Cai o dia, estende-se a noite,
quase a findar mais um ano;
eu olho-me ao espelho,
envolto em fadigas, canseiras,
de tantas e absurdas frustrações;
não vislumbro sinais de olheiras,
pois só vejo sombras, as velhas desilusões.
Acreditava não ver ali ninguém,
ou talvez quisesse não ter alguém
do outro lado do meu espelho...
Mas quem vejo eu ?
Alguém que me perscruta,
de rosto tão perplexo,
mas assaz sério, sisudo;
pálpebras lisas, fontes sem rugas,
aquelas erguidas em contemplação
sobre uns olhos esbugalhados,
espantados e muito incrédulos!
E que vê este rosto de infante,
configurado por certo em Ano Novo?
Do lado de cá do meu espelho
acredito que veja a resignação,
mas acima de tudo o combate e a esperança;
porventura a visão do Ano Velho
porque apenas termina mais um ano,
de soberba luta pela igualdade,
e pela premente difusão do amor e da justiça,
mantendo-se na vanguarda
para um dia atingir seus sonhos de Criança!
( António Luíz , 31-Dezembro-2008)
Apesar da fadiga no momento da confecção deste pequeno poema,
espero que gostem. Aproveito esta oportunidade para desejar as maiores Venturas
e óptima Saúde para 2009.
Saudações poéticas .
quarta-feira, 31 de dezembro de 2008
terça-feira, 30 de dezembro de 2008
A partir de As Meninas de Velásquez
As rendas e os tules tendem a entediar
Por isso vou até ao fundo, à porta aberta onde reluzem escadas
Que não sei onde vão dar
Trazem luz e um homem de bigode que periclita entre degraus
Por que é que o cão não ladra ou morde a anã?
Por que é que o pintor não deixa cair a paleta no veludo do vestido?
Ver num instante tudo em alvoroço, ah –
Braços a gesticular, pernas no ar, cabeças a rodar entre mãos e pés,
O espelho malogradamente partido
uma anã gigante em cima da mesa
que a roda das saias esconde
E os tapetes? Telas de Pollock.
Mas o mais espaventoso era o pintor pegar na tela
com a ajuda dos criados ou sem ela e especá-la à frente das meninas,
do cão, do espelho, da anã, da porta que dá para as escadas
de tudo. E… nada…
de repente, o esplendor –
um cavalete e a estrutura de madeira que sustenta a tela comprida e larga
Um Velásquez às avessas
Vazio e de costas ao léu
Por isso vou até ao fundo, à porta aberta onde reluzem escadas
Que não sei onde vão dar
Trazem luz e um homem de bigode que periclita entre degraus
Por que é que o cão não ladra ou morde a anã?
Por que é que o pintor não deixa cair a paleta no veludo do vestido?
Ver num instante tudo em alvoroço, ah –
Braços a gesticular, pernas no ar, cabeças a rodar entre mãos e pés,
O espelho malogradamente partido
uma anã gigante em cima da mesa
que a roda das saias esconde
E os tapetes? Telas de Pollock.
Mas o mais espaventoso era o pintor pegar na tela
com a ajuda dos criados ou sem ela e especá-la à frente das meninas,
do cão, do espelho, da anã, da porta que dá para as escadas
de tudo. E… nada…
de repente, o esplendor –
um cavalete e a estrutura de madeira que sustenta a tela comprida e larga
Um Velásquez às avessas
Vazio e de costas ao léu
A confissão de Velásquez
A confissão de Velásquez
Jan van Eyck[1] pensava todos os dias em Picasso
Pensava tanto, tanto, tanto
Que eu tive de nascer para pintar as meninas.
Então van Eyck pôde adormecer e Picasso[2] ter meninas no seu museu.
[1] Os esponsais dos Arnolfini, 1434 – toma-se como certo que Velásquez conhecia este quadro e que se inspirou no motivo do espelho que reflecte pessoas que não pertencem à composição para pintar As Meninas.
[2] As Meninas – segundo Velásquez (Pablo Picasso, Barcelona, Museu Picasso)
Jan van Eyck[1] pensava todos os dias em Picasso
Pensava tanto, tanto, tanto
Que eu tive de nascer para pintar as meninas.
Então van Eyck pôde adormecer e Picasso[2] ter meninas no seu museu.
[1] Os esponsais dos Arnolfini, 1434 – toma-se como certo que Velásquez conhecia este quadro e que se inspirou no motivo do espelho que reflecte pessoas que não pertencem à composição para pintar As Meninas.
[2] As Meninas – segundo Velásquez (Pablo Picasso, Barcelona, Museu Picasso)
segunda-feira, 29 de dezembro de 2008
Palavras Minhas
Palavras Minhas
Por vezes passeio os dedos nas lombadas de espelhos finos
livros de poemas nas livrarias. Reconheço sinais
aromas de pradarias. Solto-me de vento aos versos
de poetas e sonho nas palavras deles inventar
palavras minhas.
Vem este poema curto que vos deixo na sequência de ter encontrado um poema Francês que me parece o mais indicado para antecipar o Ano Bom de 2009 que se aproxima:
Vai ser assim um mês atrás de outro:
Janvier nous prive de feuillage;
Février fait glisser nos pas;
Mars a des cheveux de lilas;
Mai permet les robes champêtres;
Juin ressuscite les rosiers;
Juillet met l´échelle aux fenêtres,
Août, l´échelle aux cerisiers.
Septembre, qui divague en peux,
pour danser sur du raisin bleu
S´amuse à retarder l´aurore;
Octobre à peur; Novembre a froid;
Décembre éteint les fleurs; et, moi
L´année entiére je t´adore!
Rosemond Gérard
Les pipeaux
Por vezes passeio os dedos nas lombadas de espelhos finos
livros de poemas nas livrarias. Reconheço sinais
aromas de pradarias. Solto-me de vento aos versos
de poetas e sonho nas palavras deles inventar
palavras minhas.
Vem este poema curto que vos deixo na sequência de ter encontrado um poema Francês que me parece o mais indicado para antecipar o Ano Bom de 2009 que se aproxima:
Vai ser assim um mês atrás de outro:
Janvier nous prive de feuillage;
Février fait glisser nos pas;
Mars a des cheveux de lilas;
Mai permet les robes champêtres;
Juin ressuscite les rosiers;
Juillet met l´échelle aux fenêtres,
Août, l´échelle aux cerisiers.
Septembre, qui divague en peux,
pour danser sur du raisin bleu
S´amuse à retarder l´aurore;
Octobre à peur; Novembre a froid;
Décembre éteint les fleurs; et, moi
L´année entiére je t´adore!
Rosemond Gérard
Les pipeaux
O tigre no castelo de Kafka
O Tigre no castelo de Kafka
“Caminante no hay camino, el camino se hace caminando”
António Machado
Uma estrada de prata
Onde se perdem os suicidas,
que leva ao centro da alma,
Borges perde-se num caminho bifurcado
que leva a um castelo
encontra um tigre a olhar para o grande espelho
o seu olhar manso e distraído
a quem os corvos chuparam a vida
no interior do castelo:
quero escrever como uma possessa
até o diabo vir com as suas mãos de cereja
tocar-me no ombro e dizer que o venci…
Sarah Kane a subir a estrada
A estrada da vida é a estrada da vida
Demoramos dois séculos a ligar o forno
Sylvia Plath a beijar Dante -
Kafka sabe que é perigoso escrever…
O interior do castelo está cheio de morcegos,
de corvos e caracóis - para escritores tristes
O tigre espia numa estrada que leva a Chernobill Celeste
imaginada por Sarah kane num diálogo eterno com Papini
as almas gémeas fundem-se
As mãos derretem por cima da serradura,
O que interessa é o processo
ele foi escrito / encontrado por Sarah Kane
No meio de um holocausto digital
Os anjos esquecem enquanto sobem
uma estrada que leva a um castelo – Por onde Kafka sobe
um tigre com consciência do ridículo Sonha África
Percorre as ruas de Praga com um passo Seguro e Forte
Para se escrever a si próprio numa língua que há de vir
Chegaram à Chernobill Eterna
a subir os anjos esquecem….
