sexta-feira, 26 de março de 2010

Richelieu




por favor.por favor. não se importa

mar. tanto mar
o não limite errante num cerco de vento
nuvens e um sol tímido de gente.

muitos anos atrás um túnel escondido
nas linhas de um comboio e encostas de uma serra
época de generais e domínios de frança.
na arqueologia fugaz de fato e alfaiate
desceu escadas de ferro à luz da lanterna
acendeu filamentos dentro de uma capela
no meio de espíritos e nichos vazios;
antigo templo invisível sem nomes nem símbolos.

uma alta abóbada e três barras metálicas onde
porventura rendas, um crucifixo e talha dourada
em toda a volta um ruído de água em direcção ao rio.

desce.desce.sobe.sobe. quatro horas ao fim do dia
e o fim das pilhas. escuro. que susto. A mãe zangada
15 anos e quatro manchas de lama nas abas do casaco.

mar.tanto mar e um altar. A analogia do divino.

vem a propósito a existência dos anjos. Onde são?
vestem-se de branco?
será que se escondem atrás da linha do mar
num terraço plano de precipício onde
descansam asas e saltitam algodão?

a analogia. a entrada secreta de um túnel.
talvez exista uma porta naqueles arenitos mais míudos
uma porta de Alice
que abra uma saída.

de repente um céu húmido de castelos brancos.
um breve granizo. Um pouco de sol.
uma nuvem de asas grandes nas mãos de uma criança.
gaivotas debicam pepitas esfusiantes de milho.

na mesa mineral de um lugar seguro
interroga a possibilidade física de uma porta de mar
e o caminho qual será?

chega o empregado:

por favor. um café curto e um sumo de laranja natural
desculpe. por acaso não tem o público? O jornal?

imaginou um grande espaço branco e anjos
todos descalços, um pouco suspensos de asas
cabelos soltos e olhos de muitas cores, tizianos
na luz de auréolas, uma genética de néons
anunciada de trombetas solenes:
agora à sua direita something completely diferente!

pouco a pouco as gaivotas saíam.
incrível. as nuvens tão diminutas e o azul.
como mudou a atmosfera.
a palha entupiu numa pevide
e lembrou-se do Richelieu, o melro que fugia aos gatos
entre camélias rubras e azáleas claras, floridas, o tempo delas -

1 comentário:

André Domingues disse...

Gostei muito. Camadas de real entrecortadas por camadas de sonho.

"uma genética de néons
anunciada de trombetas solenes"

Abraço