sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Tempo


Fotografia retirada da internet

Tracei a linha por onde caminhara
E no fim o abismo –
Apaguei a luz e acendi estrelas,
Sentei-me a pintá-las no vazio –
Ilusório balão de oxigénio –
Então o horizonte era um intenso frio.

O tempo não é como a primavera. Faz a sua viagem
Sem retorno, e eu vou com ele, ainda que não queira.
Vou de mão dada contra o medo –

Move-se o fantasma viajante diante do abismo.
Acordo nesse instante em vigoroso tiquetaque
E acendo a luz do quarto. Não há ninguém por perto.

– A morte é uma ilha no deserto que terei de descobrir
Sozinho e a seu tempo –

2010.10.27
José Almeida da Silva

Ejaculatio Praecox (antecipando 2011)




Acaba-se de beber o ano que morre, em agonia decrescente, e começa-se imediatamente a beber aquele que nasce do seu extremo altruísmo mortal: a dádiva do seu nada ao próximo e ao porvir. Talvez haja, agora que 2010 se presta para o fim, como nos momentos em que a morte prefigura plena e minimizada na máxima conveniência dos casais combativos, um instante em que todo o templo da ortodoxia trema e se iluda no seu intervalo aberto e diferido, em que não haja a consciência aterradora do tempo, senão como eixo da contracção, arquipélago de instantes altamente instáveis e furtivos, para quem as máquinas persecutórias do tempo valem menos que uma mão sem indicador ou polegar.
Talvez se finjam núpcias e exemplos, uma esmagadora infecção na maioria do tempo, que, de repente, se torna alheio ao costume e à utilidade. Talvez tudo respeite o aspecto do ciclo e a determinação das épocas tributáveis e malsãs, a longa lenga-lenga das ruas expostas da cidade ao desmazelo e ao ludíbrio, com a sua invariância de vernáculo e a sua longevidade de animal de pulsação lenta e hábitos inusuais.
Somos feitos de grandes deglutições de tempo, parâmetros insubornáveis, coisas coerentes com a sua excelente extinção e falta de coragem para mais, e da decomposição lenta de tantos mundos cronometráveis e dedicados, oportunidades demitidas, fórmulas e vícios e âmbar, vimos agradecer a não sei quê ou a não sei quem os dados, responder à última carta da possibilidade à vida, sonâmbula, que agora, mais do que nunca, se julga merecedora de um novo coração.
2011 não será um dador de excepção. Pelo contrário, cumprirá com o protocolo temporal até ao seu último dia e doará também a sua mobília calculável a 2012, que é um ano, que apesar de tudo é anagramático, e eu sempre soube que os anagramas foram inventados por bebés para exorcizarem a passagem.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Uma mão perdura




Uma mão perdura na porta, entreabertas as águas e violado o script. Era suposto eu descer com cuidado as escadas, depois de me ter despedido de ti, apagar a luz ao fundo, bater devagar a porta à saída, e ir percorrer o caminho de volta de vez, esperando que houvesse pelo menos mais um dia parecido em tudo com aquele, mas melhor ainda, mais longo, oblíquo, coagulado e eléctrico.
Mas uma mão, esta noite, perdura demasiado na porta do teu quarto quando já te julgavas sozinha, apoiada num estranho projecto neurótico de um amante suicida, na louca acepção da maior das suas palavras e frinchas, alguém espreita agarrado à porta com a mão que perdura e entope as moléculas da madeira com mudas mas máximas intenções e extracto de ilegalidade e conquista.
Uma mão perdura. À excepção do cenário, que te recoloca num quadro da burguesia mais fantasista, onde o rococó é aparado pela elegância subterrânea dos requintes, preponderâncias agudas que irrompem entre sintomas de doenças ornamentais de cunho infiel, pequenas infecções arquitectónicas que se repetem e prolongam como símbolos da pequena monarquia do vício, verdadeiramente anti-constitucional e solene, o meu olhar concentra-se na fome do teu hábito e nas águas do teu hino, nas ondas do teu vestido principalmente, prevendo a sua inesperada utilidade severa, a ressurreição das distâncias impingidas até aqui.
Eis senão quando uma mão morre na porta, ou então atravessa-a sem dar por isso.
A porta desfere contra a parede o resto da sua idolatria.
Eu avanço para ti.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

há coisa de meia hora


Pierre Renoir 1880


sentei-me aqui há coisa de meia hora
porque pararam os ponteiros na cabeça
como uma corda mal enrolada, a tropeçar
a tornar lentos de tão lentos os segundos
há coisa de meia hora, digo, mais ou menos

de olhos fixos no espelho de prata
cor de prata acima do olhar, reflectindo
riscas , linhas paralelas de uma cortina
e outras linhas da janela, e vidros
vidros inteiros, também eles reflexivos.

