domingo, 21 de março de 2010

QUÉ FROR?


I

Fascínio e perfume trazem os vendedores de flores
Porque geralmente são das raças antigas das índias
Porque solitários olham o público deslocando-se
Mas com a altivez de quem não olha nos olhos
Como a prostituta ciente que não beija na boca
Porque evitam as perguntas pessoais e são
Cinzas contrastantes com as cores vivas das pétalas
Porque encostam discretamente as rosas no peito
Porque em dias de chuva pedem lume
E até um cigarro e protegem um jardim nos braços
E calados - o fumo que exalam tem uma distância que fala
Que nunca colide com o silêncio das plantas.

II
Fascínio e perfume trazem os vendedores de flores
Porque embalam armas de aroma em plástico transparente
Porque avaliam rapidamente os potenciais amantes
Porque adivinham quem ama a continuidade da flor no vaso
Porque aparecem se soletrado um poema no ouvido de alguém
E assim se confunde o conhecimento do seu autor
Porque fazem parte da classe de trabalhadores das abelhas
Mesmo não revelando em baile as flores mais apetitosas.

II e I/II

E fascínio e perfume sobram
Porque tristes saem à rua para ganhar a árvore
Porque reconhecem que também eles
Vendem o amor como um forasteiro
E sempre têm troco para dar na moeda local
Enquanto sonham tecer um tapete de flores
Para que em procissão regressem ao perfume da terra
E fascinados cuidem um roseiral não ambulante.

1 comentário:

josé ferreira disse...

António um excelente poema de aromas diversos e camuflados. subtileza e harmonia atravessam a metáfora de um personagem, o vendedor de flores. " fascínio e perfume" à procura de um roseiral. gostei muito.
imperdoável a ausência dos teus versos mas não é tardio o regresso.

Abraço