele,
Chupa-chupas de laranja em pauzinhos de prata

Intoleráveis, ocas cabeças.
A neve deixa cair os seus bocados de escuridão,


Não se vê ninguém. Nos hotéis
Mãos estarão a pôr os sapatos


À porta dos quartos para que os engraxem com carbono
Neles hão-de amanhã entrar enormes pés.


Ó a domesticidade destas montras,
As rendas de bebé, as folhas verdes de açúcar,


Alemães toscos a passar pelo sono metidos nos seus stolz largos.
E os telefones pretos no descanso

A brilhar
A brilhar e a digerir
Emudecidos. A neve não tem voz.


Sylvia Plath in Ariel - tradução de Maria Fernanda Borges

Um caderno para todos ou Acerca do mérito das etiquetas

Companheiros, amigos, poetas… o nosso blog tornou-se, muito rapidamente aliás, num maravilhoso caderno comum, onde partilhamos aquilo que vamos escrevendo ou aquelas outras ‘linhas’ que não escrevemos nós mas que nos tocaram, inspiraram, e acabaram por nos unir neste projecto tão bonito de querermos fazer poesia.
Só precisamos de algumas regras para que, além de colocarmos os textos, os possamos recuperar fácil e eficazmente. As etiquetas são a nossa única hipótese de o fazer, e é importante que todos as usemos para identificar os textos. Por exemplo: “Fernando Pessoa” ou “Emily Dickinson” identificam por autor, o que dá um jeitão para aqueles de nós que não têm conta própria e usam a conta genérica “omarpareceazeite”. As etiquetas “Socializando” ou “1º Trabalho de casa” são bestiais porque permitem a recuperação imediata de todas as postagens feitas com uma determinada intenção, ou em torno de um mesmo tema. As etiquetas podem ser da quantidade e da variedade que quisermos. Têm apenas de obedecer a um sistema simples de lógica e uniformidade, e é só preciso evitar a criação de etiquetas que sejam subjectivas e que não identifiquem o texto (ou textos) que estão, por assim dizer, arrumados nessa estante.
Nenhum de nós, sozinho, consegue fazer esse trabalho e é preciso colaborarmos todos. O caso das etiquetas por autor é importante até porque alguns dos poemas não estão assinados, e uma vez que esse facto pode dever-se a um esquecimento mas pode também ser um anonimato intencional, nenhum de nós vai alterar o conteúdo das postagens dos outros.

Queria só acrescentar que tenho tido muitos “caderninhos” mas este é o meu primeiro em regime de partilha total, e que acho fantástico como é que uma molhada de pessoas completamente diferentes de formações, idades e percursos diversos, perfeitos estranhos que noutra circunstância nunca (ou dificilmente) se conheceriam, vêm encontrar-se num objectivo comum que os une e os torna cúmplices, compreendidos e aceites, em tudo o que têm de diferente e naquele pouco que têm de igual que é o amor pela poesia.
Bem-hajam,
Raquel Patriarca

O céu de Paris

Descemos as escadas,
caiu a linha do horizonte
que ligava à outra margem.
Sentámos nasrugas de pedra
no caminho da penumbra,
juntos de mão e olhar!

Delineámos o céu de Paris.
Pontes e ilhas, suave charme,
harmonia!
Nas águas o "bateau",
lento de pressas
esconde burburinho!

Subimos...
repetição de espaços,
junto aos poetas,
aos escritores,
aos anónimos pintores.
Junto ao Sena...
amantes...
em laços de tempo!

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

2º trabalho de casa

O elo
o recente elo de aves terríveis,
penas, pele, ocos ossos,
isoladamente mais leves...
mais...
ar...ar...ar...
restos de ar...
e um primo elefante
(artigo próximo na linhagem)
pele, ocos ossos,
sem penas...
a libertar...
um rio invadido de calor
que de novo percorresse
leve... restos de ar...
a origem interior!