Crueldades, prisões, perseguições, injustiças,
como sereis cruéis, como sereis injustas? Quem torturais, quem perseguis, quem esmagais vilmente em ferros que inventais, apenas sendo vosso gemeria as dores que ansiosamente ao vosso medo lembram e ao vosso coração cardíaco constrangem. Quem de vós morre, quem de por vós a vida lhe vai sendo sugada a cada canto dos gestos e palavras, nas esquinas das ruas e dos montes e dos mares da terra que marcais, matriculais, comprais, vendeis, hipotecais, regais a sangue, esses e os outros, que, de olhar à escuta e de sorriso amargurado à beira de saber-vos, vos contemplam como coisas óbvias, fatais a vós que não a quem matais, esses e os outros todos... - como sereis cruéis, como sereis injustas, como sereis tão falsas? Ferocidade, falsidade, injúria são tudo quanto tendes, porque ainda é nosso o coração que apavorado em vós soluça a raiva ansiosa de esmagar as pedras dessa encosta abrupta que desceis. Ao fundo, a vida vos espera. Descereis ao fundo. Hoje, amanhã, há séculos, daqui a séculos? Descereis, descereis sempre, descereis. Jorge de Sena, in 'Pedra Filosofal' |
terça-feira, 27 de novembro de 2012
Ode à Mentira
sexta-feira, 23 de novembro de 2012
escrevo-te
imagem daqui
escrevo-te directamente no princípio da noite
não como amigo mas como amante
desconhecendo-te o corpo, pensando-o pelo voo
pela asa que se ergue e pousa
naquela árvore junto da janela
um braço castanho, um braço de seiva
um braço de penas
leve como a brisa em tardes imaginadas -
escrevo-te no intervalo do sono de olhos iluminados
e tantas são as cores
luzem -
canso-te de palavras, bem sei, e falo-te por metáforas
campainhas que podem ser flores
margaridas, bem-me-queres, jacintos flutuantes em frascos -
até que despertes
até que afastes o lençol bordado
até que surja a primeira torrada
até que a luz seja autêntica e muito clara
até que segures o cabelo depois de entrares no carro -
josé ferreira 23 novembro 2012
escrevo-te directamente no princípio da noite
não como amigo mas como amante
desconhecendo-te o corpo, pensando-o pelo voo
pela asa que se ergue e pousa
naquela árvore junto da janela
um braço castanho, um braço de seiva
um braço de penas
leve como a brisa em tardes imaginadas -
escrevo-te no intervalo do sono de olhos iluminados
e tantas são as cores
luzem -
canso-te de palavras, bem sei, e falo-te por metáforas
campainhas que podem ser flores
margaridas, bem-me-queres, jacintos flutuantes em frascos -
até que despertes
até que afastes o lençol bordado
até que surja a primeira torrada
até que a luz seja autêntica e muito clara
até que segures o cabelo depois de entrares no carro -
josé ferreira 23 novembro 2012
quinta-feira, 22 de novembro de 2012
terça-feira, 20 de novembro de 2012
Por
Coração de Voh em 1990, Nova Caledônia, França (20°56’ S – 164°39’ L) |
Por não saber como dizer-me O Que É Que Foi?
tão perto, e frisada, seja
única a metáfora sobre o Amor
a haver instante sem quase
levantar-se-ão dias, Completos
tão perto, e frisada, seja
única a metáfora sobre o Amor
a haver instante sem quase
levantar-se-ão dias, Completos
Anabela brasinha
domingo, 18 de novembro de 2012
Se adianta
Como folha a cair me falas, a seguir há geada, depois a queimadura, que não sabes nada de primavera.
E
sim, voltas, mas falta sempre essa estação. Correu a água, foram, as chuvas,
os ventos, que são paralelos a ti, e é na sombra que detesto te dar a mão,
que aliás, nem queres, só que não posso te ver no chão.
Já nem sei se é o melhor, se adianta, já nem penso, seja o que for, se deus existisse, fosse como deus quisesse.
Anabela Couto Brasinha
Conto-te
Desci a rua ao fim da tarde para ver aquelas cores, esse azul e laranja matizado, e desejei encontrar-te nas ruas da baixa.
Quando
passei na rua onde estava a sala de jantar, onde também tinha estado
acompanhada, temi que aparecesses. É que nessa sala tinha-se enchido o
som do piano, e do outro lado da mesa foi repetido, Se quisesses vias
como esperam que o teu olhar pouse sobre eles. Muito mais tarde pensei,
então era isso, capricho! Chorei, e lembrei que se calhar, só mesmo o
pianista teria percebido a pontinha de tristeza e a minha ilusão de
pensar que me iria despedir dela.
Voltei
a passar no largo da lapa, para ir visitar uma mulher. Estava frio
nessa noite, também estava frio enquanto subia a escada a meia-luz. E
quando entrámos na sala, essa mais iluminada, é que vi, metade do seu
rosto e pescoço, e o meu olhar foi pousar na sua mão, com a pele também
enrugada pelas queimaduras. Chorei compulsivamente, ela abraçou-me.
