domingo, 26 de abril de 2009

Conhecer Clarice







Clarice por Clarice

Pedro Karp Vasquez

Ao mesmo tempo que ousava desvelar as profundezas de sua alma em seus escritos, Clarice Lispector costumava evitar declarações excessivamente íntimas nas entrevistas que concedia, tendo afirmado mais de uma vez que jamais escreveria uma autobiografia. Contudo, nas crônicas que publicou no Jornal do Brasil entre 1967 e 1973, deixou escapar de tempos em tempos confissões que, devidamente pinçadas, permitem compor um auto-retrato bastante acurado, ainda que parcial. Isto porque Clarice por inteiro só os verdadeiramente íntimos conheceram e, ainda assim, com detalhes ciosamente protegidos por zonas de sombra. A verdade é que a escritora, que reconhecia com espanto ser um mistério para si mesma, continuará sendo um mistério para seus admiradores, ainda que os textos confessionais aqui coligidos possibilitem reveladores vislumbres de sua densa personalidade.

A descoberta do amor
“[...] Quando criança, e depois adolescente, fui precoce em muitas coisas. Em sentir um ambiente, por exemplo, em apreender a atmosfera íntima de uma pessoa. Por outro lado, longe de precoce, estava em incrível atraso em relação a outras coisas importantes. Continuo, aliás, atrasada em muitos terrenos. Nada posso fazer: parece que há em mim um lado infantil que não cresce jamais.
Até mais que treze anos, por exemplo, eu estava em atraso quanto ao que os americanos chamam de fatos da vida. Essa expressão se refere à relação profunda de amor entre um homem e uma mulher, da qual nascem os filhos. [...] Depois, com o decorrer de mais tempo, em vez de me sentir escandalizada pelo modo como uma mulher e um homem se unem, passei a achar esse modo de uma grande perfeição. E também de grande delicadeza. Já então eu me transformara numa mocinha alta, pensativa, rebelde, tudo misturado a bastante selvageria e muita timidez.
Antes de me reconciliar com o processo da vida, no entanto, sofri muito, o que poderia ter sido evitado se um adulto responsável se tivesse encarregado de me contar como era o amor. [...] Porque o mais surpreendente é que, mesmo depois de saber de tudo, o mistério continuou intacto. Embora eu saiba que de uma planta brota uma flor, continuo surpreendida com os caminhos secretos da natureza. E se continuo até hoje com pudor não é porque ache vergonhoso, é por pudor apenas feminino.
Pois juro que a vida é bonita.”

Temperamento impulsivo
“Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever? Acho que assim: vem-me uma idéia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente. O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade.
Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. [...] Deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta? E também tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura. Vou pensar no assunto. E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso. Não sou madura bastante ainda. Ou nunca serei.”

Lúcida em excesso
“Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: é uma lucidez vazia, como explicar? assim como um cálculo matemático perfeito do qual, no entanto, não se precise. Estou por assim dizer vendo claramente o vazio. E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior do que eu mesma, e não me alcanço. Além do quê: que faço dessa lucidez? Sei também que esta minha lucidez pode-se tornar o inferno humano — já me aconteceu antes. Pois sei que — em termos de nossa diária e permanente acomodação resignada à irrealidade — essa clareza de realidade é um risco. Apagai, pois, minha flama, Deus, porque ela não me serve para viver os dias. Ajudai-me a de novo consistir dos modos possíveis. Eu consisto, eu consisto, amém.”.

Ideal de vida
“Um nome para o que eu sou, importa muito pouco. Importa o que eu gostaria de ser.
O que eu gostaria de ser era uma lutadora. Quero dizer, uma pessoa que luta pelo bem dos outros. Isso desde pequena eu quis. Por que foi o destino me levando a escrever o que já escrevi, em vez de também desenvolver em mim a qualidade de lutadora que eu tinha? Em pequena, minha família por brincadeira chamava-me de ‘a protetora dos animais’. Porque bastava acusarem uma pessoa para eu imediatamente defendê-la.
[...] No entanto, o que terminei sendo, e tão cedo? Terminei sendo uma pessoa que procura o que profundamente se sente e usa a palavra que o exprima.
É pouco, é muito pouco.”

