domingo, 13 de dezembro de 2009

ar vo r ar

de orgãos portáteis
passados a ferro
a alta velocidade
em dia de TGV
e aquele verde atrasado
pasmado à janela -

os homens têm vergonha das árvores

sem mãos de algemas
à mostra à terra

à noite
os homens choram
e injectam-nas

de olhos verdes enormes
riem lá em cima, quietos
à procura de raízes no ar

3 comentários:

josé ferreira disse...

Joana gostei muito deste poema que levanta o fulcro da questão, o essencial sem "TGV", de não olhar os sinais, os sinais das árvores das quais "os homens têm vergonha" "sem mãos de algemas" elas as árvores, naturais. A imagem que fica de homens
possessos de "olhos verdes enormes" e
irreais, à procura de raízes no ar é muito forte, bem conseguida. O homem domina e "injecta" mas infelizmente, mal.

Clara Oliveira disse...

Tão ridículos somos, nesta era tão avançada, esquecermo-nos de que nascemos da terra, da terra vivemos e na terra morremos. Bj

José Almeida da Silva disse...

Joana, este seu poema é belíssimo, e cheio de actualidade.

Se não houvesse bebedeiras de poder, pequenos poderes, «a alta velocidade / em dia de TGV») a vida, assessora essencial das vidas, não seria «aquele verde atrasado / pasmado à janela».
Assim, é natural que sejam cortadas («sem mãos de algemas / à mostra à terra») porque «os homens têm vergonha das árvores», «e injectam-nas», para que se transformem; elas, porque são «passad[a]s a ferro / a alta velocidade»; eles, os homens, porque se metamorfoseiam em monstros de «olhos verdes enormes», carnavalescos, buscando uma natureza às avessas («riem lá em cima, quietos / à procura de raízes no ar»), como embriagados do seu poder e da sua insensibilidade.
Os «olhos verdes enormes» metaforizam, de forma muito expressiva, os faróis do TGV ou, quem sabe, os semáforos, e a luz verde lhe permitem avançar.
Expressivo, é também o título da composição «ar vo r ar», que lido sem interrupções remete para arborizar, mas que, atendendo às sucessivas cesuras: «ar / vo / r / ar), só pode significar o seu contrário, e sugere uma imensa ironia. Pode sugerir ainda o choro convulso dos homens. Assim, o sujeito poético pretende passar a ideia da cruel chacina levada a cabo pelos bêbados de poder, que destroem a natureza, e a sua própria vida. Daí que «à noite / os homens choram», muito provave¬l¬mente de vergonha dos seus actos e da sua selvajaria.