sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Guardei uma praia no fundo de um frasco de vidro com tampa

A praia pegou fogo
O sol deixou o céu azul
Alaranjado
As chamas de fim de tarde
Pintaram o areal.

O mar cantou uma canção para mim
Dancei com as ondas
Embalada pelas marés.

Mergulhei com as baleias brancas
Flutuei com as algas
Hesitando
Entre o destino da areia
Certo
E a linha do horizonte
Ao fundo
Onde se escondem as sereias e os capitães
Outras praias e outras coisas
Que não vejo.

Quis agarrar o momento
Como se faz a um punhado de areia nas mãos
Mas desfazia-se, todas as vezes,
Como a espuma que quebra nos rochedos
E desaparece
Como só num sonho pode ser.

Mas eu teimei.
Trouxe o salitre
Agarrado à minha pele
Trouxe o tom doirado
Dos raios límpidos da tarde
Do sol que me aqueceu a infância.

Trouxe os pedaços das conchas
Que o mar esculpiu
E búzios
Para me cantarem a canção do mar
Junto ao ouvido
Nas tardes longas e húmidas
Do Inverno da minha vida.

Guardei pedaços de uma praia
No fundo de um frasco de vidro.
E tapei-o.

Mas as coisas nunca são como as sentimos.

Na praia deixei,
Espalhados,
Restos de mim.

Por entre os cactos nas dunas,
Na ponta do anzol
Dos pescadores
Que se abrigam nas rochas,
Nas pegadas da areia
Que o mar escondeu,
No voo das gaivotas
Assustadas,
Em cada pôr-do-sol,
No riso das crianças,
No fundo de um balde
De caranguejos, lapas e mexilhões.

A vida é feita de pedaços.
De papel
De palavras
De pessoas
De encontros e desencontros
De música, vento e sal
De outras coisas
De lugares
De uma praia como esta.

Deixei o meu coração na praia
Que chorou por mim
No orvalho das manhãs frias e distantes.

Guardei a praia num frasco
Para não me perder de mim.

Por vezes,
Olho-a na estante,
Apertada no vidro do frasco com tampa,
Mas não me encontro.

É que afinal:
Mergulhei,
Agarrei,
Trouxe pedaços da praia comigo
Que guardei no fundo de um frasco de vidro com tampa,
Mas deixei lá
Nessa praia
Fragmentos de mim
Também.

É na linha do horizonte
De um céu rosado de final de tarde
Que estão guardados
Todos os sonhos da minha alma.

Elza

Obrigada Nuno, o outro, e Raquel, e José, e afinal, também, todos os outros poetas deste blog, por me terem inspirado a "poesiar" sobre um "lugar especial" muito meu. Obrigada Ana Luisa por ser o grande motor deste grupo de poetas e projecto de poetas e, sobretudo, de ensinar, e de ensinar a descobrir! (Ponto de exclamação, sem dúvida, e reticências, mas só imaginárias, para mim, por tudo aquilo que gostaria de escrever, mas fica ainda por dizer.)

5 comentários:

Angeles Sanz disse...

querida Elsa: gostei muito deste poema .angeles

Elza disse...

Olá Angeles! Espero que estejas feliz a usufruir do teu país natal, mas regresses, para podermos voltar a encontrar-nos por entre as páginas de um livro qualquer. Beijinhos. Elza

auxília disse...

A sua praia guardada no fundo de um frasco de vidro... e o seu frasco de vidro, repentinamente, ao lado de outros frascos de vidro... e todos os frascos de vidro perfilados nas prateleiras da minha estante! Magia da poesia.
Beijinho, Pi.

josé ferreira disse...

Elsa este poema é lindo, musical, sentido e nos seus reflexos viajamos pela tua praia, pelas nossas também. Esses "pedaços de praia dentro do frasco de vidro com tampa", são as boas memórias que sempre trazemos junto a nós são a razão e a poesia que nos completa e determina!
Gostei muito!

p.s.O bom de todos nós é sermos sensíveis e respirar do mesmo ar, crescemos todos juntos com as nossas e as palavras dos outros. Obrigado pelas tuas!

Nuno CA disse...

Olá,
fico muito contente por ter contribuido (um bocadinho, só) para essa inspiração... gostei, tocou-me... guardei dentro de um pequenino frasco com tampa...