Escritora, sim; intelectual, não

“Outra coisa que não parece ser entendida pelos outros é quando me chamam de intelectual e eu digo que não sou. De novo, não se trata de modéstia e sim de uma realidade que nem de longe me fere. Ser intelectual é usar sobretudo a inteligência, o que eu não faço: uso é a intuição, o instinto. Ser intelectual é também ter cultura, e eu sou tão má leitora que agora já sem pudor, digo que não tenho mesmo cultura. Nem sequer li as obras importantes da humanidade.
[...] Literata também não sou porque não tornei o fato de escrever livros ‘uma profissão’, nem uma ‘carreira’. Escrevi-os só quando espontaneamente me vieram, e só quando eu realmente quis. Sou uma amadora?
O que sou então? Sou uma pessoa que tem um coração que por vezes percebe, sou uma pessoa que pretendeu pôr em palavras um mundo ininteligível e um mundo impalpável. Sobretudo uma pessoa cujo coração bate de alegria levíssima quando consegue em uma frase dizer alguma coisa sobre a vida humana ou animal.”

A síntese perfeita
“Sou tão misteriosa que não me entendo.”

A certeza do divino
“Através de meus graves erros — que um dia eu talvez os possa mencionar sem me vangloriar deles — é que cheguei a poder amar. Até esta glorificação: eu amo o Nada. A consciência de minha permanente queda me leva ao amor do Nada. E desta queda é que começo a fazer minha vida. Com pedras ruins levanto o horror, e com horror eu amo. Não sei o que fazer de mim, já nascida, senão isto: Tu, Deus, que eu amo como quem cai no nada.”

Viver e escrever
“Quando comecei a escrever, que desejava eu atingir? Queria escrever alguma coisa que fosse tranqüila e sem modas, alguma coisa como a lembrança de um alto monumento que parece mais alto porque é lembrança. Mas queria, de passagem, ter realmente tocado no monumento. Sinceramente não sei o que simbolizava para mim a palavra monumento. E terminei escrevendo coisas inteiramente diferentes.”
“Não sei mais escrever, perdi o jeito. Mas já vi muita coisa no mundo. Uma delas, e não das menos dolorosas, é ter visto bocas se abrirem para dizer ou talvez apenas balbuciar, e simplesmente não conseguirem. Então eu quereria às vezes dizer o que elas não puderam falar. Não sei mais escrever, porém o fato literário tornou-se aos poucos tão desimportante para mim que não saber escrever talvez seja exatamente o que me salvará da literatura.
O que é que se tornou importante para mim? No entanto, o que quer que seja, é através da literatura que poderá talvez se manifestar.”
“Até hoje eu por assim dizer não sabia que se pode não escrever. Gradualmente, gradualmente até que de repente a descoberta tímida: quem sabe, também eu já poderia não escrever. Como é infinitamente mais ambicioso. É quase inalcançável”.

A importância da maternidade

“Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos. O ‘amar os outros’ é tão vasto que inclui até perdão para mim mesma, com o que sobra. As três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto. Tenho que me apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida. Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca [...].”

Viver plenamente
“Eu disse a uma amiga:
— A vida sempre superexigiu de mim.
Ela disse:
— Mas lembre-se de que você também superexige da vida.
Sim.”