as mãos rodam nas rótulas e depois param.
dói-me a cabeça.
as mãos rodam à volta do peito e depois param.
dói-me a cabeça.
as mãos rodam à volta das têmporas e depois param.
dói-me a cabeça.
depois pára o tempo, os ponteiros, o relógio, a cabeça
e permaneço imóvel com os braços cruzados sobre os pesadelos.
há mais de meia hora.
dói-me a cabeça.

subitamente, enviado de um pôr-de-sol laranja
um raio mais forte toca a superfície do espelho e obriga a fechar os olhos.
há algumas tremuras como massagens invisíveis nas arduras da nuca
e ao mesmo tempo um sono de dor, suave e lento, um sossego

e adormeço sem ruído, o rumor avariado da cabeça -

domingo, 26 de dezembro de 2010

Presépio


Jesús de Perceval "A carícia" 1940


Tu nascias todos os anos
Nas palhinhas das bolas de sabão,
Que eu cortava à "garçonne"
Como as franjas do meu cabelo.
E na gruta, que o musgo prendia e
atapetava.
Se tornavam palhinhas manjedouras.
Era para mim um mistério
Que, pela Páscoa, frequentemente em
Abril
E, às vezes, até em Março,
Pudessem crucificar-te, adulto,
E expor, solenemente o teu corpo morto,
Nunca enterrado, pela ruas da
cidadezinha.
Como puderas crescer tão depressa?
E que crimes tinhas cometido?

Luísa Dacosta

(Este poema foi enviado pela Teresa Almeida Pinto a quem agradeço a partilha)

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Morte em Veneza



Que rara realeza nos possuía, no exacto momento em que atravessávamos a Piazza San Marco, indecifravelmente e a pé, na inexplicável folia de quem detém e ostenta o edema da essência na precocidade dos caminhos, numa cidade coberta de arte extraterrestre, ao fim e ao cabo fotografias de espelhos e labirintos (não necessariamente por esta ordem e ritmo, causa ou consequência), recessos onde uma fonte nos falava alto e abertamente do tempo inadquirido, como só uma ferida aberta na consciência pudesse esse perfume obter?
Entrávamos assim na História Imaterial de Veneza (HIV positivo), na proporção de fantasmas de gesso e atavios, para provar dessa inaquisição total, dessa pobreza veloz e autêntica que é ser patético, com o ar de quem está a ser, de facto, muito feliz.
“Olha, mamã, são seres do planeta Prestígio!”, pudemos ouvir entre as arcadas uma criança dizer. Mais tarde, abordou-nos um casal apaixonado que queria que lhe lêssemos o destino. Mais tarde ainda, a chuva perspicaz no modo como negociava com as transparências na face do teu sigilo, uma vez arrombado o arcanjo e violado a impostura da cosmética correlativa, exposto o teu púbis aos Verões insociáveis do meu féretro.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

feliz natal

lado a lado e em frente


Cartier Bresson


nem sempre as palavras dos versos
reflectem subtilezas e argumentos
são no entanto as nossas claridades
luta de palavras, tempestades
luminosidades abruptas
o azul e o escuro
cenas quotidianas ou de absurdo
por vezes uma queda brusca
uma descida plana a um nível mais humano
ou a subida aos céus de Júpiter e Saturno
de vez em quando um olhar gasto de inverno
e do mesmo modo um despertar de primavera
mas sempre um caminhar persuasivo e insistente
lado a lado e em frente
por espaços mais abertos, transcendentes

e podemos voar e podemos ser aves
mariposas ou teclas brancas
e ainda resguardados nos dedos dos deuses
um mar calmo, um prado verde
uma nuvem de surpresas
mas sempre sempre
lado a lado e em frente -

