O novo, manto de inquietação, sob a forma dorme.
É no espaço abstracção, redondo e indiscreto
Cede a mente ao medo ameno de conforto ensonado
Hera doce do passado, presa à casa, já não voa
Mentira em forma de estrela, ilumina encadeante
A verdade e a fé, cegas voam bem distante
Névoa gasta a saudade, pé ante pé rói a cor
Árvore grande, só raiz, terminal parte da dor
Azul breu cor de infinito, nova hora, novo Deus.
Manto em pó de som desdito, carne morna marmoreia
Procura seta certeira, miocárdio ou cinzenta linha
Onde corre o racional, ténue dor nova e sozinha
Corre solta em espiral, catavento de doçura
Onde se aprende a ternura.
sábado, 24 de março de 2012
when faces called flowers float out of the ground

Birmingham Royal Ballet
when faces called flowers float out of the ground
and breathing is wishing and wishing is having-
but keeping is downward and doubting and never
-it's april (yes,april;my darling)it's spring!
yes the pretty birds frolic as spry as can fly
yes the little fish gambol as glad as can be
yes the little fish gambol as glad as can be
(yes the mountains are dancing together)
when every leaf opens without any sound
and wishing is having and having is giving-
but keeping is doting and nothing and nonsense
-alive;we're alive,dear:it's(kiss me now)spring!
now the pretty birds hover so she and so he
now the little fish quiver so you and so i
(now the mountains are dancing, the mountains)
when more than was lost has been found has been found
and having is giving and giving is living-
but keeping is darkness and winter and cringing
-it's spring(all our night becomes day)o,it's spring!
all the pretty birds dive to the heart of the sky
all the little fish climb through the mind of the sea
(all the mountains are dancing;are dancing)
e.e. cummings
sexta-feira, 23 de março de 2012
Soneto IV - um poema de Pablo Neruda

Waterhouse
Recordarás aquella quebrada caprichosa
a donde los aromas palpitantes treparon,
de cuando en cuando un pájaro vestido
con agua y lentitud: traje de invierno.
Recordarás los dones de la tierra:
irascible fragancia, barro de oro,
hierbas del matorral, locas raíces,
sortílegas espinas como espadas.
Recordarás el ramo que trajiste,
ramo de sombra y agua con silencio,
ramo como una piedra con espuma.
Y aquella vez fue como nunca y siempre:
vamos allí donde no espera nada
y hallamos todo lo que está esperando.
Pablo Neruda 1959
quinta-feira, 22 de março de 2012
Infinito
Entra docemente o caos disfarçado de gente e de palavras
É estranho no sentir, no corpo e no ser
Uma implosão entranhada de identidade desconhecida
Memórias sentadas inquietas face à tela em branco
Um filme que se cria em rotação de inspirações e choro.
O corpo é pó revolto em sangue e ventre
Um embalo quente de solidão com braços ternos
A voz de dentro estranha a si própria
Cor de mar e de nuvens misturada em imensidão de sonhos
O som das trevas cansadas e das madrugadas despertas
O colo quente do amor em voos de braços descobertos
Árvores grandes, gigantes que nos seguram nos ramos
Beijos em palavras, poemas de olhares silenciosos
O amor é uma metamorfose, lenta e densa, cor de tanto
Ar que se é, brisa que desassossega a inércia do ser
Em tempos misturados com espaços num só, a dor do infinito.
A cor do infinito traz paz em cestas grandes, gigantes.
É estranho no sentir, no corpo e no ser
Uma implosão entranhada de identidade desconhecida
Memórias sentadas inquietas face à tela em branco
Um filme que se cria em rotação de inspirações e choro.
O corpo é pó revolto em sangue e ventre
Um embalo quente de solidão com braços ternos
A voz de dentro estranha a si própria
Cor de mar e de nuvens misturada em imensidão de sonhos
O som das trevas cansadas e das madrugadas despertas
O colo quente do amor em voos de braços descobertos
Árvores grandes, gigantes que nos seguram nos ramos
Beijos em palavras, poemas de olhares silenciosos
O amor é uma metamorfose, lenta e densa, cor de tanto
Ar que se é, brisa que desassossega a inércia do ser
Em tempos misturados com espaços num só, a dor do infinito.
A cor do infinito traz paz em cestas grandes, gigantes.
quarta-feira, 21 de março de 2012
ser poeta
.
que nada mais sonhara -
nenhum outro horizonte
nenhuma outra meta -
só o ser, por inteira
e ao menos uma vez no ano,
nada menos que poeta
.
que nada mais sonhara -
nenhum outro horizonte
nenhuma outra meta -
só o ser, por inteira
e ao menos uma vez no ano,
nada menos que poeta
.
raquel patriarca | vinteeum.março.doismiledoze
.
poesia e metafísica