Um vislumbre do fim

“Uma vez eu irei. Uma vez irei sozinha, sem minha alma dessa vez. O espírito, eu o terei entregue à família e aos amigos com recomendações. Não será difícil cuidar dele, exige pouco, às vezes se alimenta com jornais mesmo. Não será difícil levá-lo ao cinema, quando se vai. Minha alma eu a deixarei, qualquer animal a abrigará: serão férias em outra paisagem, olhando através de qualquer janela dita da alma, qualquer janela de olhos de gato ou de cão. De tigre, eu preferiria. Meu corpo, esse serei obrigada a levar. Mas dir-lhe-ei antes: vem comigo, como única valise, segue-me como um cão. E irei à frente, sozinha, finalmente cega para os erros do mundo, até que talvez encontre no ar algum bólide que me rebente. Não é a violência que eu procuro, mas uma força ainda não classificada mas que nem por isso deixará de existir no mínimo silêncio que se locomove. Nesse instante há muito que o sangue já terá desaparecido. Não sei como explicar que, sem alma, sem espírito, e um corpo morto — serei ainda eu, horrivelmente esperta. Mas dois e dois são quatro e isso é o contrário de uma solução, é beco sem saída, puro problema enrodilhado em si. Para voltar de ‘dois e dois são quatro’ é preciso voltar, fingir saudade, encontrar o espírito entregue aos amigos, e dizer: como você engordou! Satisfeita até o gargalo pelos seres que mais amo. Estou morrendo meu espírito, sinto isso, sinto...”


Textos extraídos do livro Aprendendo a viver, Clarice Lispector. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2004.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Passeios surreais

Uma exposição aberta ao critério
irregular de um jardim
projecto de mecenas já finado
no património sem família
na casa de traça senhorial.

As árvores centenárias lembram
os filmes de orvalhos nas florestas
de Sherwood onde se destacava Robin
uma Lady um rei Ricardo que rugia
na alma e se escondia nas sombras
do templário.

Mas que diz isso a uma pá vermelha
de dois andares nos cabos do futurismo?
Nada diz.

Mas de que serve uma casa verde
de espelhos e cadeiras giratórias
no meio da horta biológica?
Não serve.

Mas o que faz um vestido de cetim
no abraço de cascas e folhas de chá
e um laço azul "shocking".
Nada faz.

Espantado anda o corvo e não pouco
de bico afiado nos brilhantes
nos alimentos recheados de troféus
modernos em ondas de vento no mesmo
lugar.

Pelas sete da tarde poucos os passos
na terra batida nas cores vibrantes
do não natural; até os lagos parecem
aeoroportos vagos de libélulas e patos
no espelho verde das águas.

Um par um pato um pato um par
coordenados na proporção.
Uns andam outros escondem os remos
e deslizam de quilhas impermeáveis.
Uns trocam melodias entre os saltos
vivos do olhar outros algaraviam
de pressas nos ecos duplos triplos
sem comedidos discursos embora
se entenda o falar das migalhas
e o chapinar de asas na sofrega
vontade de as apanhar:
"Quá! Quá! Quá!"...

De mãos dadas
ambos gostamos do edifício branco
das janelas amplas quando
as tardes são calmas e mornas.
Gostamos de o ver por fora
enquanto sacudimos os pós
encostamos os braços
juntamos os lábios
em Serralves.

Quanto mais sós mais juntos
esquecendo por momentos as artes
abstractas
fluindo de "naturas" nas essências
do sentir das seivas que nos transforma
num contexto imaterial por magia
nos indistintos frutos do paraíso
da Natureza da Mãe-Terra como iguais.

Vamos planar como abelhas o pólen
das flores mais doces
ter colmeia fazer mel
nos passeios surreais.

Um quadro magnífico

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Todos os dias

E tu que fazes? Fabricas fabricas?

Sim! Os operários são moléculas unidas unidas
numa extensão de átomos famintos famintos
onde argamassas de electrões gravitam gravitam.

As palavras são cascas de ovo partidas
que como ecos se repetem
as mesmas
definindo os lugares
onde se exprimem vários sentidos
na tômbola dos espaços preenchidos.


