domingo, 24 de julho de 2011
Poésies de Schiller - Amélie
Il était le plus beau des jeunes gens, beau comme
un esprit enchanteur du Walhala. Son régard céleste
avait la douceur du soleil de mai, et l'azur du miroir
des mers.
Ses baisers...ô sensation divine! comme deux
rayons de flamme se réunissent, comme les sons
d'une harpe s'accordent dans une merveilleuse har-
monie;
De même, dans ses baisers, l'esprit courait au-
devant de l'esprit et se confondait avec lui; les lé-
vres, les joues palpitaient, brulaient, l'âme se mariait
à l'âme; la terre et le ciel disparaissaient autour des
deux amants.
Schiller "Poésies" traduites par M.X.Marmier
Paris
sábado, 23 de julho de 2011
a natureza revolucionária da felicidade
sexta-feira, 22 de julho de 2011
tábuas longas e tectos de estuque

William A. Bouguereau (1825-1905)
escrevo-te na casa grande de tectos de estuque e tábuas longas
brilha uma luz que elimina a varanda e lança raios antes amarelos agora mel
flui uma cor patine tão única tão antiga -
inútil a lareira e o tempo assume a temperatura alta
época pouco firme dando lugar ao arrepio; a suspeita o ciúme
o impenetrável espaço do círculo rodopiando rodopiando centrípeto -
nas palavras que o vento assina sopram assobios
veementes magoados como se merecidos
lembram as tempestades no pacífico -
todos os mares têm os seus dias ferozes e macios
imagino a laranja dividida o sumo perdido
os trópicos sem oposto a inutilidade do equador
o sol sem a lua o fim do crepúsculo;
seria sem graça a borboleta que de um ao outro lado
modifica o planeta -
a arte, a literatura, as cenas de um teatro são faúlhas
mas não são falsas nem corruptas
não são lâminas nem pedras de judas
reflectem almas e pensamentos nem sempre puros -
afundo-me na carícia -
José Ferreira 22 Julho 2011
quinta-feira, 21 de julho de 2011
De um lado, o amor intuitivo da carícia

Fotografia de David Dawson no estúdio de Lucian Freud (neto do inventor da psicanálise falecido ontem, 21 de Julho de 2011)
De um lado, o amor intuitivo
da carícia. Do outro,
toda esta vida cheia, esta força que transborda.
De um lado, a madrugada,
que desperta no teu ventre.
Do outro a noite que
através de nós germina
nas plantas, na voz,
na veemência das plantas,
na veemência da voz,
na ternura que contagia o erotismo
com a sua veemência, o seu peso
de gritos e de camélias distintos.
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Caminhei ao longo
de uma praia
de margens irregulares
e de pássaros lisos. Ansiava
que hoje pudesses tocar
nesta rede que palpita,
se abre e se fecha.
Poderás para sempre correr
ao longo desta areia,
debruada, como pedaços de tecido,
insustentável?
Poderás estender-te
a este sol, surpreendida
por esferas de nuvens
e de luz?
Gérard de Cortanze "O Movimento das Coisas" Campo das Letras, 2002
a vertigem dos dedos