Nuno Brito 2008
“Caminante no hay camino, el camino se hace caminando”
António Machado
Uma estrada de prata
Onde se perdem os suicidas,
que leva ao centro da alma,
Borges perde-se num caminho bifurcado
que leva a um castelo
encontra um tigre a olhar para o grande espelho
o seu olhar manso e distraído
a quem os corvos chuparam a vida
no interior do castelo:
quero escrever como uma possessa
até o diabo vir com as suas mãos de cereja
tocar-me no ombro e dizer que o venci…
Sarah Kane a subir a estrada
A estrada da vida é a estrada da vida
Demoramos dois séculos a ligar o forno
Sylvia Plath a beijar Dante -
Kafka sabe que é perigoso escrever…
O interior do castelo está cheio de morcegos,
de corvos e caracóis - para escritores tristes
O tigre espia numa estrada que leva a Chernobill Celeste
imaginada por Sarah kane num diálogo eterno com Papini
as almas gémeas fundem-se
As mãos derretem por cima da serradura,
O que interessa é o processo
ele foi escrito / encontrado por Sarah Kane
No meio de um holocausto digital
Os anjos esquecem enquanto sobem
uma estrada que leva a um castelo – Por onde Kafka sobe
um tigre com consciência do ridículo Sonha África
Percorre as ruas de Praga com um passo Seguro e Forte
Para se escrever a si próprio numa língua que há de vir
Chegaram à Chernobill Eterna
a subir os anjos esquecem….
Nuno Brito 2008
sábado, 27 de dezembro de 2008
- Casa-se a Menina!
- Casa-se a Menina!
O padre na corda do sino
batina em rodopio de cortina
o vale desperto , o monte papagaio
de ecos repetidos, o alvoroço de ramos
o piado aflito dos bicos pequenos.
As velas reduzem os últimos grãos
sacudidos no saco de orelhas
criando barriga nos assentos
de vazios; nuvens brancas de farinha.
Fim de dia, festa, o sino, o padre e a batina:
Dobra a fivela o eixo do calcamhar
destapa a unha negra do maldito
salpico do turíbolo, pesado bronze
do desiquilíbrio na quina do granito
agora marcado, partido.
Hora especial de missa vespertina:
-Casa-se a Menina!
Filha mais nova de Ti Maria
por sua vez sobrinha do padre Valdevez
pai de três, todas de batina,
à sua vez da Laurinda, Catarina
e da Alzira; crente e bela
mas de outra freguesia.
Entoam-se cânticos
e ninguém diz, ninguém fala
dos anjos de uma só asa.
Outros ecos e a ladainha:
- Casa-se a Menina!
Grita mais alto a hóstia
a sagração do dia
a oração benzida
na hora da eucaristia:
"Corpo de Cristo!" "Ámen!"
- Casa-se a Menina!
O padre na corda do sino
batina em rodopio de cortina
o vale desperto , o monte papagaio
de ecos repetidos, o alvoroço de ramos
o piado aflito dos bicos pequenos.
As velas reduzem os últimos grãos
sacudidos no saco de orelhas
criando barriga nos assentos
de vazios; nuvens brancas de farinha.
Fim de dia, festa, o sino, o padre e a batina:
Dobra a fivela o eixo do calcamhar
destapa a unha negra do maldito
salpico do turíbolo, pesado bronze
do desiquilíbrio na quina do granito
agora marcado, partido.
Hora especial de missa vespertina:
-Casa-se a Menina!
Filha mais nova de Ti Maria
por sua vez sobrinha do padre Valdevez
pai de três, todas de batina,
à sua vez da Laurinda, Catarina
e da Alzira; crente e bela
mas de outra freguesia.
Entoam-se cânticos
e ninguém diz, ninguém fala
dos anjos de uma só asa.
Outros ecos e a ladainha:
- Casa-se a Menina!
Grita mais alto a hóstia
a sagração do dia
a oração benzida
na hora da eucaristia:
"Corpo de Cristo!" "Ámen!"
- Casa-se a Menina!
Cicuta Pura
Do "Tríptico emocional" e depois da última sessão
decidi só publicar o que recolheu
a melhor aceitação dos meus colegas (quanto ao pastel
que pintei para a apresentação tenho que estudar
um pouco mais de informática para o conseguir
publicar):
Cicuta Pura
Por vezes visto-me de toga branca, acusado
na Assembleia grega de Sócrates.
Do lado de lá nem Platão nem Críton. Só ninguém
e uma chuva de setas de cicuta lançada de canas secas.
Cuido da vista que não se perca, do lado esquerdo
do peito que o veneno não atinja.
Se a chuva cessa sempre palpita um lado.
No meio dos dedos vejo rostos, esgares e
sendo imensa e funda, apago a dor
esperando um, apenas um dia um
mais dia um ... alguém!
decidi só publicar o que recolheu
a melhor aceitação dos meus colegas (quanto ao pastel
que pintei para a apresentação tenho que estudar
um pouco mais de informática para o conseguir
publicar):
Cicuta Pura
Por vezes visto-me de toga branca, acusado
na Assembleia grega de Sócrates.
Do lado de lá nem Platão nem Críton. Só ninguém
e uma chuva de setas de cicuta lançada de canas secas.
Cuido da vista que não se perca, do lado esquerdo
do peito que o veneno não atinja.
Se a chuva cessa sempre palpita um lado.
No meio dos dedos vejo rostos, esgares e
sendo imensa e funda, apago a dor
esperando um, apenas um dia um
mais dia um ... alguém!
sobre(a) a menina
Que não te apague a luz -
que nunca;
sombra, nata de névoa escorre
cega no espelho do império, nas
cataratas espessas da madeira.
Dobram os olhos do pintor real -
no espaço trata uma obcessão,
bando de súplicas para que os teus dias
dialoguem com o sol de uma bandeira.
Que não te canse o lume -
que nunca;
na cauda de menina-luz a cozer ditados
ao animal cioso que cuida belezas.
Bichos quase caseiros - a lareira costurando
o fogo. Que todos te acendam rendados
em pregas de claras cores, modelos
de olhos caprichosos de menina;
esboços e estudos a gris, namorando
a tela-luz do contraste que dominas.
Que nunca! Futuros modernos?
Prendam esses ladrões de ares de altivez,
pois nunca é muito como te vês.
Que nenhum lobo marinho
venha ao sul secar o teu sangue
azul.
Um firme raio - um passo do sol
pincelado séculos atrás, passeia na
na moldura digital na alçada
do hall de entrada do T2.
Pilhas inventam pixels onde sois
princesa, à grande e à castela,
pilhas alcalinas para perpetuar
as meninas,
e a tristeza
de te ver presa
na casa real da
incerteza.
que nunca;
sombra, nata de névoa escorre
cega no espelho do império, nas
cataratas espessas da madeira.
Dobram os olhos do pintor real -
no espaço trata uma obcessão,
bando de súplicas para que os teus dias
dialoguem com o sol de uma bandeira.
Que não te canse o lume -
que nunca;
na cauda de menina-luz a cozer ditados
ao animal cioso que cuida belezas.
Bichos quase caseiros - a lareira costurando
o fogo. Que todos te acendam rendados
em pregas de claras cores, modelos
de olhos caprichosos de menina;
esboços e estudos a gris, namorando
a tela-luz do contraste que dominas.
Que nunca! Futuros modernos?
Prendam esses ladrões de ares de altivez,
pois nunca é muito como te vês.
Que nenhum lobo marinho
venha ao sul secar o teu sangue
azul.