Cabriolando de cascos as montanhas Himalaias
sufocando nos ares rarefeitos os limites.
Miméticas de início nos silêncios
e de seguida
expandindo os inaudíveis sinais
à harmonia que endoidece de sinfonias
nonas.

Por vezes acham-se belas as palavras
e no momento seguinte na seguinte leitura
falsas vulgares fracas. Ainda não
literatura poema balada grito garra
no espírito absorto da febre
que arrasa
ao criar o impossível espelho
dentro de nós e nele nos vermos
transparentes límpidos nas verdades
nos sentimentos.

São sempre incompletas as palavras
e sendo assim se recomeça a miragem
sabendo que
nunca extenso é o saber
nunca perfeito o poema
nunca a escrita máxima
deslinda-se pouco o céu ignoto
o paraíso o infinito
nas sete capas protectoras
do indizível.

E o que faço?
Todos o dias fabrico fabrico
um manto de versos
de palavras invisíveis.

Dia mundial do livro


Não seria de bom tom ficar por assinalar no blogue a transição que permite a partilha de tantos milhões de palavras em tantas diferentes expressões, para tantos milhões de pessoas através dos livros. Por isso participemos e no dia de hoje, pequeno ou grande, se houver disponibilidade procure-se e compre-se um livro, um novo amigo nada exigente.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Uma história de candelabros

Amanhece
nasce o discurso ínfimo de recados
no início de um dia impuro cínico
de argumentos cobertos de neblina
não desejável não correcto
na procura da cura
posologia tão mínima que rasa
no tamanho o grão de milho
na dimensão do silo.

E tudo na mesma
sem sentido sem poema
como gota de geleia em caramelo
na borda do frasco de tampa seca.

Anoitece
desfiam-se folhas de alface rodelas de legumes
na salada fresca de água corrente
juntam-se cogumelos fatiados
a receita de um fio de azeite e gotas azedas
tudo se rebola na taça em cima da mesa.

O silêncio no ruído das notícias
como avalanche e certeza
que ao fim de tantos anos somos
somos apenas
uma história de candelabros
esguios apagados vazios.

Tudo começou na auréola de um crepúsculo.

Era tarde a praia deserta e trinta e um
nas águas tépidas de um Junho algarvio.
Contei-os antes do mergulho de pés molhados
à distância do pontão: trinta e um.

As gotas escoavam acendiam a pele luminosa.
Os cabelos eram limos confusos
na toalha amarela nos reflexos do sol.
Os dedos longos arqueados em brilhos de concha
distendiam em espaços uma chuva míuda de areias.

Trinta e um de novo no regresso mais junto
colocando a sombra o arrepio o pressentimento
paralelo entre o meu e o teu corpo.

Nesse fim de tarde nessa noite cada um seguiu
o seu caminho.

Na manhã seguinte uma mesa ao lado no hotel
a toalha branca a meia-de-leite o croissant
sumo de manga uma torrada e a geleia.
Foi o doce o argumento no presente
no guindaste leve do meu braço.
Usaste o charme como fala do destino
uniu palavras ideias nas areias afundadas
quando a espuma deixa o seu falar liso
e se afasta num jogo subtil que nem sempre
se entende qual o caminho: se nos falta
o areal ou se escorregam mais e mais
as ondas de caracóis nos embalos do mar.

Foi a tarde mais longa na volta das dunas
no disfarce nas cortinas dos arbustos.
Guardo imagens precisas não difusas
do puzzle descomposto de peças tuas.

Era um fruto de cidade tu mais aldeã:
" Gosto das maias que afastam os demónios
nas fechaduras, não gostas?"
Nem sequer conhecia e como esta outras
histórias. Deslumbraste as rotinas
de cafés negros jornais livros
nos fumos das nicotinas.

