quinta-feira, 12 de novembro de 2009

parábola de balas


(retirada da internet)

eram horas e partias

no fundo dos teus olhos o espírito
o desejo louco de abrir asas
mas os envólucros na mente oca
como bolas pendulares de ping-pong
o feitiço de vingança de Saddam
ao soltar os arquétipos de Jung
os desertos complexos de Freud

eram horas e partias

as marquesas, centenas de marquesas
jovens soldados enrolados de tinturas
as alas obscuras das mentes, dementes
de águias, abutres do Egipto, hienas
e as vozes de cantata dos comandos;
queriam fechar as asas, as tuas asas
e sabias os medos, as sentenças
das terras secas, do ouro preto

eram horas e partias

a luz, de um sol gélido de Maomé, a luz
nas asas brancas, a esvoaçar, a esvoaçar
nas tuas, nas deles, inocentes
um mar de milhares de penas
uma parábola de balas a cruzar, a cruzar
a tarde grave de ruídos, gritos e sangue
e a camisa de linho, a mais bonita
tingida, no seu último dia

eram horas e partias


P.S.- Este poema é sobre o caso do Major psiquiatra que assassinou
jovens soldados ao ter conhecimento que estava destacado para o
Iraque. Achei por bem pôr este esclarecimento porque, para aqueles
que não participam no curso de escrita criativa, será agora mais
fácil seguir os vários trabalhos que concerteza vão chegar.

4 comentários:

M. disse...

José que lindo!
Gostei muito, muito.
Resultou particularmente bem a repetição na última estrofe:
"a luz...a luz" "esvoaçar...esvoaçar"; "Cruzar...cruzar". Transmite-me uma sensação de inevitabilidade...e de um descontrolo na acção, como se o acto cometido existisse no seu próprio movimento e uma vez iniciado caísse no descontrolo e ganhasse vida própria.
E é mesmo assim que vejo estas situações de descontrolo que invadem as notícias. Miúdos que matam dezenas de pessoas na escola, pessoas aparentemente insuspeitas que cometem loucuras. Parece que são apenas horas de partir, e o responsável parece ser apenas conduzido numa acção inevitável que o conduz.
O seu poema traduz tudo isso: a gravidade, o descontrolo e a aparente inevitabilidade de um acto tão inesperado.
Adorei!

Bjo
Marlene

Joana Espain disse...

Nada como começar e esvoaçar no ar de mil metros com o Jobim lá em cima para aterrar agora entre as bolas de Saddam:) com a a cabeça a andar à roda entre Jung e Freud (e ainda por cima a ter que ir espreitar o que são os arquétipos de Jung para perceber a queda), e não me venha com asas brancas a esvoaçar porque nos põe dentro de fogo cruzado entre guerra e selva sem qualquer protecção.:) Gostei muito.

omarpareceazeite disse...

Vejo um anjo sedento de voar.
Vejo o corte das asas.
Vejo desespero e abismo.
Gosto muito, bj Clara

Ana Luísa Amaral disse...

Gostei muito deste poema. Muito forte. Tinha umas sugestões, que me parece que poderiam dar-lhe ainda mais força, e que têm a ver com a concentração das imagens.
Por exemplo, tentar evitar alguns adjectivos (como "gélido"). Mas jamais cortar "a mais bonita"!
Ainda, que tal, se em vez de

"o feitiço de vingança de Saddam
ao soltar os arquétipos de Jung
os desertos complexos de Freud"

fosse, por exemplo,

"o feitiço de vingança de Saddam:
Jung, solto em arquétipos,
os desertos complexos de Freud"

Gostei muito de "eram horas e partias"