Um firme raio - um passo do sol
pincelado séculos atrás, passeia na
na moldura digital na alçada
do hall de entrada do T2.
Pilhas inventam pixels onde sois
princesa, à grande e à castela,
pilhas alcalinas para perpetuar
as meninas,
e a tristeza
de te ver presa
na casa real da
incerteza.
EMBRIAGAI-VOS
A Propósito do pensamento " A maioria das atitudes na época Natalícia, desde a discreta e aparentemente espontânea simpatia de alguém, passando pelos excessos ternurentos simulando mais humanismo a quem se não conhece, acabando nos exageros do hiperconsumismo, mais parece uma forma estranha de uma qualquer embriaguez" - Antonio Pinto Oliveira/2008
- É preciso estar sempre bêbado.
Tudo reside nisso: eis a questão.
Para não sentirdes o horrível fardo do Tempo
que esmaga os vossos ombros,
e vos inclina para a terra,
precisais embriagar-vos sem tréguas.
Mas de quê?
De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa vontade.
Mas embriagai-vos!
E se às vezes, nos degraus de um palácio,
na erva verde de uma vala,
na morna solidão do vosso quarto,
acordardes a bebedeira leve ou curada,
perguntai ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio,
a tudo o que foge, a tudo o que geme,
a tudo o que gira, a tudo o que canta, a tudo o que fala,
perguntai que horas são;
...e o vento, a vaga, a estrela, o pássaro e o relógio responderão:
"São horas de embriagar-se !
Para não serdes os escravos martirizados do Tempo,
embriagai-vos;
embriagai-vos sem parar!
De vinho, de poesia ou de virtude,
à vossa vontade".
( Charles Baudelaire, in " O SPLEEN DE PARIS" - Pequenos Poemas em Prosa, XXXIII prosa , 2007) - poema em prosa publicado em vida em 1864 /1869
- É preciso estar sempre bêbado.
Tudo reside nisso: eis a questão.
Para não sentirdes o horrível fardo do Tempo
que esmaga os vossos ombros,
e vos inclina para a terra,
precisais embriagar-vos sem tréguas.
Mas de quê?
De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa vontade.
Mas embriagai-vos!
E se às vezes, nos degraus de um palácio,
na erva verde de uma vala,
na morna solidão do vosso quarto,
acordardes a bebedeira leve ou curada,
perguntai ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio,
a tudo o que foge, a tudo o que geme,
a tudo o que gira, a tudo o que canta, a tudo o que fala,
perguntai que horas são;
...e o vento, a vaga, a estrela, o pássaro e o relógio responderão:
"São horas de embriagar-se !
Para não serdes os escravos martirizados do Tempo,
embriagai-vos;
embriagai-vos sem parar!
De vinho, de poesia ou de virtude,
à vossa vontade".
( Charles Baudelaire, in " O SPLEEN DE PARIS" - Pequenos Poemas em Prosa, XXXIII prosa , 2007) - poema em prosa publicado em vida em 1864 /1869
sexta-feira, 26 de dezembro de 2008
Devolve-me os dedos
-----------------------------------------A medo vivo, a medo escrevo e falo
-----------------------------------------António Ferreira (1528-1569)
Devolve-me os dedos
que ficaram dormentes
nas fendas da lua
quando as ruas derretiam
e o vento vermelho voava
deixando as pessoas nuas
quando a vertigem trepava
e a virgem voraz rasgava
a garganta que a habitava
Devolve-me o linho branco
que cobria os meus pruridos
curvas e contra costas
quando o aço do teu espaço
se sumia em arrepio
ao cheiro do meu grito
quando os olhos se apertavam
e visões de videntes vinham
em inventadas ausências
Devolve-me o certo de mim
as linhas que me desenham
um ventre que se sustente
e medos que me sobrem
ou ancas que não se dobrem
leva-os no mar para longe
onde não possam dançar
falar ou viver
no instante em que tudo -
-----------------------------------------António Ferreira (1528-1569)
Devolve-me os dedos
que ficaram dormentes
nas fendas da lua
quando as ruas derretiam
e o vento vermelho voava
deixando as pessoas nuas
quando a vertigem trepava
e a virgem voraz rasgava
a garganta que a habitava
Devolve-me o linho branco
que cobria os meus pruridos
curvas e contra costas
quando o aço do teu espaço
se sumia em arrepio
ao cheiro do meu grito
quando os olhos se apertavam
e visões de videntes vinham
em inventadas ausências
Devolve-me o certo de mim
as linhas que me desenham
um ventre que se sustente
e medos que me sobrem
ou ancas que não se dobrem
leva-os no mar para longe
onde não possam dançar
falar ou viver
no instante em que tudo -
Olhares esguicham
furam-lhe as fendas.
Composto
bidimensional,
esmagado a céu aberto.
Imposto,
centro massivo
velho e excessivo,
pelas bordas quer fluir
o foco exige abrir.
Tenta o anão,
escorrega
no pé da criança,
agarra-se
ao hábito da fé,
mas cai
entre nós e o cão.
Silêncio.
Regressa pelo espelho,
ao fundo
reflecte o passado.
Pousa o pincel,
sai pela porta.
quarta-feira, 24 de dezembro de 2008
Mãe
Mãe, teus olhos de mártir e de santa,
teus gestos gemem, choram ao cantar;
tuas mãos enrugadas de tanto lidar,
torturam a minh´alma de dor tanta!
Mãe, ora teu peito coroado de espinhos,
e teus sonhos de amor ao luar, mansinhos,
tuas mãos outrora de perla e de rainha,
pungem minh´alma, deixam-na ceguinha!
Mãe, esse teu olhar perpétuo de brandura,
e tuas mãos, dantes rara formosura,
apagam-me meu viver, e meu sorrir.
Mãe, pois que seja escutado e atendido:
tenham de débil coração esmaecido
dó, para que serene teu eterno dormir!
(Antonio Pinto Oliveira, Luanda 1965 -
in "Eu e o Silêncio" , 1994-2008)
Nota: é sempre um sublime conforto espiritual
uma singela homenagem à MÃE , tanto mais em
época de Natal...
Votos sinceros de Felizes Festas para todos Vós.
teus gestos gemem, choram ao cantar;
tuas mãos enrugadas de tanto lidar,
torturam a minh´alma de dor tanta!
Mãe, ora teu peito coroado de espinhos,
e teus sonhos de amor ao luar, mansinhos,
tuas mãos outrora de perla e de rainha,
pungem minh´alma, deixam-na ceguinha!
Mãe, esse teu olhar perpétuo de brandura,
e tuas mãos, dantes rara formosura,
apagam-me meu viver, e meu sorrir.
Mãe, pois que seja escutado e atendido:
tenham de débil coração esmaecido
dó, para que serene teu eterno dormir!
(Antonio Pinto Oliveira, Luanda 1965 -
in "Eu e o Silêncio" , 1994-2008)
Nota: é sempre um sublime conforto espiritual
uma singela homenagem à MÃE , tanto mais em
época de Natal...
Votos sinceros de Felizes Festas para todos Vós.
terça-feira, 23 de dezembro de 2008
Carícia de pantufa
Não está quieta a Princesa?
Culpa dela?
A aia que lhe fala
do menino junto ao bobo.
O pincel sem ter tempo.
"É de ouro o cabelo!
Tão brilhante fino moço" - diz a mãe
- "Mas agora está diferente!"
O pincel no óleo mudo
e o cão escutando calmo
que o tempo saia, solte o dorso
e a carícia de pantufa
afaste a pulga.
Tão quieta a Menina:
Da janela cega a luz
o corpete fino as argolas
do vestido. A pergunta do porquê?
do que pensa?
a inclinação indiferente da cabeça.
Na rosto algo vazio
o olhar ausente na Princesa.
Os reis de cinturas ao fundo no espelho
vendo tudo -
Poema menino
Éramos dois, seis, vinte.