Elegia Nuclear

Os teus olhos são um duplo-poço onde mergulho e nado,
tal como o sol afundo-me neles, nasci antes da criação da rede,
quando os vários faxes das redacções dos jornais europeus emitiam um ´
barulho ancestral para comunicar a explosão de um reactor, o sol mergulha nos teus olhos, a terra quente aquece os teus pés, perco-me em ti,
nos teus olhos que vejo de uma perspectiva múltipla, irmã da memória e da sedução,
ver tudo ter fome de ver, virar páginas com força, o vento? O bater de uma porta? Os homens por trás dela. Atiraste os dados e saiu a vida, e atiraste os dados e saiu a Vida: Adoro-te, o mesmo pode ser dito em outros dialectos, em outras linguagens, no som dos golfinhos, no acasalamento das baleias, nos sons submarinos de um Mahler que procura uma ametista – Mahler está no céu, Papini está no céu, Bataille está no céu, seja ele bem fundo ou bem elevado, a obra perdura, não se podem apagar as riscas, a melhor forma de conservar um passado indesejado fora do alcance, é criar um passado com riscas mais claras, nada se apaga, tudo se reconstrói, cria, traça, fala por cima, e isto já foi dito – o milagre não é uma laranja ser redonda, o milagre é as laranjas já serem esféricas, um paralítico, escorre-lhe azeite negro pelos beiços volta a cair no prato ou na babete, ou nas bordas das paredes do Universo, várias cores, resta-me a sinceridade e a saliva de todo o mundo, tenho sede de uma perspectiva múltipla, beijo-te o colo, os braços, as ancas, duas línguas entrelaçadas desde o fim da Etrúria, um abraço pré-hispânico em tudo moderno e contemporâneo da tempestade, repito-me, salto de textos para outros, escrevi sempre um mesmo texto, porque escolhes sempre motivos tão obsessivos, estrela contra estrela – na auto-estrada. Os braços apertados num abraço quente, a febre siamesa dos que aquecem, os braços entrelaçados num abraço quente, tudo o que aquece e acende, é múltiplo esse aquecer, mergulho e nada no duplo-poço, tal como Milton amo tudo quanto fluí e tenho pressa muita pressa de dizer tudo, de ficar com o palato preso numa única sílaba DAP DAH DAP DAH – Atravesso-te a bruços o peito, as ancas, a nuca, lambo-te as orelhas, e apareceu o Fernando Chinês, quer comprar haxixe, o Fernando Chinês com os seus olhitos em bico: Fomos de táxi ao Aleixo e na cave escura cheia de seringas no chão sentimonos como se tivéssemos inalado a Austrália toda, uma Austrália fluída e volátil, com um espelho no seu centro a reflectir cangurus e deserto vermelho para todas as direcções, a cada aspiração parecia que fumávamos não só um continente, mas a febre de todas as siamesas, os sonhos de todos os sósias, os cangurus dentro dos pulmões de vidro, os cangurus a reescreverem a história, expirámos, sentimos todos os nervos seguros, ele lê-me as cartas, diz-me que como escritor sou repetitivo e obsessivo. Tenho muitas imagens como a câmara escura, absorvo a luz do sol para tirar uma imagem perfeita, como se de uma grande angular, o acelerador de partículas está no meu pulso esquerdo, no meu pulso direito a tempestade, conto os minutos pelo tempo que o soro demora a entrar, um litro inteiro nas veias, tempo á deriva, tempo que se inscreve em aulas de dança de salão, com muitos braços, ele dança bem, duma ponta à outra da Austrália, há um duplo túnel que se bifurca várias vezes, nesses nós encontram-se homens que consertam relógios e meninos que tocam carrilhões suíços, no metro as pessoas passam depressa, os carrilhões continuam a tocar, um ou outro anjo passa também, com os seus dentes cariados à procura de uma sensação de um todo, ajuda-os a mudar o carrilhão. Aqueço-me à escala humana, a mais perigosa e maior, deserto líquido a entrar por ti dentro: Adoro-te.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Trago o Natal no fundo do olhar


Cartier Bresson


Trago o Natal no fundo do olhar
Esse tempo em que a alegria
Era um lugar de crença seguro
E protector e os doces o calor
Da ternura que a casa oferecia.

Trago o Natal no fundo do olhar
Esse tempo a correr pela cidade
[Evocando o amor e a fraternidade
E esquecendo o frio e a dor]
– Agora, desumanidade e elegia.