Quando nos sentámos na mesa redonda, já com as duas chávenas de chá,
perguntei-lhe quando soube. Ela disse, Ainda faltavam uns dias para
voltar ao Porto quando me disse que eu queria partir, que tinham sido os
seus dias mais felizes mas que eu queria partir, percebi que para ele
eu não era... Terminei-lhe a frase, e ela recomeçou a falar, Não me
lembro bem da viagem de regresso, nem de chegar a casa. Só me lembro de
acordar no hospital. Tive algumas visitas, foi muito constrangedor para
elas, não perguntavam... Disse-lhe, Pois, pensaram que querias morrer.
Devagar ela esboçou um sorriso para dizer-me, A coragem só existe quando
temos medo, e não temo a morte... Mas… lamento ter agido de impulso, só
quando voltei a casa e me despi em frente ao espelho... Levantei-me da
cadeira, contornei a mesa para a abraçar. Depois ela disse-me, Tens de
ser... Sorri-lhe a confirmar.
(2010-2011)
Anabela Couto Brasinha
sexta-feira, 16 de novembro de 2012
Abraço
imagem daqui
De repente deu vontade de te dar um abraço...
Uma vontade de entrelaço, de proximidade.
de amizade..sei lá..
Talvez um aconchego que enfatize a vida e
amenize as dores...
Que fale sobre os amores,
que seja teimoso e ao mesmo tempo forte.
Deu vontade de poder rever saudade
de um abraço.
Um abraço que eternize o tempo
e preencha todo espaço
mas que faça lembrar do carinho,
que surge devagarzinho
da magia da união dos corpos, das auras..sei lá..
Lembrar do calor das mãos
acariciando as costas
a dizer..
"estou aqui."
Lembrar do trançar dos braços envolventes e seguros afirmando
"estou com você"..
Lembrar da transfusão de forças
com a suavidade do momento ..sei lá..
abraço...abraço...abraço...
abraço...abraço..abraço...
abraço...abraço...abraço...
O que importa é a magia deste abraço!
A fusão de energia que harmoniza,
integra tudo, e que se traduz
no cosmo, no tempo e no espaço.
Só sei que agora deu vontade desse abraço!!
Que afaste toda e qualquer angústia.
Que desperte a lágrima da alegria,
e acalme o coração..
Que traduza a amizade, o amor e a emoção.
E para um abraço assim só pude pensar em você....
nessa sua energia,
nessa sua sensibilidade
que sabe entender o por quê...
dessa vontade desse abraço.
Vinicius de Moraes
De repente deu vontade de te dar um abraço...
Uma vontade de entrelaço, de proximidade.
de amizade..sei lá..
Talvez um aconchego que enfatize a vida e
amenize as dores...
Que fale sobre os amores,
que seja teimoso e ao mesmo tempo forte.
Deu vontade de poder rever saudade
de um abraço.
Um abraço que eternize o tempo
e preencha todo espaço
mas que faça lembrar do carinho,
que surge devagarzinho
da magia da união dos corpos, das auras..sei lá..
Lembrar do calor das mãos
acariciando as costas
a dizer..
"estou aqui."
Lembrar do trançar dos braços envolventes e seguros afirmando
"estou com você"..
Lembrar da transfusão de forças
com a suavidade do momento ..sei lá..
abraço...abraço...abraço...
abraço...abraço..abraço...
abraço...abraço...abraço...
O que importa é a magia deste abraço!
A fusão de energia que harmoniza,
integra tudo, e que se traduz
no cosmo, no tempo e no espaço.
Só sei que agora deu vontade desse abraço!!
Que afaste toda e qualquer angústia.
Que desperte a lágrima da alegria,
e acalme o coração..
Que traduza a amizade, o amor e a emoção.
E para um abraço assim só pude pensar em você....
nessa sua energia,
nessa sua sensibilidade
que sabe entender o por quê...
dessa vontade desse abraço.