Entrámos, inseguros, expectantes,
Ávidos de procura e de partilha.
Não era Dezembro, nem presépio havia,
Em cada um de nós
O poema menino adormecido.
Ouro, incenso, mirra.
Palavras, música, emoção.
A sós ou de mãos dadas,
O presépio pressentia-se.
Entrámos, confiantes, ansiosos
De dádiva, de revelação.
Éramos vinte, cem, muitos.
Na manjedoura,
O poema menino deitado.
Não porque era Natal,
Mas porque é Poesia.
Entrámos, inseguros, expectantes,
Ávidos de procura e de partilha.
Não era Dezembro, nem presépio havia,
Em cada um de nós
O poema menino adormecido.
Ouro, incenso, mirra.
Palavras, música, emoção.
A sós ou de mãos dadas,
O presépio pressentia-se.
Entrámos, confiantes, ansiosos
De dádiva, de revelação.
Éramos vinte, cem, muitos.
Na manjedoura,
O poema menino deitado.
Não porque era Natal,
Mas porque é Poesia.
Cavaleiro de moinhos
Ouvi-te os passos em palavras de regressos.
Pontuava-te,
Na esperança de que em versos
A tua cosmogonia não me falhasse.
Conhecia-te a poeira do cansaço,
as batalhas perdidas e os moinhos que enfrentaste.
Soubesses tu, cavaleiro,
Traçar-nos em linhas mais certas
Deixar-me em portas abertas
Com a certeza do regresso.
Confesso
não te amar talvez inteiro
Apenas parte das viagens e as palavras de cativeiro.
Mas sei-te nas cores da audácia
e em traços de ousadia
as sombras soltas de glórias
e as horas de maresia.
E agora nobre soldado
Repousa nas madrugadas
e em espadas
e horas distantes.
Nas armaduras antigas liberta os moinhos gigantes.
E nas batalhas de areia
refaz o mundo em avesso
Que eu espero-te, Dulcineia,
Nos versos do teu regresso.
Maria Inês Beires
(queria ter dado um a toda a gente não por achar que é um bom poema mas por ser o mais recente e para se lembrarem de mim. de qualquer maneira, depois de ter desistido de passar um a um a limpo, resta-me deixar-vos aqui no blog e desejar-vos um bom natal e uma vida repleta de cavaleiros e Dulcineias.)
feliz natal!
Pontuava-te,
Na esperança de que em versos
A tua cosmogonia não me falhasse.
Conhecia-te a poeira do cansaço,
as batalhas perdidas e os moinhos que enfrentaste.
Soubesses tu, cavaleiro,
Traçar-nos em linhas mais certas
Deixar-me em portas abertas
Com a certeza do regresso.
Confesso
não te amar talvez inteiro
Apenas parte das viagens e as palavras de cativeiro.
Mas sei-te nas cores da audácia
e em traços de ousadia
as sombras soltas de glórias
e as horas de maresia.
E agora nobre soldado
Repousa nas madrugadas
e em espadas
e horas distantes.
Nas armaduras antigas liberta os moinhos gigantes.
E nas batalhas de areia
refaz o mundo em avesso
Que eu espero-te, Dulcineia,
Nos versos do teu regresso.
Maria Inês Beires
(queria ter dado um a toda a gente não por achar que é um bom poema mas por ser o mais recente e para se lembrarem de mim. de qualquer maneira, depois de ter desistido de passar um a um a limpo, resta-me deixar-vos aqui no blog e desejar-vos um bom natal e uma vida repleta de cavaleiros e Dulcineias.)
feliz natal!
Retrato em luzes.
Quereria pintar-te só, pequena Margarida,
Mas tão pequena, tão bem vestida
não serias tu gravura de criança.
O meu pincel reclama, bela infanta
que te rodeiam luzes e expressões
Que as cores se vão em longas ilusões
E o branco recai puro sobre ti.
Em verdade a luz me engana aqui tão perto.
São muitos os esboços que te cercam
Como então pintar-vos para que não vos percam?
Pintei-vos então branca, como sois,
Como vos sinto hoje e vos hão de encarar depois.
Pois se a pureza se confunde em quadro aberto
Cercar-te em canto escuro e companhia
E pelas cores traçar-te bela e tão pequena
que o branco só te torne mais serena
E de ti se desvanessa a demasia.
Maria Inês Beires
22/12/2008
Metafísicas caninas
Vestido de orelhas e focinho
Na pele de cão
Alheado dos cuidados, caracóis e volteios
À volta, Arte, Nobreza e Fé
Pintam surdinas e presságios futuros.
Na quietude deste canto
Farejo reflexões filosóficas
Rosno baixinho transcendências metafísicas
Ai...aquele osso suculento do almoço
E o pé de seda no meu dorso!
Teresa Almeida Pinto, António Luíz e Marlene
desejo de princesa
- diz-me princesa,
o que mais desejas ?
correr e gritar, corada e descalça,
o palácio de ponta a ponta.
ser menina de faz-de-conta.
despentear a brincadeira,
sem rendas e sem laços.
ter o riso e a chuva nos braços.
- não pode ser princesa,
que ainda te descompões.
Raquel Patriarca
vinteedois.dezembro.doismileoito
Sem a loucura...?
Vivo
Sem a loucura do concreto
Moro
A insanidade do incerto
Tenho razão para acreditar
Que a cabeça é um lugar
E habita nela uma Escola de Samba
Voam
Pensamentos dos pombais
Partem
Do cérebro cacos cerebrais
Tenho motivos para sentir
Que a cabeça anda a fugir
E corre nela uma Escola de Samba
Varro
O sono dos últimos dias
Solto
Declarações, sermões, orgias
Masco o real em ultra-sons
Pinto a cabeça de outros tons
E soa nela uma Escola de Samba
Valem
Tanto mais estes convictos
Velam
Pelo real e por seus mitos
Lanço estilhaços de indiferença
Sua cabeça minha sentença
Parece ela uma Escola de Samba
Assumo
O carnaval em pleno Inverno
Consumo
O dia qual pedaço eterno
Tenho loucura de viver
E a cabeça sem saber
Só sabe dela – é uma Escola de Samba
Sem a loucura do concreto
Moro
A insanidade do incerto
Tenho razão para acreditar
Que a cabeça é um lugar
E habita nela uma Escola de Samba
Voam
Pensamentos dos pombais
Partem
Do cérebro cacos cerebrais
Tenho motivos para sentir
Que a cabeça anda a fugir
E corre nela uma Escola de Samba
Varro
O sono dos últimos dias
Solto
Declarações, sermões, orgias
Masco o real em ultra-sons
Pinto a cabeça de outros tons
E soa nela uma Escola de Samba
Valem
Tanto mais estes convictos
Velam
Pelo real e por seus mitos
Lanço estilhaços de indiferença
Sua cabeça minha sentença
Parece ela uma Escola de Samba
Assumo
O carnaval em pleno Inverno
Consumo
O dia qual pedaço eterno
Tenho loucura de viver
E a cabeça sem saber
Só sabe dela – é uma Escola de Samba
O Segredo
A medo vivo, a medo escrevo e falo
António Ferreira (1528-1569)
António Ferreira (1528-1569)
Dizer, numa árvore deixar
Ao ouvido um segredo
Oco tronco tranca o medo
Do indizível
Segredo
Sussurrar o sentir
Num velho vulto vazio
Lavar o peso do peito
Nesse rio
Caixa-forte dos afectos
Meu amor depositado
O segredo que no peito
É mal guardado
As meninas
Atrás de cada porta há um fantasma
e por baixo das saias da pequena infanta erguem-se castelos com escadas de açúcar
não levam a lado nenhum porque nada leva a lado algum.
