terça-feira, 28 de julho de 2009

Que seja autêntica


Pablo Picasso "Horta de Sant Joan" 1909

Esperei o momento do sossego
sabendo-o vagaroso, ciente de importãncia
qual nuvem rasgada da penumbra pela espada
o gume afiado de um raio certo.
A importância de fazer luz
compô-la nas gotas do cansaço
e talvez por ser assim sair misturada
a realidade de quadras até cinzentas
indiferentes ao nascer da claridade.
O cansaço que é imprudente e exige
o físico latejar, o movimento de pálpebras
a cisma dos olhos no silêncio
o levantar do queixo rugoso e direito
o vácuo tempo improdutivo em contas de ábaco
lentas, insuficientes, presas.
O físico latejar voando além da ponta dos dedos
aos circuitos mais altos na vibração dos extremos
entre o desespero de nada e por pouco alguma coisa
solta, que se entenda...não!... que seja autêntica!

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Acaso


Paul Klee- Federpflantze 1919




No acaso da rua o acaso da rapariga loira.
Mas não, não é aquela.

A outra era noutra rua, noutra cidade, e eu era outro.
Perco-me subitamente da visão imediata,
Estou outra vez na outra cidade, na outra rua,
E a outra rapariga passa.

Que grande vantagem o recordar intransigentemente!
Agora tenho pena de nunca mais ter visto a outra rapariga,
E tenho pena de afinal nem sequer ter olhado para esta.

Que grande vantagem trazer a alma virada do avesso!
Ao menos escrevem-se versos.
Escrevem-se versos, passa-se por doido, e depois por gênio, se calhar,
Se calhar, ou até sem calhar,
Maravilha das celebridades!

Ia eu dizendo que ao menos escrevem-se versos...
Mas isto era a respeito de uma rapariga,
De uma rapariga loira,
Mas qual delas?
Havia uma que vi há muito tempo numa outra cidade,
Numa outra espécie de rua;
E houve esta que vi há muito tempo numa outra cidade
Numa outra espécie de rua;
Por que todas as recordações são a mesma recordação,
Tudo que foi é a mesma morte,
Ontem, hoje, quem sabe se até amanhã?

Um transeunte olha para mim com uma estranheza ocasional.
Estaria eu a fazer versos em gestos e caretas?
Pode ser... A rapariga loira?
É a mesma afinal...
Tudo é o mesmo afinal ...

Só eu, de qualquer modo, não sou o mesmo, e isto é o mesmo também afinal.

Álvaro de Campos, in "Poemas"

A propósito de um voo no Canal sem Mancha





A avioneta, asas largas lentas de esqueleto
recolhe de novo o mar, a travessia
amacia a brisa e estende mais longe
o lenço preso de cortinas no elmo
além no cubículo, lugar de um céu;
esse vasto Oceano lateral começa
nas praias brancas da ilha grande
adensa de azuis aos poucos metros
e avança sem medo, Calais, o cais de França.

Quis ser aviador, cruzar em(braços)
sentir livres tempos, ler o vento.

Em pequeno planava corredores de pés plenos
assentes no barulho trémulo de motores
crescentes nos lábios abertos; óculos grossos
de redondos, olhos abertos de sonhos;
cortava o ar no suposto perigo de
atrás das nuvens surgir o inimigo
ou antes o alívio; não ser mais
de um leve esvoaçar, uma cantiga
no bico curvo decidido de uma ave
nas alturas; a companhia, o abrigo
de um olhar no espaço sem degraus
que encanta, solta a alma, anima.

Associo esse desejo antigo ao bálsamo
bebida fresca, som amigo de perder
as rédeas que sufocam e nos pólens
da notícia, ganhar de novo asas
subir ao Paraíso.

domingo, 26 de julho de 2009

S A U D A D E S D E A N G O L A ( em 7 simples actos )

1º acto: infância / puberdade

Escola primária de tão bela areia,
saltos à corda e ao eixo,
primeiros encantos juvenis;
corridas aos gelados
e na rampa do Salvador Correia...
doem-me as lembranças de Angola
de tempos felizes passados.