Vinicius de Moraes
quarta-feira, 14 de novembro de 2012
o sensível lugar
Imagem daqui
tenho-te pensado de todas as formas
e não será nunca a hora dos caixões
essa será sempre uma hora dos outros
a não-hora dos meus aviões
a não-hora de um febril sonhador –
a hora do pensamento será sempre de querer
de querer a hora imoldável, a hora impenetrável
a hora sossegada mais
forte que a tempestade –
porque não há fragilidade no olhar
quando a planície é a promessa
o ramo de oliveira, o sensível lugar –
josé ferreira 14 Novembro 2012
quarta-feira, 7 de novembro de 2012
alma
a alma é complexa
a alma é um mito como as deusas do Olimpo
a alma é uma desconhecida com braços e boca de neblina
a alma é uma aura sem corpo no corpo que habita
a alma tem faces indivisíveis:
bela como Fontana de Trevi
em ruína, como o Circo
a alma é uma
construção contínua –
penso na alma quando os meus cabelos se prendem na erva e
ganham raízes
qual é qual: o inorgânico, a terra, o fluxo de células, o
ser vivo, o espírito
penso na alma quando os olhos me abandonam e voam invisíveis
e são asas de vento
e flutuam, sem peso, durante muito tempo –
josé ferreira 6 Novembro 2012
terça-feira, 6 de novembro de 2012
desliza e deslumbra
Gustav Klimt
não hesites quando a seda é luz
e luz
seja azul ou de uma cor mais branca -
a seda nunca é baça como o nevoeiro
nunca se veste de bruma
nos quartos da lua:
brilha, sublima-se, cicia -
a seda desliza
e deslumbra –
josé ferreira 5 Novembro 2012
segunda-feira, 5 de novembro de 2012
A recusa das imagens evidentes - um poema de Natália Correia
Tanya Gramatykova
IV Há noites que são feitas dos rneus braços e um silêncio comum às violetas. e há sete luas que são sete traços de sete noites que nunca foram feitas. Há noites que levamos à cintura como um cinto de grandes borboletas. E um risco a sangue na nossa carne escura duma espada à bainha dum cometa. Há noites que nos deixam para trás enrolados no nosso desencanto e cisnes brancos que só são iguais à mais longínqua onda do seu canto. Há noites que nos levam para onde o fantasma de nós fica mais perto; e é sempre a nossa voz que nos responde e só o nosso nome estava certo. Há noites que são lírios e são feras e a nossa exactidão de rosa vil reconcilia no frio das esferas os astros que se olham de perfil.
Natália Correia
quinta-feira, 1 de novembro de 2012
Um dia
Peter Rand
um dia podemos ser únicos no cimo de um monte
entre o nevoeiro, as pedras buriladas pelo vento
e a paisagem difusa do horizonte.
entre o nevoeiro, as pedras buriladas pelo vento
e a paisagem difusa do horizonte.
um dia podemos ou não podemos realizar o sonho –
conto-te de todos os poemas:
os que nascem sem nascente
os que são de água que cai de cima
os que são de pó suspenso –
ouve, digo-te
um dia podemos ter os dedos abertos sobre todos os medos
um dia livre sem estações nem horas
sem nuvens nem rodas
sem o escape dos ponteiros do relógio
sem a ânsia eterna dos
pêndulos, que não param –
ouve, digo-te
um dia podemos ser mais no intervalo mais comprido, ouço músicas
o intervalo subitamente cristalino
para que a pergunta surja mais afirmativa
porque não antes?
porque não sempre?
josé ferreira 1 de Novembro de 2012
josé ferreira 1 de Novembro de 2012
A Verdade Histórica - um poema de Ana Luísa Amara
A minha filha partiu uma tigela
na cozinha.
E eu que me apetecia escrever
sobre o evento,
tive que pôr de lado inspiração e lápis,
pegar numa vassoura e varrer
a cozinha.
A cozinha varrida de tigela
ficou diferente da cozinha
de tigela intacta:
local propício a escavação e estudo,
curto mapa arqueológico
num futuro remoto.
Uma tigela de louça branca
com flores,
restos de cereais tratados
em embalagem estanque
espalhados pelo chão.
Não eram grãos de trigo de Pompeia,
mas eram respeitosos cereais
de qualquer forma.
E a tigela, mesmo não sendo da dinastia Ming,
mas das Caldas,
daqui a cinco ou dez mil anos
devia ter estatuto admirativo.
Mas a hecatombe
deu-se.
E escorregada de pequeninas mãos,
ficou esquecida de famas e proveitos,
varrida de vassouras e memórias.
Por mísero e cruel balde de lixo
azul
em plástico moderno
(indestrutível)
ANA LUÍSA AMARAL,
"Minha Senhora de Quê", Quetzal Editores, Lisboa, 1999
na cozinha.
E eu que me apetecia escrever
sobre o evento,
tive que pôr de lado inspiração e lápis,
pegar numa vassoura e varrer
a cozinha.
A cozinha varrida de tigela
ficou diferente da cozinha
de tigela intacta:
local propício a escavação e estudo,
curto mapa arqueológico
num futuro remoto.
Uma tigela de louça branca
com flores,
restos de cereais tratados
em embalagem estanque
espalhados pelo chão.
Não eram grãos de trigo de Pompeia,
mas eram respeitosos cereais
de qualquer forma.
E a tigela, mesmo não sendo da dinastia Ming,
mas das Caldas,
daqui a cinco ou dez mil anos
devia ter estatuto admirativo.
Mas a hecatombe
deu-se.
E escorregada de pequeninas mãos,
ficou esquecida de famas e proveitos,
varrida de vassouras e memórias.
Por mísero e cruel balde de lixo
azul
em plástico moderno
(indestrutível)
ANA LUÍSA AMARAL,
"Minha Senhora de Quê", Quetzal Editores, Lisboa, 1999
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