Velásquez vê as notícias em tela de marca - Portugal foi perdido e das Américas vêm pouco ouro,
a seguir dá "apocalipse now" depois de umas quantas guerras
A História Universal é de um tédio avassalador e
o tempo não é passageiro porque o tempo não existe,
se existisse também não seria passageiro
Velásquez e as meninas hão de ver com pouco interesse agora num plasma
é perigoso desenhar
no quarto ao lado as infantas brincam no hi5 e alisam os cabelos tristemente.
segunda-feira, 22 de dezembro de 2008
Vontade
“a medo vivo, a medo escrevo e falo”
António Ferreira, 1528-1569
António Ferreira, 1528-1569
E se é
verdade o que dizem
sobre o amor não ser eterno.
É devolver o que se sente
ou se pensa que sente,
já sem certeza de nada,
e guardar apenas a memória
de um mundo enganado de
sobre o amor não ser eterno.
É devolver o que se sente
ou se pensa que sente,
já sem certeza de nada,
e guardar apenas a memória
de um mundo enganado de
perfeições inventadas.
E aquele a quem se ama,
E aquele a quem se ama,
composição de
conceitos
próprios,
torna-se entidade livre
de à força ser
imagem e significado
de quem
precisa de o amar.
E se é
verdade que o amor não é eterno.
Pouco importa,
que hei-de
manter as perfeições inventadas
por teimosia de
vontade,
que não escondo nem calo.
Mas entretanto,
a medo escrevo, a medo vivo e falo.
que não escondo nem calo.
Mas entretanto,
a medo escrevo, a medo vivo e falo.
Raquel Patriarca
dezasseis.dezembro.doismileoito
A hora mais exacta
Imagens
que voltavam devagar,
se encostavam a ela sem pudor.
E no silêncio, a esfinge impenetrável,
sabendo-lhe de cor o coração:
desistente dos barcos,
depondo pelo chão de outros palácios
as armas mais preciosas.
“Não posso”, acrescentara,
sentindo aproximar-se a hora
exacta.
Ana Luísa Amaral (Lisboa, 1956-)
in Imagens (2000)
que voltavam devagar,
se encostavam a ela sem pudor.
E no silêncio, a esfinge impenetrável,
sabendo-lhe de cor o coração:
desistente dos barcos,
depondo pelo chão de outros palácios
as armas mais preciosas.
“Não posso”, acrescentara,
sentindo aproximar-se a hora
exacta.
Ana Luísa Amaral (Lisboa, 1956-)
in Imagens (2000)
Carta de Natal a Murilo Mendes
Querido Murilo: será mesmo possível
Que você este ano não chegue no verão
Que seu telefonema não soe na manhã de Julho
Que não venha partilhar o vinho e o pão
Como eu só o via nessa quadra do ano
Não vejo a sua ausência dia-a-dia
Mas em tempo mais fundo que o quotidiano
Descubro a sua ausência devagar
Sem mesmo a ter ainda compreendido
Seria bom Murilo conversar
Neste dia confuso e dividido
Hoje escrevo porém para a Saudade
- Nome que diz permanência do perdido
Para ligar o eterno ao tempo ido
E em Murilo pensar com claridade -
E o poema vai em vez desse postal
Em que eu nesta quadra respondia
- Escrito mesmo na margem do jornal
Na baixa - entre as compras de Natal
Para ligar o eterno e este dia.
Lisboa, 22 de Dezembro de 1975
Sophia de Melo Breyner Andresen (Porto, 1919-2004)
in O Nome das Coisas (1977)
Que você este ano não chegue no verão
Que seu telefonema não soe na manhã de Julho
Que não venha partilhar o vinho e o pão
Como eu só o via nessa quadra do ano
Não vejo a sua ausência dia-a-dia
Mas em tempo mais fundo que o quotidiano
Descubro a sua ausência devagar
Sem mesmo a ter ainda compreendido
Seria bom Murilo conversar
Neste dia confuso e dividido
Hoje escrevo porém para a Saudade
- Nome que diz permanência do perdido
Para ligar o eterno ao tempo ido
E em Murilo pensar com claridade -
E o poema vai em vez desse postal
Em que eu nesta quadra respondia
- Escrito mesmo na margem do jornal
Na baixa - entre as compras de Natal
Para ligar o eterno e este dia.
Lisboa, 22 de Dezembro de 1975
Sophia de Melo Breyner Andresen (Porto, 1919-2004)
in O Nome das Coisas (1977)
O poeta ausente o poema ao lado
Pintura a pastel de José Ferreira
Dissecar. Abrir o poema.
Os versos despidos.
O autor presente.
A procura de caminhos da Nascente
entre fragas e salgueiros, a água
corrente, degelo estalado, caldo
e as gotas do orvalho no acordar
da manhã, estremunhado.
O poeta ao lado.
As letras, metáforas, suspensão
parada de segundos e de novo
vários eles descendo a encosta,
passando junto à casa de tábuas
sem portas; a escada por fora
janelas na entrada.
Alguém diz: - São mais bonitos
os cadernos, as argolas mais
a jeito. Não há quadriculado.
Brancas as folhas, os poetas.
Lembram-se: A Tabacaria.
O poema ao lado.
Aliviado. O poeta diz:"- Não é
costume desmontá-lo." Mas tenta-se,
desfia-se, desaperta o cordão
assenta as emendas nas linhas,
"âncora",alisa a renda, caricia
o bordado.
O poeta revelado.
Aguém se acomoda, foge a cadeira,
o guizo dos ruídos interrompe o
juízo. A sala é de ideias régias
a mesa oval, na pintura da parede
desvela-se um pedaço de tela,
a falha no óleo granizado.
E o poeta alheado.
Olha para o chão, escuta, procura,
a ínfima partícula, a premonição:
não ter usado a palavra certa;
a estrofe manca, a ideia fraca,
as reticências, um ponto final.
A vela acesa.
Não é távola nem redonda, mas há quem mande.
Não há malhas, nem elmos, nem espadas.Os
cadernos, as canetas, nas mãos ao lado
e os espaços brancos das palavras moças.
Dez mais dez
ouvidos pendurados, no elevador dos guardanapos;
sobem e descem nos lábios dos versos,
à mesa dos poetas.
E ele ausente.
Guardando um pouco o segredo,
da musa e da semente!
José Ferreira
27 Novembro 2008
Adeus
Partiu o comboio
Vi-o dançar no trilho
Despenteado
As árvores ao lado
Caindo as folhas
Como em mim
O comboio desapareceu
E as árvores ali despidas
Como eu
Em pé
Eu na estação
E a solidão
E eu nua de ti
Comboios partem, comboios vão
E o sentimento cresce lentamente
Um resto um sedimento
Comboios chegam
E eu na estação
O vento varre os medos dos outros
Eu sou transparente
Fico ali
Como tronco de árvore
Despida de ti
A Primavera há de vestir
As árvores de todas as flores
Mas eu sem nada
Ali na estação
Sei que há comboios que vêm e que vão
Mas é certa esta dor
E eu já não te visto, nem te tenho visto
Nem Outono, nem Inverno, nem Verão
Visto sempre e só a solidão
E a longa certeza dos dias compridos
Vi-o dançar no trilho
Despenteado
As árvores ao lado
Caindo as folhas
Como em mim
O comboio desapareceu
E as árvores ali despidas
Como eu
Em pé
Eu na estação
E a solidão
E eu nua de ti
Comboios partem, comboios vão
E o sentimento cresce lentamente
Um resto um sedimento
Comboios chegam
E eu na estação
O vento varre os medos dos outros
Eu sou transparente
Fico ali
Como tronco de árvore
Despida de ti
A Primavera há de vestir
As árvores de todas as flores
Mas eu sem nada
Ali na estação
Sei que há comboios que vêm e que vão
Mas é certa esta dor
E eu já não te visto, nem te tenho visto
Nem Outono, nem Inverno, nem Verão
Visto sempre e só a solidão
E a longa certeza dos dias compridos
Guernica - O Cavalo
domingo, 21 de dezembro de 2008
O Touro
É força do poder e morde como um lacrau
Olha o homem olho nos olhos
Vendo-o sempre como escolhos à sua santa vontade.