Naquele verão no intervalo das férias
disseram meus pais: "Vem!" eu nada sabia
passei a noite no comboio de mão dada
em misturas de saliva com uma menina algarvia.
Adormeci no seu ombro "pouca-terra...pouca-terra"
era já de madrugada. Acordei e disse adeus
na estação de Tavira.

De seguida trinta e um consequência
a praia o pontão o hotel o crepúsculo
da primeira vez.

Um fim-de-semana e foi preciso um mês
no juntar novo de brisas dos candelabros
de velas imóveis e mais cinco anos de chamas
sem derreterem as ceras fortes únicas
até aos dias de consumos vastos
só saciados no desacato das cinzas.

Anoitece
agora passaram mais cinquenta
e se por vezes falas ao meu ouvido
apenas escuto as memórias e o som
ininterrupto do silêncio
na distância de dois candelabros
entre a salada e a indiferença
sem sementes de futuros de existência
sem os fetos e as heras esquecidas
na circunstância de não sermos mais
e ser apenas dois candelabros vazios.

Dia da Terra


foto Bullit Marquez/AP




O dia da Terra passa quase despercebido em Portugal. Criado em 1970, pelo senador norte-americano Gaylord Neson, manifesta-se essencialmente nas escolas do país.

O que começou, em 1970, como um protesto nacional contra a poluição, é assinalado à escala mundial, com iniciativas centradas na preservação do Planeta e na importância da reciclagem.

Por todo o país decorrem actividades que comemoram o Dia da Terra, assinalado mundialmente, a partir de 1990, no dia 22 de Abril.

No Porto o projecto "Together Green", vai oferecer flores na Rua S. Francisco Xavier. Se um dos 78 estudantes de “t-shirt” verde mobilizados para a campanha lhe oferecer flores não estranhe, não é "Impulse", é o Dia da Terra.

(Copiei de um site a imagem e o texto) Não temos outra.A Terra é a nossa casa há que cuidar dela: "R" e "R" e "R" - Reduzir, reciclar reutilizar! Esta é casa maior que existe logo os problemas são muitos, mas as gotas todas juntas fazem um mar, com a contribuição de uns poucos podemos começar pela nascente e com muitos seguir o rio!
Sejamos atentos!

O futebol dos filósofos

Se Arquimedes ainda jogasse futebol diria: "Eureka"!


Um pequeno momento de humor genial!

Pergunta ao mocho se sabe ou não

Moinhos de vento perseguia
velas gastas dedos vazios
alguém me chamava
eu não ouvia!

A roda rodava
moía moía
branca farinha
tornava macia.

As vozes lá fora
e eu não sabia!

Um vulcão um dia
do ventre da terra
subia subia
lançava lava
brechas abria.

Portas janelas
rodas farinha
num mar de raiva
tudo sumia!

Quanndo assustado
do lume das pedras
nos arvoredos
já me escondia
indaguei ao vento
o que acontecia?

"Eu só sopro e ribombo
em voz de trovão
das tempestades
não sei a razão!
Pergunta ao mocho
se sabe ou não!"

Vi alto o mocho
parado ficou não se mexia
olhos redondos fechava e abria.

Eu acordado já não tremia
do negro sonho já emergia.

Olhos abertos via caminhos
na quietude sabedoria!

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Vladimir

Tenta beijar a mão
fugitiva lesta:
gesto de enfado
a resposta é não.

Procura o cotovelo
menos sorte
no desvio na saída
acerta-lhe de raspão.

"Quem espera sempre alcança"
vai ao ombro
no toque leve
ingénua decisão.

Indiferença nem se vira
gélida fria
arrogante declina
desafina o coração.