2º acto: grupo musical

Quatro calmos rapazes, originais,
espalhando simpatia e bela musicalidade,
"Diabólicos" eram líderes em reuniões pop
no Cine-esplanada Tropical,
... saudades de Angola e da performance vocal.

3º acto: faculdade de Medicina da U. Luanda

Exame de aptidão, marco estudantil,
pergunta sobre peritoneu
obrigou a resposta "do baril",
em 31 de julho saudades de Angola
por 35 anos de fulcral licenciatura!

4º acto: convívio e praias

fim de semana permanente em praia,
ilha do Mussulo e contracosta,
águas serenas
mais avolumam saudades tremendas de Angola
ainda em ressuscitação!

5º acto: guerra colonial

Guerra: terrorismo, ou libertação ?
Necessária turbulência
provocando triste fuga !? Ou descolonização ?!
Saudades de Angola não apagam brutal destruição...

6º acto: abandono e partida para " o Continente"

Amor, dedicação - a que outros chamaram "racismo",
muitos anos perdidos de convívio racial,
e um retorno sofrido a um novo País
que jamais colmatou saudades de Angola de forma total!

7º acto: guerra civil

Desentendimentos, ambições políticas pueris,
guerra de irmãos sem perdão,
de que vale ter saudades de Angola
se a lembrança de maus acordos
e dos mortos ainda está viva,
se os imbondeiros se curvam perante a dôr
e as acácias jamais se abrirão em flôr?!...


(António Luíz, 25-07-2009) - do livro em preparação
intitulado "Poesia pragmática", integrando todos os poemas pós-Curso
de Escrita Criativa de Set-2008 da Fac. Letras U. P.

E X T R E M O S

És tantas vezes adorável colibri,
borboleta dançando em minha mão,
cordeirinho que eu afago com enlevo,
chuva que me lava toda a alma
neste arquétipo inferno
apenas salvo pelo dom do amôr!

Dou assim asas às andorinhas do meu prazer,
e amo-te então sem quaisquer limites...

Outras vezes sufocas-me as vontades,
esganas toda a minha planificação,
trituras-me os sonhos e as realisações,
bloqueio-me... e não há ódio,
mas também não há perdão!

Então, mesmo que o queira,
não consigo mais olhar-te
nem tão pouco amôr falar-te,
pois o beija -flor, a borboleta,
o cordeirinho e a própria chuva sofrem mutação,
transformando-se nas coisas mais hediondas
e mortíferas deste mundo!


Então, não solto as andorinhas do meu prazer,
e não é possivel amar-te,
mesmo que por gentileza tua
fosse desejo teu!


(António Luíz , 23-07-2009 ) - do livro em preparação
intitulado " Poesia pragmática" , integrando os poemas pós-Curso de
Escrita Criativa de Set-2008, Fac Letras U. P.

sábado, 25 de julho de 2009

Fronteira



É doce
a tentação do labirinto
assim que o sono chega e se propaga
ao contorno das coisas. mal as sinto
quando confundo a onda sempre vaga

deste falso cansaço que regressa
ao som da minha estranha e dócil fala
cada vez mais submersa como essa
pequena luz da rua que resvala

plo interior da noite. É quase um sonho
A respirar lá fora enquanto o quarto
se dilui na fronteira que transponho
e afoga a consciência de onde parto

agora sem direito nem avesso
no incerto momento em que adormeço.

Fernando Pinto do Amaral

The cloud

A defesa da Poesia






Percy Bysshe Shelley (Sussex, 4 de agosto de 1792 — Mar Lígure, 8 de julho de 1822) foi um importante poeta romântico inglês. Foi desprezado na era vitoriana pelas suas idéias libertárias. Morreu aos 29 anos na Itália. Foi amigo de Lord Byron. Sua mulher Mary Shelley escreveu aquela que se tornou uma das mais intrigantes novelas da literatura moderna, o Frankenstein.