Trago o Natal no fundo do olhar
Esse tempo que foi simplicidade
E em que eu acreditei num mar
De gestos que eram então realidade.
Hoje, o Natal é apenas utopia –

Promessa à espera da alegria
Aqui tão perto e no Mundo inteiro.
A Fome e a Guerra são no entanto
Ameaça séria e duradoura, um pranto.
Não há ouro que baste aos senhores!

Trago o Natal no fundo do olhar –
Natal, 2010
José Almeida da Silva

a canção de natal


Sebastião Salgado



madrugada
quando alguém bateu à porta
o ponto final no sonho.

duas gotas corriam por sobre a pele, lentas
descendo as têmporas como se sabendo
as razões escondidas.

a preto e branco uma ponte de barcos sobre um rio
dois salgueiros em várias cores de cinzentos
duas figueiras sem figos doces.

outros tempos de há muito tempo
quando os leitos mais pequenos, por volta da volta
das borboletas, molhavam as raízes ainda verdes
das videiras de bagos a crescer, cheios de sede.

era uma tarde morna junto das amoreiras
a melopeia chilreada dos pardais.

brincávamos às prendas
dois laços de ráfia, dois embrulhos de pedras de lousa negra
e depois imaginávamos
aqui te ofereço um anel de ouro
vindo dos desertos mais perigosos da Virgínia.
aqui te entrego um tecido de seda, da china mais profunda;
sete meses de viagem pelas neves brancas, pelos lugares dos pés apertados.

o ceremonial, a humildade ingénua de uma cabeça baixa e um sorriso tisnado
os pés lavados nos pós secos do largo apagando e escrevendo mensagens.

o teu vestido um pouco manchado repleto de amoras
os dedos eram não muito finos, compridos e traziam almofadas
usavas duas tranças de índia que sorriam
eu tinha o cabelo espetado e joelhos riscados
calções de alças
e de vez em quando as mãos
dividiam dez azeitonas e um pouco de pão.

lembrei o sonho e as duas gotas que não sabia como.

no natal seguinte partiste para Helsínquia -

durante o sonho, um rosto sem rosto de cabelos lisos
cantava um jingle bells em sotaque estranho

e trazia o mesmo vestido -

E U T A N Á S I A

Texto poético com base em Poema com o mesmo título:

Após prolongada enfermidade foste herói, e nós fomos sempre teus bons e abnegados amigos. Quisera a tua maléfica sorte que em Dezembro de 2008 tivesses que optar pela vida, e assim espalhando coragem e glória voltaste a ser um animal simpático, em simultâneo cordato e orgulhosamente adaptado à ausência parcial de um membro. Aceitaste e integraste com galhardia o uso do aparelho protésico, como se fosse um verdadeiro prémio pelo teu comportamento.

Ensináste-nos que também no vosso mundo a vida é feita de combate e de exemplos de luta. Mas porque a vil senectude não perdoa, na proximidade dos teus onze anos e meio foste invadido pela cobarde degenerescência artrósica que os músculos te atrofiou, esqueletizando-te as ancas e as coxas, impossibilitando-te a assumpção voluntária da postura quadrúpede de que tanto necessitavas para teus pequenos mas maviosos deleites.

Ela infernizou-te a marcha e então decidiste ter teu fim optando agora por não viver!
Olhavas os nossos olhos suplicando entreajuda em busca da nossa cumplicidade no sentido do teu caminho para um breve mas vital passeio. Não gemias, nem tinhas esgares.

Nós compreendemos o teu silêncio e fomos de encontro ao teu pedido de tranquilidade e derradeiro sossego: demos-te toda a paz que querias ter, e agora vives em nossas mentes sob enormes saudades, meu lindo rotweiller! Teu nome Dundee prevalecerá na penumbra de uma videira ao fundo do pomar, por onde tanto brincaste e fatigado repousavas sem de nós afastar teu olhar quase humano por tão afável e carente.

A vida pertenceu-te e soubeste espalhar "autoridade", mas também uma contagiante dignidade que te acompanhou até tua térrea morada, onde agora tua imagem vive envolta naquela manta branca que nos últimos dias de dôr (para nós) tanto te protegeu e em silêncio acarinhou. Sobre tua campa rasa, quero que saibas, ainda permanece um pequeno vaso florido desde o dia em que te sepultamos...