Andreas Heumann
inclinado sobre o lado direito, pousou o rosto
nas nervuras abertas das linhas de uma só mão.
adormeceu sem receio dos ciprestes.
o lado esquerdo, liberto, bateu, uma e duas vezes
pulsante, movimentando a velocidade vermelha do sangue
e sonhou como sempre -
era água, era noite, era a forma líquida do sonho, um mar gigante -
vieram ventos ciclónicos e ergueram as gotas criando estátuas no ar
reunindo o concílio branco das espumas, assustadas, no centro do mar -
e vieram os tornados, plenipotentes, cones uivantes
sugando da base ao vértice, as nuvens indefesas do céu -
e ouviu-se a voz mais forte dos deuses, no escurecer dos relâmpagos
escondendo os golfinhos nas grutas mais profundas, junto ao lavagantes
perante a dilatação medonha dos tímpanos, as descargas de luz
e as chuvas que flagelavam -
de repente o silêncio, era ainda a noite, e abriu os olhos claros -
as ondas repetiam marcas na praia e o sal brilhava em reflexos de amianto
os dedos estavam macios, o rosto estava morno, não tinha vincos
era fluido como um barco, e do outro lado
outros dedos
subindo e descendo as margens
na vertigem emaranhada dos cabelos -
José Ferreira 20 Julho 2011
quarta-feira, 20 de julho de 2011
só uma onda que ri
só uma onda aos ritmos
podia ser água
e a certeza com que se espalha,
o resto
(palavras em poços
que reflectem
circunferências na superfície)
tende a magoar
quando rodas sobre ti
a velocidade não serve de nada
o vento é só teu
os extremos a tua curvatura
e o sopro do poço vem devagar
deixar duas dimensões à solta de não saber
não deslizar pelas lâminas circulares
entre uma e outra ir saltando
sem violino
ao ritmo de ecos
se o cérebro é maior que o mundo
que o segundo não caiba no primeiro
não se cria energia quando tremo
pela rotação de uma palavra
rir contigo
nos teus modos de ondulação
montar um touro azul e entrar pelo poço ao vento
que não se afaste assim a matéria com medo do escuro
(às vezes despeço-me dos bichos
com um dedo que não é mão)
quero dar um beijo a um átomo
sei que se amam quando se rodeiam
deitar-me com um planeta
contra todos os contractos
que me trouxeram a esta escala sem lugar
também tenho medo do escuro
por mim seguia na água
até ao lugar comum
esse espaço inocente
que se abre entre as sobrancelhas dos bichos
onde se come a energia exacta para comer
a boca não sabe a época
mas ouvimos o fundo dos poços
há uma exacta inclinação das variáveis
para lhes espreitar
e ela ri-se com
a rotação de todos os polegares
na inclinação exacta de nos amar
hoje não tenho versos
e não acho particularmente graça a isso de achar que "O poeta é um fingidor",
não faço dessas palavras as minhas.
Pelos tempos que correm,
não sei como se esquecem os políticos de Platão.
Ele que no Político diz:
"Se as artes chegassem a desaparecer, tornar-se-ia absolutamente impossível viver a existência, já tão penosa agora.".
Le regard
Le regard
des âges a tous
les yeux du
soleil...
Le soleil
a tous les
regards des
âges...
Tous les
âges ont tout
le soleil des
yeux...
L'âge du
soleil est
eu tous les
yeux...
Henry Chopin 1984-1986 (lido na exposição da Biblioteca de Serralves)
terça-feira, 19 de julho de 2011
palavras sem muros

Lucian Freud 1950
A flor e a abelha
o voo nocturno, a lua certa e serena
pelo canto sibilado de Atena;
mel de segredos, verdadeiro e clandestino -
um jardim de Sophia, um pequeno lago
as flores animadas, a tulipa, a flor de Lys
o aroma inebriante das pétalas seguras
pelas pálpebras da noite, irisadas
de rosas ondulantes, mármores de sul;
horizontes insepultos
lábios despertos, palavras sem muros -
José ferreira 18 Julho 2011
segunda-feira, 18 de julho de 2011
Poema - Maria Teresa Horta

Malevitch
Deixo que venha
se aproxime ao de leve
pé ante pé até ao meu ouvido
Enquanto no peito o coração
estremece
e se apressa no coração enfebrecido
Primeiro a floresta em seguida
o bosque
mais do que neve no tecido
Do poema que cresce e o papel absorve
verso a verso primeiro
em cada desabrigo
Toca então a torpeza e agacha-se
sagaz
um lobo faminto e recolhido
Ele trepa de manso e logo tão voraz
que da luz é noz
e depois ruído
Toma ágil o caminho
e em seguida o atalho
corre em alcateia ou fugindo sozinho
Na calada da noite desloca-se e traz
consigo o luar
com vestido de arminho
Sinto-o quando chega no arrepio
da pele, na vertigem selada
do pulso recolhido
À medida que escrevo
e o entorno no sonho
o dispo sem pressa e o deito comigo
Maria Teresa Horta "Poemas Leya" 2009
domingo, 17 de julho de 2011
a carta, um conto ou as palavras lançadas ao mar