Marc Chagall "The painter to the moon" 1917
não sei como pôr um coração no meio de uma poesia
de forma a segurá-lo, transparente, para que não tape as letras
e deixe nascer de dentro delas
um quadro que seja aquilo que cada um quiser
de dentro da sua cabeça
como um sonho, um rosto ou um lugar
que se deseja –
josé ferreira 21 Março 2012
ouvir a natureza é uma forma interessante de começar o dia

Arthur Buckland " Spring "
estou assim de um modo de me querer misturar com as árvores
sentir-lhes a seiva, subir o verde das folhas
e descer por sobre as flores protegidas –
estou assim de um modo de me perder na natureza, no pólen
levado numa onda de pó, amarela, pelos braços do vento
um pó pequeno que pouse sobre os sentimentos
e preencha os mais pequenos espaços dos teus cabelos –
não pretendo ser um fio visível como o dos marionetes
nem ser daquele material mais vulgar com que se cosem os homens
uma sedução opaca, sem teclas de música, demasiado feita de nós
na brusquidão dos sentidos –
apenas podemos sentir o momento se formos um duo
um síncrono agudo que não fira os ouvidos;
a perfeição é importante quando procuramos o mundo –
e depois há a natureza
que se incomoda com os nossos dias, os passos e as pedras
que nos toca com esses dedos de pólen sobre os ombros
depois de um transporte delicado de abelhas
ou um pouco mais trepidante
nas asas de girândola das borboletas
e nos diz
com uma voz de magnólia;
uma seda nos ouvidos
hoje começa
não de forma antecipada, nem porque é março
mas da forma mais interessante
hoje começa a Primavera -
josé ferreira 20 de março 2012
terça-feira, 20 de março de 2012
Hoje o céu é menos azul perdido em si mesmo
Desponta a manhã enquanto sonhamos inquietos a morte inaudita
O verbo não dito ante a escuridão do breu é um raio de luz
As palavras não cabem na solidão nem a podem nomear
A prosa não consola a agonia da ausência
Hoje não há poemas, antes rochas pétreas entretidas à espera
Há imagens surdas de som neutro que passam em filme mudo
Há pó de solidão nas estradas paradas que desdançam sem fome
Há céu a cobrir o infinito do meu mar
Um céu de nadas, de via láctea e de estrelas
A magia do azul que transforma conteúdo em forma
A tristeza num salpico salgado preso no trabalho raso
Os sapatos que sabem o caminho de cor mas não o percorrem
Só a mente hoje viaja longe num céu menos azul
O corpo sozinho já não é carne, é poeira transparente
É pó de solidão macio e terno, revolto de ausência.
Desponta a manhã enquanto sonhamos inquietos a morte inaudita
O verbo não dito ante a escuridão do breu é um raio de luz
As palavras não cabem na solidão nem a podem nomear
A prosa não consola a agonia da ausência
Hoje não há poemas, antes rochas pétreas entretidas à espera
Há imagens surdas de som neutro que passam em filme mudo
Há pó de solidão nas estradas paradas que desdançam sem fome
Há céu a cobrir o infinito do meu mar
Um céu de nadas, de via láctea e de estrelas
A magia do azul que transforma conteúdo em forma
A tristeza num salpico salgado preso no trabalho raso
Os sapatos que sabem o caminho de cor mas não o percorrem
Só a mente hoje viaja longe num céu menos azul
O corpo sozinho já não é carne, é poeira transparente
É pó de solidão macio e terno, revolto de ausência.
Princípio bom - o meu poema para o dia do pai

Comigo eram três e por fim eram cinco
quando nasci fruto de um princípio bom
um pai que ainda está de cabelos ao vento
brancos de oitenta -
Conta-me ainda da mesma forma
os passeios de andas nos riachos
as quedas do marfim à frente
nas brincadeiras de criança
uma vez...e outra...e outra
com a mesma graça -
Estende no olhar a história difícil
de uma grande guerra de dor, fome
e ameaça; a altura em que viu partir
os muitos irmãos nas terras de Álvares
e Bolívar- os anos sem casa cheia
nos destinos díspares ausências
nas margens de um Oceano -
Ele e ela dois nós cinco somos
sete gomos do mesmo fruto
princípio bom
onde há mais sumos de futuro -
Um pouco surdo de ruídos telegrafista
nos tempos onde os segredos eram achas
fogueiras bruxuleantes de uma nova Inquisição
sem liberdades feitos de estátuas
pedras de um jogo obediente:
quem ouvia calava, quem sabia assobiava
quem sofria, era ilha que gritava na DGS
era esse o estado da Nação; mãos postas
bolas relvadas no chão, um fado cansado -
Um Setembro passado ouve festa
casou-se a primeira neta.
Este Dezembro montou-se o presépio
uma bisneta de mãos estendidas
olhos fechados a boca aberta
linda...linda...tão pequenina -
(A mim só de filhos, deu-me a saudade
de uma menina)
Não sei se lhe dar este poema
estes traços de verdade
factos precisos de meu pai -
Concerteza o abraço forte
beijos de face no sorriso da testa
e dizer emocionado que ainda
somos sete. Responderá "obrigado"
e dirá ao meu presente que não era
preciso -
Não sei dos outros e tantos são
falo do meu
do princípio bom
de mim nada digo
aguardo as palavras dos meus filhos -
Março 2009
segunda-feira, 19 de março de 2012
meu pai tinha sandálias de vento - um poema de Fernando Namora