E sabe como fazer da liberdade prisão e do amor brutalidade
E não se deixa seduzir pelo olhar de uma criança
Antes prefere uma trança – o seu cavalo-marinho –
Tanta força e tanto medo, tanto sangue e tanta morte,
E tanto crime branqueado
Não tem dúvida metódica – é pontual o seu terror –
tem uma roda dentada no lugar do coração.
Tem um capote vermelho com que lida a vida humana
e tem um cavalo alado com bandarilhas de morte
Corre o sangue na arena do crime organizado – morrem homens
revoltados de tanta submissão
Deixam-nos viva a memória
António Roma e José Almeida da Silva
Olha o homem olho nos olhos
Vendo-o sempre como escolhos à sua santa vontade.
E sabe como fazer da liberdade prisão e do amor brutalidade
E não se deixa seduzir pelo olhar de uma criança
Antes prefere uma trança – o seu cavalo-marinho –
Tanta força e tanto medo, tanto sangue e tanta morte,
E tanto crime branqueado
Não tem dúvida metódica – é pontual o seu terror –
tem uma roda dentada no lugar do coração.
Tem um capote vermelho com que lida a vida humana
e tem um cavalo alado com bandarilhas de morte
Corre o sangue na arena do crime organizado – morrem homens
revoltados de tanta submissão
Deixam-nos viva a memória
António Roma e José Almeida da Silva
o regresso do filho(a) pródigo(a).
Caros poetas e poetisas:
Antes de mais, as minhas GIGANTESCAS desculpas por não ter aparecido nas duas últimas sessões (com uma incomensurável pena minha), mas não deu mesmo para ir. Das duas vezes mandei mensagem à Ana Luisa a avisar que não poderia estar presente, mas da última vez ficou pendente - o meu velho telemóvel tem-se recusado um pouco a entregar recados!
A verdade é que, nestas duas últimas semanas, transformei a faculdade na minha casa, uma vez que as entregas de projecto e de tudo se aproximavam (todas ao mesmo tempo, graças a uma excelente organização em beneficio dos alunos). E quando digo que a faculdade foi a minha casa, digo-o literalmente, porque só ia a casa (a outra que eu já mal conhecia!) tomar banho e buscar comida para aguentar os dias seguintes. Estou hoje a escrever porque só ontem entrei de ferias às 9 da noite (depois de ter passado uma hora extra na faculdade a recuperar os pedaços da minha vida espalhados, o que inclui colheres, candeeiros, vitaminas e objectos artísticos do mais variado leque) e a minha tremenda felicidade resumiu-se em chegar a casa cair na cama vestida e recuperar das 4 directas que fiz esta semana e que me causaram uma média de 8 horas de sono por semana (o que seria normal ter por dia).
Portanto, tenho a confessar que o que escrevi se resume a legendas de pisos e diferenças de pavimentos e tenho imensas saudades das sessões. Será que alguem me poderia iluminar sobre o conteúdo das sessões a que eu faltei e trabalhos de casa respectivos se fosse possivel? Assim sempre escrevinhava qualquer coisa...
AH! tenho a dizer que foi uma fantástica experiência entrar no blogue e ler os últimos poemas, porque acho que se para alguma coisa o meu afastamento serviu foi para vos poder dizer que depois de duas semanas já se nota uma grande diferença na profundidade e musicalidade dos poemas. Se já eram bons, estão cada vez melhores! Muitos parabéns!
Um beijinho enorme e muitas desculpas a nossa "prezada" ana luisa e a todos os magníficos poetas que as sessões me permitiram conhecer.
ps: Segunda feira lá estarei sem falta para matar saudades!
Maria Inês Beires
Antes de mais, as minhas GIGANTESCAS desculpas por não ter aparecido nas duas últimas sessões (com uma incomensurável pena minha), mas não deu mesmo para ir. Das duas vezes mandei mensagem à Ana Luisa a avisar que não poderia estar presente, mas da última vez ficou pendente - o meu velho telemóvel tem-se recusado um pouco a entregar recados!
A verdade é que, nestas duas últimas semanas, transformei a faculdade na minha casa, uma vez que as entregas de projecto e de tudo se aproximavam (todas ao mesmo tempo, graças a uma excelente organização em beneficio dos alunos). E quando digo que a faculdade foi a minha casa, digo-o literalmente, porque só ia a casa (a outra que eu já mal conhecia!) tomar banho e buscar comida para aguentar os dias seguintes. Estou hoje a escrever porque só ontem entrei de ferias às 9 da noite (depois de ter passado uma hora extra na faculdade a recuperar os pedaços da minha vida espalhados, o que inclui colheres, candeeiros, vitaminas e objectos artísticos do mais variado leque) e a minha tremenda felicidade resumiu-se em chegar a casa cair na cama vestida e recuperar das 4 directas que fiz esta semana e que me causaram uma média de 8 horas de sono por semana (o que seria normal ter por dia).
Portanto, tenho a confessar que o que escrevi se resume a legendas de pisos e diferenças de pavimentos e tenho imensas saudades das sessões. Será que alguem me poderia iluminar sobre o conteúdo das sessões a que eu faltei e trabalhos de casa respectivos se fosse possivel? Assim sempre escrevinhava qualquer coisa...
AH! tenho a dizer que foi uma fantástica experiência entrar no blogue e ler os últimos poemas, porque acho que se para alguma coisa o meu afastamento serviu foi para vos poder dizer que depois de duas semanas já se nota uma grande diferença na profundidade e musicalidade dos poemas. Se já eram bons, estão cada vez melhores! Muitos parabéns!
Um beijinho enorme e muitas desculpas a nossa "prezada" ana luisa e a todos os magníficos poetas que as sessões me permitiram conhecer.
ps: Segunda feira lá estarei sem falta para matar saudades!
Maria Inês Beires
sábado, 20 de dezembro de 2008
Sessão Extra Seguida de Ceia
.
nota importante: por (magnífica) sugestão da Teresa,
cada um é convidado a levar um poema - de preferência seu - para trocarmos como se de prendinhas se tratassem
até breve
só para lembrar...
é com todo o prazer e imbuídos do mais profundo espírito poético, que vimos fazer o seguinte anúncio:
no próximo dia 22 de Dezembro pelas 19.45h
na Reitoria da Universidade do Porto
no próximo dia 22 de Dezembro pelas 19.45h
na Reitoria da Universidade do Porto
terá lugar uma sessão de extra do curso de escrita criativa em poesia
à qual poderão comparecer todos os alunos aprendizes de poetas da primeira e/ou segunda edição
do supracitado curso a sessão decorrerá sob a orientação da poeta mestre de todos nós
Ana Luísa Amaral
do supracitado curso a sessão decorrerá sob a orientação da poeta mestre de todos nós
Ana Luísa Amaral
e será seguida de uma ceia em lírico e saudável convívio
no Papagaio
(cantinho acolhedor e simpático que fica na rua atrás do Piolho e onde já contam com a nossa presença)
no Papagaio
(cantinho acolhedor e simpático que fica na rua atrás do Piolho e onde já contam com a nossa presença)
nota importante: por (magnífica) sugestão da Teresa,
cada um é convidado a levar um poema - de preferência seu - para trocarmos como se de prendinhas se tratassem
até breve
.
.
.
sexta-feira, 19 de dezembro de 2008
Não devias Não devias
Não devias ter olhado o meu vestido
curto as pernas cruzadas
fruto do acaso e à vontade.
Perdi-me nos teus olhos
antes um segundo
vendo que gostavas.
Não devia ter sorrido ao rubor
do teu sentido, tímido ímpeto
de menino, nesse coro tão
exposto tão despido.