Escrevi este pequeno poema depois de ler um livro pequeno ou antes um conto grande
de Turguéniev chamado "Primeiro Amor" em que Vladimir é um jovem personagem.

domingo, 19 de abril de 2009

The poetess (1940)

MIGRAÇÔES

As transformações por que a alma passa
são análogas às daquela árvore que tenho no quintal. Já a vi despida,
ébria, numa ânsia de líquidos
e nuvens. Depois, vi-a
resplandecente de folhas, pesada,
impondo-me o respeito dos seus frutos - como
se eles não estivessem ali para que eu os colhesse antes que
apodreçam, caídos no chão, ou os pássaros os comam! E
pergunto-me: que relação existe entre
essa árvore nua de Inverno, e a árvore sob o verde manto
do verão? Serão os mesmos ramos os que se estendem na sua despida
fragilidade, como se nada os prendesse no ar, e os que ostentam
a jóia de flores e rebentos, com o seu ar primaveril?

Ao cortá-los, para que não tapem o sol às plantas que têm de
nascer à sua volta, penso nesta comparação
entre a árvore e a alma; e em como, nas coisas da natureza, não se liga
a sentimentos, deitando fora o que é inútil para que o novo possa ter
o seu lugar. Mas uma alma não se
deixa podar, como a árvore. O seu crescimento faz-se sobre si mesma; não crescem
sobre outras flores e frutos, juntando-se nessa mistura que
obriga o homem a decidir, a ter de esquecer partes da sua vida,
mesmo que saiba que a alma guarda tudo, e que um dia tudo voltará
ao de cima.

Nuno Júdice "Cartografia de emoções"

sábado, 18 de abril de 2009

The Raven

Solidário com a escolha da Sara encontrei esta dupla versão com as palavras originais
em Inglês e a tradução de Fernando Pessoa e resolvi publicar.


meu povo lindo, ando a descobrir este senhor e partilho-o convosco. a traduçao é do nosso Pessoa.

nao sei o que se passa com a formatação, que alguns versos aparecem cortados... quem perceber disso por favor componha o poema, que eu não sei.


      O CORVO
      *

      (de Edgar Allan Poe)

    Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
    Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
    E já quase adormecia, ouvi o que parecia
    O som de algúem que batia levemente a meus umbrais.
    "Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.

    É só isto, e nada mais."

    Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
    E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
    Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
    P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
    Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,

    Mas sem nome aqui jamais!

    Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
    Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
    Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
    "É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
    Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.

    É só isto, e nada mais".

    E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
    "Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;
    Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
    Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
    Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.

    Noite, noite e nada mais.

    A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
    Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
    Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
    E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
    Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.

    Isso só e nada mais.

    Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
    Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
    "Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
    Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais."
    Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.

    "É o vento, e nada mais."

    Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
    Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
    Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
    Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
    Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,

    Foi, pousou, e nada mais.

    E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
    Com o solene decoro de seus ares rituais.
    "Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
    Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
    Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."

    Disse o corvo, "Nunca mais".

    Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
    Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
    Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
    Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais,
    Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,

    Com o nome "Nunca mais".

    Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
    Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
    Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
    Perdido, murmurei lento, "Amigo, sonhos - mortais
    Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais".

    Disse o corvo, "Nunca mais".

    A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
    "Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais,
    Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
    Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
    E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais

    Era este "Nunca mais".

    Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
    Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
    E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
    Que qu'ria esta ave agoureia dos maus tempos ancestrais,
    Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,

    Com aquele "Nunca mais".

    Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
    À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
    Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
    No veludo onde a luz punha vagas sobras desiguais,
    Naquele veludo onde ela, entre as sobras desiguais,

    Reclinar-se-á nunca mais!

    Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
    Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
    "Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
    O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
    O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"

    Disse o corvo, "Nunca mais".

    "Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
    Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
    A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
    A esta casa de ância e medo, dize a esta alma a quem atrais
    Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!

    Disse o corvo, "Nunca mais".

    "Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
    Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
    Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
    Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
    Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"

    Disse o corvo, "Nunca mais".

    "Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!
    Torna á noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
    Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
    Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
    Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"

    Disse o corvo, "Nunca mais".

    E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
    No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
    Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
    E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,

    Libertar-se-á... nunca mais!