Bill Brandt
Um segredo
Meu pai tinha sandálias de vento
só agora o sei.
Tinha sandálias de vento
e isto nem sequer é uma maneira de dizer
andava por longe os olhos fugidos a expressão em
[nenhures
com as miraculosas instantaneidades que nos fazem
[estar em todos os sítios.
Andava por longe meu pai sonhando errando vadiando
mas toda a sua ausência era
o malogro de o ser
só agora o sei.
Andava por longe ou sentíamo-lo longe
vem dar no mesmo
e no entanto víamo-lo sempre
ali plantado de imobilidade absorta
no cepo de carvalho raiado de negro
a que o caruncho comera o miolo
como as lagartas esvaziam as maçãs
estranhamente quieto murcho resignado
no seu estranho vadiar
os olhos aguados numa tristeza que hoje me dói
como um apelo perdido uma coragem abortada.
Ausência era tão de mágoa urdida tão de fracasso
[tingida
ausência era
altiva e desolada altiva e triste sobretudo triste
tristeza sim tristeza solene e irremediada
só agora o sei.
Às vezes parecia-me uma águia que atravessa os ares
sulco azul
que nada distingue do azul onde foi sulcado
e por isso nem é águia nem ao menos
o que do seu voo resta para que
o sonho se faça real.
Meu pai era um homem com as nostalgias
do que nunca acontecera e isso minava-o víscera a
[víscera
como as tais lagartas esfarelam as maçãs
e então sei-o agora calçava as ágeis sandálias
miraculosamente leves soltas imaginosas
indo de acaso em acaso de astro em astro
eram de vento as suas sandálias fabulosas
levando-o aonde mais ninguém poderia chegar.
Os outros não o sabiam nem eu o sabia
só o víamos sentado no cepo velho
raiado de negro como uma estrela fossilizada
por isso tudo era para ele mais irremediável e triste
sei-o agora tarde de mais
tarde de mais é uma dor de remorso
que me consome víscera a víscera
como as tais lagartas esfarelam as maçãs.
Mas de qualquer maneira existe um segredo
de que ambos partilhamos
ciosamente avaramente indecifradamente
como os astutos conspiradores
que fazem do seu segredo
um mágico tesouro inviolado.
Um segredo simples:
o que sentiste pai
sinto-o eu agora por ambos
sinto-o por ti
sinto-o por mim.
Ainda que por ele devorados.
Fernando Namora, in 'Nome Para Uma Casa' lido aqui
Sabes,pai - um poema de Jorge Reis Sá