Deu na troca de cadeiras
no mesmo tampo de vidro
nas mãos que a medo se tocaram
e se deram num passeio
à Primavera.
Deu nas flores do jardim junto
ao postigo, nas formigas sacudidas
do vestido, nos torrões de raízes
protegidas, nas cores nos aromas
dos futuros vasos e nos lábios
que de sorrisos foram fartos -
passaram aos actos
moraram ternuras
ombros juntos
no mesmo casaco
braços cinturas.
Não devias ter fugido
na vazia madrugada
só por te queria amigo
deitado no meu sofá
adormecido
no fim do filme mudo
da poesia falada
sossegado
e a meu lado.
Não devias Nâo devias
Maria -
curto as pernas cruzadas
fruto do acaso e à vontade.
Perdi-me nos teus olhos
antes um segundo
vendo que gostavas.
Não devia ter sorrido ao rubor
do teu sentido, tímido ímpeto
de menino, nesse coro tão
exposto tão despido.
Deu na troca de cadeiras
no mesmo tampo de vidro
nas mãos que a medo se tocaram
e se deram num passeio
à Primavera.
Deu nas flores do jardim junto
ao postigo, nas formigas sacudidas
do vestido, nos torrões de raízes
protegidas, nas cores nos aromas
dos futuros vasos e nos lábios
que de sorrisos foram fartos -
passaram aos actos
moraram ternuras
ombros juntos
no mesmo casaco
braços cinturas.
Não devias ter fugido
na vazia madrugada
só por te queria amigo
deitado no meu sofá
adormecido
no fim do filme mudo
da poesia falada
sossegado
e a meu lado.
Não devias Nâo devias
Maria -
quinta-feira, 18 de dezembro de 2008
Embalo
I
Dorme meu tesouro dorme
Anjo leve do meu ser
Dorme que eu morro em vida
Canto o teu adormecer
II
Dorme meu tesouro dorme
O meu grito é o meu viver
Canto a chorar a noite
Canto e embalo
E não vivo
III
Dorme meu tesouro dorme
No silêncio que é só teu
O céu não cai
A terra não treme
Eu canto e embalo
E não grito
Dorme meu tesouro dorme
Anjo leve do meu ser
Dorme que eu morro em vida
Canto o teu adormecer
II
Dorme meu tesouro dorme
O meu grito é o meu viver
Canto a chorar a noite
Canto e embalo
E não vivo
III
Dorme meu tesouro dorme
No silêncio que é só teu
O céu não cai
A terra não treme
Eu canto e embalo
E não grito
Liliana Castro e Raquel Patriarca
17.XII.2008
quarta-feira, 17 de dezembro de 2008
A data festiva
Um silêncio de prata e velas acesas
na data festiva.
Olhos grandes ruminam a presença de Reis
andrajos de púrpura, coroas sujas de areias
outrora cegas de luz. As orelhas altas de
asno, o sopro quente, os dentes largos
os invisíveis laços a elevar braços, mãos
e o sorriso do Menino junto a sua Mãe:
manto azul, debrum de pelo, rosto terno
de sentir as ideias concebidas sem... o
pecado de vaidades e sinos dos publicitos
paraísos; reais lugares de tudo querer.
A estrela sem fio de balão a fugir
e o medo do Inverno, do frio,
dos falsos mimos na época festiva.
O Pai, homem de tábuas, aplaina a árvore
torna macia a natureza rugosa da casca
alisa o fuso e a roca, entalha o encaixe,
a cruz de pau que ampara o leito-berço
de calor seguro nas palhas deitado. Agora
usa o cajado de posição elevada, controla
perigo, o imprevisto susto de pés de cabra
nos raios de ouro, incenso, mirra e o fumo
do turíbulo, o hino, o murmúrio a ladainha.
Só não se assusta o Menino, palmas exaustas
dedos de sina, rosto aberto, lábios de menina
e os restos de um trinado e um sorriso que
abre e fecha, enleia e não termina.
Sendo assim esta certeza - a do Menino
também devo acreditar, ser capaz, ser maior
do que a barreira, perna longa de desertos.
Ser mais oásis e miragem de bossas cheias
nos hiatos de remorsos na passagem.
Ser mais macio que choro de nuvem de gotas
desesperadas, desamparadas no chão ao cair
e mais ricas nas misturas do ventre mãe
nas fissuras dos magmas interiores onde
se espraia a lava e se expande a fogueira
fluída de um vulcão.
Sendo, sempre sendo mais
que pó amorfo nas bocas secas do vento.
No manto céu
uma miríade de estrelas, a constelação
(pontas de alfinete no veludo azul)
e os pirilampos faróis alumiam
o barco à deriva.
As ondas divinas guiam
ao colo seguro das baías
nos dias do Menino
na data festiva!
na data festiva.
Olhos grandes ruminam a presença de Reis
andrajos de púrpura, coroas sujas de areias
outrora cegas de luz. As orelhas altas de
asno, o sopro quente, os dentes largos
os invisíveis laços a elevar braços, mãos
e o sorriso do Menino junto a sua Mãe:
manto azul, debrum de pelo, rosto terno
de sentir as ideias concebidas sem... o
pecado de vaidades e sinos dos publicitos
paraísos; reais lugares de tudo querer.
A estrela sem fio de balão a fugir
e o medo do Inverno, do frio,
dos falsos mimos na época festiva.
O Pai, homem de tábuas, aplaina a árvore
torna macia a natureza rugosa da casca
alisa o fuso e a roca, entalha o encaixe,
a cruz de pau que ampara o leito-berço
de calor seguro nas palhas deitado. Agora
usa o cajado de posição elevada, controla
perigo, o imprevisto susto de pés de cabra
nos raios de ouro, incenso, mirra e o fumo
do turíbulo, o hino, o murmúrio a ladainha.
Só não se assusta o Menino, palmas exaustas
dedos de sina, rosto aberto, lábios de menina
e os restos de um trinado e um sorriso que
abre e fecha, enleia e não termina.
Sendo assim esta certeza - a do Menino
também devo acreditar, ser capaz, ser maior
do que a barreira, perna longa de desertos.
Ser mais oásis e miragem de bossas cheias
nos hiatos de remorsos na passagem.
Ser mais macio que choro de nuvem de gotas
desesperadas, desamparadas no chão ao cair
e mais ricas nas misturas do ventre mãe
nas fissuras dos magmas interiores onde
se espraia a lava e se expande a fogueira
fluída de um vulcão.
Sendo, sempre sendo mais
que pó amorfo nas bocas secas do vento.
No manto céu
uma miríade de estrelas, a constelação
(pontas de alfinete no veludo azul)
e os pirilampos faróis alumiam
o barco à deriva.
As ondas divinas guiam
ao colo seguro das baías
nos dias do Menino
na data festiva!
Jantar-convívio de Natal
Muitos comem, bebem, outros dançam alegremente;
...há ruídos absurdos?
- Não, são de festa e de exorcisação,
de absoluta libertação das canseiras
e dos monstros quotidianos,
também da vergonhosa submissão aos ditames do trabalho
e das incertezas da própria existência!...
Alguns comem, outros bebem,
outros demais saltam e riem desaforadamente;
...há ruídos estranhos? Porventura ignóbis?
- Não, são de alegria e de escárnio,
pelo caminho que traçamos sem rumo, ou sem rede,
imbuídos da febre de conquista
dos nossos sonhos e excessivas ambições
que teimamos sem escrúpulos atingir,
mesmo que estrangulados ou dilacerados
antes do clímax final!...
.......................................................................................
E enquanto a noite passa turbulenta,
uns tagarelam, raros bebem, muitos dançam,
outros ao longe fumam num canto, inconsequentemente;
...haverá nesta amálgama quem ouça silêncios
acolhedores, vitais, reconfortantes?
- Sim, há quem veja ali amor,
aromas de rosas sem espinhos,
animais selvagens por eles próprios domados,
espalhando a paz, e convívio em felicidade!
