terça-feira, 29 de junho de 2010

O beijo e o pormenor





Beijo-te:
regressa a paralisia do sono
uma ave sem asas ao apelo
e ao agravo
e as grandes questões
fazem agora parte de uma dieta
rica em represálias
e pormenores.

E a propósito de um quarto fechado
numa determinada técnica,
numa indeterminada Era,
as pessoas praticam a apneia
da razão ao pormenor.

A asfixia é uma máscara generosa
de rescisões.

Entretanto, corre uma brisa
torcionária ao nosso redor,
um circo ambulante inflama a povoação
mais próxima dos ângulos caídos
em desuso pelo latim das línguas refractárias
as bocas abrem-se mais e melhor
pelo caminho, perdem-se alguns pormenores
não obstante uma febre aftosa de pássaros
uma primavera que procede de Hitchcock,
e as ruas desertas, de certo modo um silêncio
supersónico que as coloca nos escaparates
da hora inferior.

E provavelmente o melhor champanhe
vigilante do mundo
as luas doutoradas em Saturno
e as estrelas andrajosas da circunstância.

Não há luzes mais ingratas
nas imediações
do céu da boca.
Na louca distensão da caverna, os prisioneiros
vêem pornografia barata
e ouvem coitos de fadas ao deitar
e recebem as penúltimas
instruções.

E a noite toda é uma fábrica extravagante de coser
diálogos às repúblicas dos rostos sucessórios do amor.

2 comentários:

josé ferreira disse...

Olá André estava a estranhar a ausência mas valeu a pena a espera. um poema rico de assinatura própria e do qual gostei muito.
"luas doutoradas em Saturno e as estrelas andrajosas da circunstância"
"e a noite toda é uma fábrica extravagante de coser diálogos às repúblicas dos rostos sucessórios do amor.".Magnífico!

André Domingues disse...

Obrigado José! Começo a sentir saudades? Onde tem estado? Onde têm estado todos?


Um abraço muito forte!