sábado, 27 de dezembro de 2008

sobre(a) a menina

Que não te apague a luz -
que nunca;
sombra, nata de névoa escorre
cega no espelho do império, nas
cataratas espessas da madeira.
Dobram os olhos do pintor real -
no espaço trata uma obcessão,
bando de súplicas para que os teus dias
dialoguem com o sol de uma bandeira.

Que não te canse o lume -
que nunca;
na cauda de menina-luz a cozer ditados
ao animal cioso que cuida belezas.
Bichos quase caseiros - a lareira costurando
o fogo. Que todos te acendam rendados
em pregas de claras cores, modelos
de olhos caprichosos de menina;
esboços e estudos a gris, namorando
a tela-luz do contraste que dominas.

Que nunca! Futuros modernos?
Prendam esses ladrões de ares de altivez,
pois nunca é muito como te vês.
Que nenhum lobo marinho
venha ao sul secar o teu sangue
azul.

Um firme raio - um passo do sol
pincelado séculos atrás, passeia na
na moldura digital na alçada
do hall de entrada do T2.
Pilhas inventam pixels onde sois
princesa, à grande e à castela,
pilhas alcalinas para perpetuar
as meninas,

e a tristeza
de te ver presa
na casa real da
incerteza.

3 comentários:

M. disse...

Gostei tanto!
O que dizer sobre? "Que nunca" é um bom começo repetido. Faz-me lembrar os contos de fadas que de varinha na mão abençoavam as Princesas ainda no berço com desejos eternos de tanta coisa. E quase embala,como as mães que fazem também papéis de fada e que lançam elas sobre os filhos seus desejos infindáveis... desses que nunca se esgotem.
Saliento ainda o verso: "Que nenhum lobo marinho venha ao sul secar o teu sangue azul". Que lindo.

e o final perfeito:
"e a tristeza
de te ver presa
na casa real da
incerteza."

Uma certeza eu pelo menos tenho: que nunca deixes de escrever

josé ferreira disse...

António
caro amigo criativo, acho que nos teus poemas procuras construções originais e perfeitas e neste particularmente resulta muito bem a repetição "que não" "...que nunca" que se estende como onda ao longo de elaboradas imagens das quais a do lobo marinho marca e pontua numa poesia a dois tempos de fronteira nítida que me parece quiseste sublinhar no desejo de, num laivo de regresso ao futuro quase colocares a menina no meio da sala para ser adorada em toda a sua perfeição de traço e luz.
Os teus versos exigem, não os consigo comentar na primeira leitura. Mais uma vez gostei e repetindo o que já foi dito
não pares de escrever, nem poesia, nem prosa!
Parabéns!
Um abraço e Bom 2009!

Joana Espain disse...

Gostei muito deste poema. Algumas imagens são muito fortes.

'sombra, nata de névoa escorre
cega no espelho do império, nas
cataratas espessas da madeira.'


Muitos parabéns.