imagem retirada da internet
não conseguiu caminhar na areia mas foi ver o mar.
na mesa branca pousaram o café quente e negro
ao qual disse: obrigado.
no imediato a chávena de asa de porcelana
inclinou-se por sobre os lábios e tornou-se branca,
na totalidade, como a mesa, a cadeira
e uma gaivota que passava planando em direcção à onda,
desafiando a gravidade.
jazia esquecido o romance de um escritor conhecido,
ressonava no sono pesado; não teve coragem
tornou-se silencioso, e lentamente colocou-o no canto da mesa
que era branca como a cadeira, a gaivota
e uma folha que entretanto colocara ao centro,
vazia e alinhada.
deixou fluir as palavras pelo meio dos dedos
em transe, como quem recebe uma descarga;
os olhos muito abertos e dinamite no tronco
lançando faíscas, imperceptíveis na generalidade
de todos os outros que cruzavam os braços
escutavam as frases, decifravam as vagas
ou liam apenas notícias dos jornais.
a folha perdeu o anonimato e aqui e ali
sofreu a mancha de um traço,
por fim tornou-se pesada e completa;
o alívio de não mais ser branca
como a mesa, a cadeira, a gaivota
e as espumas fragmentadas que subiam acima das rochas.
colocou-a cuidadosamente à frente dos lábios
e perante o espanto de alguns que observavam,
soprou com força as palavras
para que o mar as levasse, mesmo assim
impermeáveis e sem garrafa.
dobrou a folha densa em quatro e com muito cuidado
sem acordar o livro que ressonava de forma estranha
levantando aqui e ali a capa, duas ou três páginas
colocou-a de uma só vez, junto ao prefácio.
um euro e vinte, disse o empregado;
bom dia, muito obrigado.
de livro aconchegado na almofada do braço,
oitocentas páginas,
subiu as escadas e desapareceu com a carta,
em direcção à cidade -
as mesmas palavras erguiam as velas como naus
e seguiam marítimas os caminhos do mar -
José Ferreira 17 Julho 2011
sábado, 16 de julho de 2011
um poema de Cesariny
sexta-feira, 15 de julho de 2011
diálogo à lua

um sentimento vago e flutuante, dizes,
conhecido como os lavagantes
que andam no fundo do mar;
e no entanto, não o vejo assim -
começou persistente nos acordes de uma melodia longínqua,
impermeável à neblina das manhãs cinzas.
não o vejo assim -
na longitude dos dias,
como no corte largo e duro da cortiça, mostra-se a essência clara,
o diáfano da árvore, o fruto do sangue que cresce da terra,
película a película, pelos caminhos finos das raízes -
e o sentimento habita a guarida do espírito,
tecido autêntico de prata, ouro e platina,
e predomina, na moldura que enclausura
por sobre as águas lancinantes,
o início,
a noite e a luz branca,
impregnada de altitude -
José Ferreira 15 de Julho de 2011
quarta-feira, 13 de julho de 2011
Nós todos e cada um de nós

Nota: o texto que se apresenta de José de Almada Negreiros reproduz-se na íntegra como foi publicado em Lisboa no ano de 1924
- Sabem quantas pessoas tem havido desde o principio do mundo até hoje?
- Duas. Desde o principio do mundo até hoje não houve mais do que duas pessoas: uma chama-se humanidade e a outra individuo. Um a é toda a gente e a outra é uma pessoa só.
Um dia perguntaram a Democrito como tinha chegado a saber tantas coisas.
Respondeu: Perguntei tudo a toda a gente.
Bastantes seculos mais tarde Goethe confessou por sua propria bocca que "se lhe tirassem tudo quanto pertencia aos outros, ficava com muito pouco ou nada".
Por aqui se vê que cada um é o resultado de toda a gente; o que de maneira nenhuma quererá dizer que seja o bastante ter cada qual conhecido toda a gente para que resulte immediatamente um Democrito ou um Goethe! Precisamente o difficil não é chegar aos Grandes, mas a si proprio!...Ser o proprio é uma arte onde existe toda a gente e em que raros assignaram a obra-prima.
O que está fora de duvida é que cada um deve ser como toda a gente, mas de maneira que a humanidade tenha effectivamente um bello representante em cada um de Nós.
"Pierrot e Arlequim", personagens de Theatro. Ensaios e dialogo seguidos de commentarios por José ALMADA NEGREIROS com um autoretrato dois figurinos um desenho allusivo e o motivo de capa
Portugalia Editora 78, rua do Carmo, 75 Lisbôa Nov. XXIV
XLVVIII

De um filme de Godard
Dois amantes felizes fazem um só pão,
uma só gota de lua sob a erva,
deixam andando duas sombras que se juntam,
deixam um único sol vazio numa cama.
De todas as verdades escolheram o dia:
não se ataram com fios, mas com um aroma,
e não despedaçaram a paz nem as palavras.
A alegria é uma torre transparente.
O ar, o vinho, vão com os dois amantes,
a noite dá-lhe as suas pétalas felizes,
têm direito aos cravos que apareçam.
Dois amantes felizes não têm fim nem morte,
nascem e morrem tanta vez enquanto vivem,
são eternos como é a natureza.
Pablo Neruda " Antologia Breve" Dom Quixote 1977