sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

O Viking e o menino autista

A Estrela II

As estrelas-do-mar têm simetria radiada e algumas delas podem ter um metro de diâmetro. Se um dos braços da estrela for cortado, pode-se desenvolver uma estrela nova.
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1.
Era domingo. Num Mc Donalds da Floresta Negra, Hanz olhou para o seu filho, autista de elevado grau, que estava a brincar com o boneco do Shreck que era o brinde do Happy Meal. Passavam uma semana no sul da Alemanha e iam depois visitar a Áustria, num carro alugado. O menino comia o seu hambúrguer sem nunca olhar para o pai. O pai foi lá fora fumar um cigarro, via através do vidro o filho a continuar a brincar. Não adiantava dizer-lhe para vir, isso demoraria horas e no interior do Mc Donalds da Floresta Negra não estava ninguém a não ser os empregados. O pai abriu o mapa das estradas da Baviera, teriam de estar na Pensão antes da meia noite. Ainda eram cinco horas e já era noite. Ascendeu outro cigarro e deixou-se estar por várias horas a olhar pelo vidro, para o seu filho, que continuava a brincar com o boneco, como se só tivessem passado 3 minutos. O pai abriu a porta do carro, ligou a música numa estação comercial e fumou cigarro após cigarro até às 23h15. Depois foi chamar o menino. Seguiram pelas estradas cheias de curvas da Baviera, até à pensão. No outro dia iam ver o castelo de Neuchvenstein, cuja reprodução já haviam visto na Disney World de Orlando.

2.

Na altura o menino não prestou atenção aos homens mascarados de Pato Donald ou de Mickey, mas brincou durante muito tempo com os bonecos do Mickey e do Pato Donald, com os objectos em si.
O Q.I. do menino era o mais avançado da sua turma. Parecia ter incorporado toda a obra “Sedução” de Baudrillard e saber que tudo é simulacro, parecia ter ido ainda à frente de Baudrillard e saber que aquilo que o homem cria é também o homem.


3.

Na escola especial para autistas aconselharam Hanz a levar o filho a um acampamento de escuteiros. Ele passou lá duas semanas. Depois o pai foi buscá-lo. Durante esse tempo houve muitas actividades. A cada menino foi pedido que escrevesse um pequeno conto, cujo tema fosse a Floresta Negra, O conto deveria ter no máximo duas páginas. Os orientadores não conseguiram convencer o menino autista a escrever, porque este estava a olhar para o chão e para as árvores. Os outros meninos apanhavam pinhas e liam e aprendiam a fazer nós (o nó do marinheiro, o nó do enforcado). Escreveram cada um o seu conto. Depois foi publicada uma antologia dos meninos escuteiros com as suas visões da Floresta Negra. 40% dos contos eram sobre castelos, 34% eram sobre fadas das montanhas. Hanz levava no banco de trás do carro a antologia. Claro que não estava lá o do menino.
Mesmo assim, Hanz foi até à janela da pensão, pegou na antologia, acendeu um cigarro e leu os contos todos dos meninos saudáveis. Percebeu então que o escritor é aquele que não escreve. E que a literatura é simplesmente tudo o que não pode/ não foi / nunca será escrito.


4.

No dia seguinte passearam pela floresta Negra e ao lado da estrada o menino encontrou uma estrela-do-mar. O pai olhou-a. Podia ter caído de algum carro, de alguém que vinha da praia e a trazia ao vento por fora da janela. A praia mais perto era a 1000 quilómetros. Mas as estrelas-do-mar são sobreviventes. Pensou, sem saber porquê, que se podia tratar de uma estrela-do-mar autista. Uma estrela-do-mar que soubesse tudo, todos os segredos de toda a gente. Meteu-a no bolso do menino.




5.

Assim que chegaram a Zurique Hanz descobriu um alfarrabista mesmo ao lado do parcómetro onde se dirigiu para pagar o estacionamento do carro. Entrou na livraria com o menino e descobriu na secção de História, um livro que se chamava – Doenças Psiquiátricas no Antigo Regime – Era uma obra de História da Medicina. Abriu-o ao acaso numa das páginas e viu o capítulo: O Autismo na Idade Média.

Comprou o livro e saiu. Era uma edição dos anos 60 e a capa parecia da cor da estrela-do-mar. Voltaram para Hamburgo e nesse mesmo dia, numa consulta, o médico aconselhou que o menino andasse com um cartão ao peito que tivesse os seguintes dados, o seu nome, o nome do pai e as respectivas fotografias. Deveria também ter a fotografia de um objecto com o qual o menino tivesse grande afinidade. A técnica não era nova. O cartão foi feito. Hanz tirou uma fotografia da Estrela-do-mar e a mesma foi anexada ao cartão, que passou a estar sempre ao peito do menino. O cartão tinha também os números de telefone do pai e da clínica.


Algumas variantes sobre a origem do autismo:

1. Índios da América do Norte:

Os autistas são meninos que olharam demais para a lua

2. Antiga Grécia

2.1
Os autistas eram os meninos que nadavam no fundo do lago cuja superfície servia de espelho a Narciso. Os meninos eram filhos de Cassandra e Cronos e de vez em quando entravam nos túneis subaquáticos que iam dar ao mar Negro. Aí alimentavam-se de estrelas-do-mar. As meninas autistas em vez de as comerem metiam-nas nos cabelos e


voltavam para junto do lago de Narciso. Não era a si próprio que Narciso via. Mas todos os outros.

2.2.

Os meninos autistas eram gatos negros transformados em meninos

2.3.

2.3.1

Os meninos autistas eram filhos de Narciso e de uma mulher em tudo igual a si,
(Outra variante)

2.3.2.

Os meninos autistas eram filhos de Narciso e de uma mulher que era também ele próprio.

3.

Margarida da Suécia era muito amiga de um menino-autista, que dormia no quarto ao lado da Rainha. Cantava muito bem e pensava que ninguém o ouvia. Era ele o músico preferido da Rainha.




4.

No deserto que circundava Babilónia, um estafeta do rei descobriu uma estrela-do-mar. Como era sinal de boa sorte, nesse sítio o rei mandou erguer uma cidade de várias pontas e povoá-la com todos os meninos autistas da Babilónia. Aí criariam a letra cuneiforme, o princípio da escrita através do qual todas as histórias seriam contadas.


Nuno Brito

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