Shelley foi também companheiro de noitadas no vinho e nas discussões filosóficas, de Lord Byron, este considerado um marco referencial do pensamento Romântico na Literatura Inglesa e também na Literatura mundial. Após a morte de Shelley por afogamento, a sua mulher Mary Shelley responsabilizou-se pela publicação das suas obras.
Ele ainda viria a tornar-se um ídolo dos poetas vitorianos e dos pré-rafaelitas. Foi também admirado por figuras como Karl Marx, Henry Salt, George Bernard Shaw e Yeats. Compositores como Ralph Vaughan Williams e Samuel Barber, escreveram musica baseada nos seus poemas.


PERCY BYSSHE SHELLEY: "DEFESA DA POESIA"

"Ninguém pode dizer: "vou compor poesia". Nem o maior poeta o pode afirmar, pois, ao criar, o espírito é como brasa que se extingue, mas que uma influência invisível, qual vento constante, desperta para um fulgor transitório; este poder nasce de dentro, como a cor de uma flor que desmaia e muda à medida que se desenvolve, e a parte consciente da nossa natureza é incapaz de profetizar, quer a sua aproximação quer o seu afastamento: pudesse esta influência perdurar na pureza e força originais, e seria impossível predizer a grandeza dos resultados; porém, quando se inicia a composição, a inspiração está já em declínio, e a mais gloriosa poesia que alguma vez se comunicou ao mundo é provavelmente uma ténue sombra das concepções originais do poeta. Invoco o testemunho dos maiores poetas do presente: não será um erro afirmar que os mais belos trechos poéticos são produto do labor e do estudo? O labutar e o proletar recomendados pelos críticos podem, numa interpretação justa, não significar mais do que uma cuidadosa observância dos momentos de inspiração e uma ligação artificial das suas sugestões, preenchendo os espaços entre elas com a intertextura de expressões convencionais, uma necessidade imposta apenas pelas limitações da própria faculdade poética (...)."

Percy Bysshe Shelley
"Defesa da Poesia", Poesia Romântica Inglesa , tradução de Fernando Guimarães

sexta-feira, 24 de julho de 2009

A pluma nova e a voz oculta





Usei a pluma nova na escrita
como se no fim de cada verso
molhasse um pouco o aparo dourado
num pouco de tinta.

Não eram plenas as palavras
(assim não as sentia)
mas infligiam a surpresa de as ver sair
nascendo sob a forma de um canto
saliente do silêncio; um rodopio de vento
um remoinho de massa cinzenta;a voz oculta.

Desviei o olhar para o janelo transparente
que leva ao fosso e separa o degrau
do imenso jardim de outros mundos;
asas longas de libélulas e outras
mais planas, largas, coloridas
mas ainda suspensas de borboletas.

Por momentos esqueci-me de ti.

Senti o pó como a queda de um penhasco
de onde saí tropego conferindo partes
recontando dedos, dentes, a campânula
onde alojo os cabelos.

Eram os mesmos.

Acordei dos tombos sentado no degrau
do lado de lá do janelo sentindo os verdes
como se de repente uma planície dentro
ao nível das orelhas, atrás das sobrancelhas;
um imenso céu cinzento plantado de palmeiras
e ainda assim em cima um céu azul, uma luz branca
no centro da árvore humana, vestida de rosto
e linhas, listas de cores de uma colcha antiga.

De lado havia flores, azáleas raras
um lago de águas paradas,uma estátua
e as árias de um pássaro de asas claras
o corpo creme e a voz oculta
que soava no bico aberto,contínuo
na escrita de outros versos;
círculo de uma música que soava
no quadro completo da diversa natureza
e uma pluma nova que escrevia sózinha.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

O pato

Este é um poema samba fábula divertido para um dia de Sol!Espero que gostem!

A arte de ser feliz


Seurat"Um domingo à tarde na ilha da Grande Jotte"

Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz.
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.

Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde, e, em silêncio,
ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas.
Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse.
E eu olhava para as plantas, para o homem,
para as gotas de água que caíam de seus dedos magros
e meu coração ficava completamente feliz.

Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor.
Outras vezes encontro nuvens espessas.
Avisto crianças que vão para a escola.
Pardais que pulam pelo muro.
Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.
Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega.
Às vezes, um galo canta.
Às vezes, um avião passa.
Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto completamente feliz.

Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas,
que estão diante de cada janela,
uns dizem que essas coisas não existem,
outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente,
que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Asas de luz


Chagall "The flying carriage"-1913




Tudo tem significado nada é por acaso:
a penumbra, a claridade
a inclinação verde de uma sebe
um vestido de seda, a melopeia
de uma voz extensa, graciosa
o nariz de um palhaço no meio de um quadro
redondo e vermelho, sem lábios de riso
quedo como se só do outro lado: os ruídos
entre madeixas de pinho, os dedos de assobio
os dentes brancos das gargalhadas.

A bandeira do Japão será uma piada?
Um antigo chapéu colhido da terra
no mais negro travo do veneno?

Serão divinas as estrelas de Armstrong
nos altos saltos dos planetas?

E quanto a Marte ( Deus das contínuas guerras
das imagens podres ) de que cor os cabelos
os grandes olhos, o "WellRock" dos joelhos?

E aos poetas quem os fez de sonhos imateriais
de abismos, de fronteiras, recônditos de ser
essências de nuvens em quedas de chuva
personagens no teatro das palavras que caem
como pingas nos pequenos bagos das amoras
escuras e doces: convite perigoso de silvas?

Não são de acaso, sem significados as palavras
e não são dos poetas, não são suas. São os frutos
de sábias pulgas que pululam as cabeças como ruas
soltando as gotas vermelhas dos poemas; cometas
estrelas brilhantes num cálice de pratas;
o sentir perto dos versos no conforto das almas
que se abrem de caminhos e asas de luz: amarelas.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Lua



"um pequeno passo para o homem mas um grande passo para a humanidade"






Vislumbro o dia sem Neptuno
não há água na superfície.
Imagino o dia do homem
absoluto sem dúvida.
Ressaltos sem esquadria
na oblíqua queda;
as estrias paralelas
sete vezes leves
de uma pegada.

A surpreendente melancolia
de um deserto branco
um tripé de âncora
de uma "Nau Catrineta
na planície da Lua;
a lusa esperança
na ponta de uma seta
bordada de estrelas.

domingo, 19 de julho de 2009

A vida é sonho


(não sei de quem é mas gostei!)

É certo; então reprimamos
esta fera condição,
esta fúria, esta ambição,
pois pode ser que sonhemos;
e o faremos, pois estamos
em mundo tão singular
que o viver é só sonhar
e a vida ao fim nos imponha
que o homem que vive, sonha
o que é, até despertar.
Sonha o rei que é rei, e segue
com esse engano mandando,
resolvendo e governando.
E os aplausos que recebe,
Vazios, no vento escreve;
e em cinzas a sua sorte
a morte talha de um corte.
E há quem queira reinar
vendo que há de despertar
no negro sonho da morte?
Sonha o rico sua riqueza
que trabalhos lhe oferece;
sonha o pobre que padece
sua miséria e pobreza;
sonha o que o triunfo preza,
sonha o que luta e pretende,
sonha o que agrava e ofende
e no mundo, em conclusão,
todos sonham o que são,
no entanto ninguém entende.
Eu sonho que estou aqui
de correntes carregado
e sonhei que em outro estado
mais lisonjeiro me vi.
Que é a vida? Um frenesi.
Que é a vida? Uma ilusão,
uma sombra, uma ficção;
o maior bem é tristonho,
porque toda a vida é sonho
e os sonhos, sonhos são.



Pedro Calderón de La Barca (1600-1681)


Tradução de Renata Pallotini
Editora Scritta, Rio de Janeiro, 1992

sexta-feira, 17 de julho de 2009

H2O



a cápsula fechada
na garrafa de vidro e água
no gargalo hidrogénio agitado
de catálise
gasoso e aéreo
sem ligação dupla de oxigénio.