sabes, pai
o cachecol bege nos muros da foz
cobria as árvores com o seu pêlo, ao vento
o boné azul, marinheiro nos cabelos louros
sussurrava pequenas frases às silentes águas
o teu sorriso tão leve, enternecia o rosto
esses óculos, teu cabelo nas tardes de sol
ou o barco encalhado na areia breve
junto ao castelo onde nos passeávamos
eu tu a mãe, duas ou três falas e o meu corpo
que se chegava a vós junto à estrada
nestes muros da foz, abertos ao mar
que voava
Jorge Reis Sá
sábado, 17 de março de 2012
Sem tempo para sonhar
Doem-me estas horas de silêncio
Em que o nome encoberto das nuvens se expande por dentro
Setas errantes de nada perdidas em introspecções materializadas de sonho
Dói-me a ausência da tua forma em mim
Numa escala de quartas perfeitas tocada em câmara lenta sem perdão
Eram teus os meus dedos de sombra, poente de sentidos despertos e longínquos
Toma este intuito sonorizado de letras e enrola-o no teu ventre
Como um gato expoente de liberdade e independência caseira
Relê-me o tempo nas dobras dos segundos
Um tempo lento sem a tua cor, onde se desdobram sinos vazios e lupas
Porque pára o tempo no sem sentido?
Na nudez mista da carne desnomeada, exausta, gasta de sinapse inúteis
Uma esfera vaidosa encranizada em osso quente
A volúpia do sangue morno em banho Maria
A volta exacta dos espaços de seda dobrados sobre nós
Como a dúvida ou a certeza, presas nuas da verdade
Dói-me a mão da escrita densa e nua, só magma esculpido e terno
Dói-me o céu de tão azul nesta mariposa celeste em mutação
Tempo atrasado que arrasta verbos e colhe sonos
Hora certa para sonhar.
Em que o nome encoberto das nuvens se expande por dentro
Setas errantes de nada perdidas em introspecções materializadas de sonho
Dói-me a ausência da tua forma em mim
Numa escala de quartas perfeitas tocada em câmara lenta sem perdão
Eram teus os meus dedos de sombra, poente de sentidos despertos e longínquos
Toma este intuito sonorizado de letras e enrola-o no teu ventre
Como um gato expoente de liberdade e independência caseira
Relê-me o tempo nas dobras dos segundos
Um tempo lento sem a tua cor, onde se desdobram sinos vazios e lupas
Porque pára o tempo no sem sentido?
Na nudez mista da carne desnomeada, exausta, gasta de sinapse inúteis
Uma esfera vaidosa encranizada em osso quente
A volúpia do sangue morno em banho Maria
A volta exacta dos espaços de seda dobrados sobre nós
Como a dúvida ou a certeza, presas nuas da verdade
Dói-me a mão da escrita densa e nua, só magma esculpido e terno
Dói-me o céu de tão azul nesta mariposa celeste em mutação
Tempo atrasado que arrasta verbos e colhe sonos
Hora certa para sonhar.
sexta-feira, 16 de março de 2012
alma

é muito tarde e dói-me a alma
o dia trouxe-me uma coroa que não queria, de espinhos –
mas esta alma é forte como os ventos, dura como os diamantes
esta alma não se rende, não se rende nunca
esta alma que é minha, misturada com o sol e com a lua
é como um barco feito de artérias e sangue;
correndo, correndo sempre na linha directa do horizonte
qual funâmbulo
sem medo da queda nem de afogamento
lá longe
onde se junta mar e firmamento –
esta alma não é pura não é branca nem é suja
é uma alma que acredita
e por mais que doa a alma, há sempre caminho
os pés cansados, os dedos moídos e a corrida
e por mais que doa a alma, revela que existe
que é humana e que há vida –
josé ferreira 15 de Março 2012
quinta-feira, 15 de março de 2012
ao tocar um caminho
falei-lhe ao ouvido
de uma matéria mais quente
para se esquecer da imitação das árvores
à escala de uma estação
o olhar
cada volta que a informação dá no espaço
como um convite para dançar
fomos deixando crescer as árvores
não era urgente falar de árvores
não são urgentes as praças
não sou urgente?
ao toque os caminhos acalmam
e sentam-se nas praças
fingem dormir
nesta praça
a cair de uma estrela
onde a informação se encostou um dia
apaixonada pelos olhos de um bicho
e caminhou
sobre o fumo que une e separa

Man Ray
às vezes pergunto se a minha cabeça não é uma casa pequena e incompleta
com uma chaminé gigante, soltando fumos e fumos de uma fogueira a arder –
e para onde irá o fumo quando a fogueira apagar?
verdadeiramente não sei e pergunto, pergunto e pergunto-me
para onde irá o fumo quando a fogueira apagar?
um dia, um dia impertinente e indeterminado
pode chegar, na forma de um pássaro, assobiando a marcha imprópria
e uma tesoura de silêncio pode cortar a continuidade -
mas não é suposto o fumo parar –
estou preocupado com a origem e o fim. o fumo.
a fogueira arde intensamente
e interroga-me dos lugares que não conheço
das nuvens e do universo
da súbita afirmação e do perigo da subtracção
a perda de nitidez, o desvanecimento do fumo como corpo
sem prejudicar a fotossíntese
porque é um fumo de espírito, de agricultor;
plantas certas ou aromáticas tornadas imortais; fotografias de tempo
naquele fumo que sai e se espalha pelo ar
como uma alma reapreendida, intersubjectiva, diferente, seminal
de uma consistência renovada de outras almas que se encontram e se misturam
como alquimia, uma nova obra no meio das mãos de ventos originais
a nova forma, reinventando o tempo
uma nova aura
que se estende para sempre -
mesmo quando as outra almas se separam
sem a possibilidade de um novo olhar –
josé ferreira 14 de Março 2012
Subscrever:
Mensagens (Atom)