(António Pinto de Oliveira, Outubro - 2010)
- Livro " Poemas de Vidas " , a publicar em 2010/2011

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Alexandre Bloom



Alexandre Bloom é um grande coleccionador de despedidas. Começou por sentir um prazer rasante, porém incerto, perto da palavra adeus no dia 23 de Outubro de 1955, enquanto se despedia do senhor da loja de ferragens epónima – Augusto Kunh –, onde costumava entrar regularmente, apenas para pousar os cotovelos no balcão de madeira e sentir, com os dedos polegar e indicador unidos, aquilo que ele acreditava ser o idioma débil do serrim.
Nesse dia, contudo, ao despedir-se tranquilamente do senhor Augusto Kunh como de costume, Alexandre Bloom sentiu o tal formigueiro nas imediações da palavra adeus mal a proferiu, como se de dentro da palavra adeus chegassem agora aos seus ouvidos os ruídos abafados de uma festa semi-clandestina, como se as portas blindadas da palavra adeus não fossem suficientes para insonorizar o barulho ensurdecedor dessa festa, para a qual – propôs Bloom – todos os convidados deveriam atender ao dress code e levar vestido alguma peça de roupa trágica e imaterial.
Apesar de todos os esforços para entrar na festa que se prolongou durante toda a noite de 23 para 24 de Outubro de 1955 na palavra adeus, Alexandre Bloom nunca conseguiu distinguir muito bem de onde é que vinha o tal barulho e acabou por não encontrar a entrada de emergência da festa, embora tivesse ao longe ouvido os distúrbios causados pela música alta dentro do seu desejo de a possuir.
No dia seguinte, Bloom voltou à loja de ferragens de Kunh só para poder despedir-se dele (“Olá, Senhor Kuhn; adeus, Senhor Kuhn”) e, com isso, accionar a festa (para a qual nunca resgatou nenhuma possibilidade de convite), e deixou definitivamente de lado a história do serrim.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

HOMEM NO ARAME - POEMA - SYLVIA BEIRUTE

















HOMEM NO ARAME

O essencial é delinear movimentos no céu. Movimentos
tão silenciosos que não deixem traço. O mais importante é a simplicidade.
É por isso que o longo caminho para a perfeição é horizontal.
..............Philippe Petit

e ele tenta incomodar a inexistência.
o nada lá em baixo. o ninguém de tempo
solto e explicações ofídicas.
a pessoa certa está por cima das nuvens.
como se se pusesse longe.
como se escondesse o medo.
como se se escondesse do medo.
e o arame da voz nos pés. o arame da voz
é agora cada coisa, cada janela aberta para
um sono de letras que desorbita
o queixo do mundo. o queixo
na forma de uma desforma do mundo
que lê marx e leminski, conhece
antíteses terapêuticas, predomínios
estranhos no desejo de um corpo de lugares.
e ele continua connosco. philippe
petit entre as torres gémeas, incomodando
a inexistência, sorrindo sobre a saudação
do coro, escamas de palavras que o orgulham
e cegam.

Sylvia Beirute
publicado no blogue "uma casa em beirute"
.

microgramas de azul sobre o frio - um poema de natal


Fotografia retirada da internet


o oceano azul e o céu azul.
procuro olhar a definição da cor que dizem fria
a cor que não tem tempo para a boca dos humanos
os que inventaram a escrita

procuro olhar a cor máxima de infinitos
o plâncton dos mares as nuvens na planície
a cor calma e pacífica
apesar da guerra dor e fome
e como mata a fome e como corta a fome
sem privilégios de natal todos os dias

procuro olhar o azul do burburinho
as canções que ressuscitam Lennon
e a anarquia dos sentidos
os coros angelinos nas vestes brancas
as iluminadas ruas da crise
procuro olhar todos os olhos
que apesar de alegres, tristes

procuro olhar o azul, a cor preferida
o lugar magnífico da utopia

e não interessa, não interessa mesmo
se é de anjo ou de bandido
a mão que traz o pão
que tira a fome
que tira a dor
que tira o céu escuro
no segundo mais importante do alívio

ética, demagogia, democracia
uma fila ordenada de filosofias
palavras, apenas palavras para um estômago vazio
sem a estrela iluminada, sem os reis magos
migalhas mínimas, um pó de sonhos

e algumas microgramas sobre o frio
no futuro dos dias -