- Sim, há quem sinta sem temor,
que um dia ambicionaremos só carinhos,
e deste frenesim seremos escoltados
até aos campos da concórdia e da equidade!
(Antonio Pinto Oliveira - 07.Dezembro.2008)
...há ruídos absurdos?
- Não, são de festa e de exorcisação,
de absoluta libertação das canseiras
e dos monstros quotidianos,
também da vergonhosa submissão aos ditames do trabalho
e das incertezas da própria existência!...
Alguns comem, outros bebem,
outros demais saltam e riem desaforadamente;
...há ruídos estranhos? Porventura ignóbis?
- Não, são de alegria e de escárnio,
pelo caminho que traçamos sem rumo, ou sem rede,
imbuídos da febre de conquista
dos nossos sonhos e excessivas ambições
que teimamos sem escrúpulos atingir,
mesmo que estrangulados ou dilacerados
antes do clímax final!...
.......................................................................................
E enquanto a noite passa turbulenta,
uns tagarelam, raros bebem, muitos dançam,
outros ao longe fumam num canto, inconsequentemente;
...haverá nesta amálgama quem ouça silêncios
acolhedores, vitais, reconfortantes?
- Sim, há quem veja ali amor,
aromas de rosas sem espinhos,
animais selvagens por eles próprios domados,
espalhando a paz, e convívio em felicidade!
- Sim, há quem sinta sem temor,
que um dia ambicionaremos só carinhos,
e deste frenesim seremos escoltados
até aos campos da concórdia e da equidade!
(Antonio Pinto Oliveira - 07.Dezembro.2008)
terça-feira, 16 de dezembro de 2008
Madrugada
-----------------------------------------------------------Que farei quando tudo arde?
-----------------------------------------------------------Sá de Miranda
-----------------------------------------------------------Sá de Miranda
Era festa, julgaram
que os balões eram livres
e subiam, não viram,
não viram
que uma corrente quente
descia e cobria,
devagar
murchavam de madrugada,
fim de Abril , já ardiam
e arderam.
que os balões eram livres
e subiam, não viram,
não viram
que uma corrente quente
descia e cobria,
devagar
murchavam de madrugada,
fim de Abril , já ardiam
e arderam.
segunda-feira, 15 de dezembro de 2008
Não se esqueça de mim!
Embora não sendo poesia, há poesia e muita emoção neste texto, nesta memória, que partilho convosco.
«Quando eu morrer não se esqueça de mim». A memória esvai-se. Quero-me lembrar da expressão, do sorriso límpido, de uma beleza despovoada como o deserto. Da tua juventude. Não tinhas vinte anos, isso é seguro. «Não se esqueça de mim!» Lembro-me da combina: «Só quero durar até ao Natal». Porquê o Natal, Deus meu? Tu que irias ter com os anjos todos os dias, e contar coisas da Terra e dos homens, tu que fazes já parte do paraíso e sempre fizeste. «Até ao Natal, doutor», depois pare as torneirinhas que regam as minhas veias, tentando manter o verde da vida, das plantas com viço que no meu jardim, à míngua de seiva, soluçam em tons de castanho. «Não se esqueça de mim». Não me esqueço de ti meu menino Jesus feito menina. Tu só querias viver até ao dia em que nasceu aquele que dá sentido às coisas. Porquê meu Deus? Cumpri a minha parte e tu cumpriste a tua. Não mais quimioterapia depois do Natal, só a tranquilidade dos que têm fé e sobem, devagarinho, perante nós. «Não se esqueça de mim». Como te posso esquecer? És só uma voz, uma esperança, um fio de coragem, coisa pequena, apenas regato. E no entanto, amo-te como a uma visão, uma miragem que deixasse uma marca de privilégio por ter tocado a tua mão. Tenho a memória exacta do cancro. Começava no pescoço. Devagarinho subia através da nuca, silencioso, determinado como fera no capim. Penetrava o osso, abria o embrulho que esconde e protege a tua alma, e em tons de branco e cinzento, devagarinho, corroía o cérebro. Primeiro encostou-se, depois embuste, como erva daninha, começou a alimentar-se do teu sangue, sorveu a tua vida, entrou sem pedir licença. Conheci-te porque ao tocar o teu íntimo, a doença, calcula, fazia-te ver estrelas. Pequeninas, brilhantes e fugazes. Estranhas, contudo, porque surgiam durante o dia. «Doutor, não se esqueça de mim». Não me esqueço, nem do remorso pela pirueta de artista amestrado que se enche de orgulho pelo diagnóstico certeiro, ainda que seja o de uma flecha implacável que marca o destino. As estrelas que vê, minha querida, não habitam o céu, são fogo de artifício da doença que a consome. Coisa estranha a epilepsia. O cérebro invadido cria por momentos a ilusão de um firmamento. Eu vou tratá-la, quero dizer, trazer as estrelas à terra e apagá-las com um sopro. Como velas em dia de anos. Ao mesmo tempo, minha querida, apagar a ilusão. Eu próprio baterei palmas ao golpe de mágica que faz desaparecer as estrelas como te afastasse, te adiasse o Céu que no fundo desejavas. «Até ao Natal, doutor, e depois, não se esqueça de mim».Agora, onde estiveres, de certeza que há Mar. Brincas com o Menino Jesus que querias conhecer, a cuja festa de anos não querias faltar, menina que espera o nascimento do irmão. Escavam na areia crateras que a maré enche. Ouvem o adeus das ondas e sentem o abraço do seu retorno. De certeza que discorrem sobre coisas de somenos importância, quem sabe disputam pás e ancinhos, clamando pela Nossa Senhora que ponha ordem naquela disputa. Estou certo que levaste a melhor, e o menino Jesus, a cujos anos não querias faltar, faz carranca e beicinho. Nossa Senhora irá decerto lembrar a generosidade que é necessário te: com quem se convida para os anos.» Deixa a menina brincar». «Só até ao Natal, doutor, e não se esqueça de mim». Não te esqueças tu de mim. Onde estás lembra-te de que cumpri a minha parte, lutei contra a besta que te consumia e de mim te apartava, apaguei as luzes que pareciam estrelas e criei a ilusão de adiar a eternidade. Como se fosse possível, meu Deus, haver vida para além do Natal.
Nuno Lobo Antunes, in Sinto Muito
«Quando eu morrer não se esqueça de mim». A memória esvai-se. Quero-me lembrar da expressão, do sorriso límpido, de uma beleza despovoada como o deserto. Da tua juventude. Não tinhas vinte anos, isso é seguro. «Não se esqueça de mim!» Lembro-me da combina: «Só quero durar até ao Natal». Porquê o Natal, Deus meu? Tu que irias ter com os anjos todos os dias, e contar coisas da Terra e dos homens, tu que fazes já parte do paraíso e sempre fizeste. «Até ao Natal, doutor», depois pare as torneirinhas que regam as minhas veias, tentando manter o verde da vida, das plantas com viço que no meu jardim, à míngua de seiva, soluçam em tons de castanho. «Não se esqueça de mim». Não me esqueço de ti meu menino Jesus feito menina. Tu só querias viver até ao dia em que nasceu aquele que dá sentido às coisas. Porquê meu Deus? Cumpri a minha parte e tu cumpriste a tua. Não mais quimioterapia depois do Natal, só a tranquilidade dos que têm fé e sobem, devagarinho, perante nós. «Não se esqueça de mim». Como te posso esquecer? És só uma voz, uma esperança, um fio de coragem, coisa pequena, apenas regato. E no entanto, amo-te como a uma visão, uma miragem que deixasse uma marca de privilégio por ter tocado a tua mão. Tenho a memória exacta do cancro. Começava no pescoço. Devagarinho subia através da nuca, silencioso, determinado como fera no capim. Penetrava o osso, abria o embrulho que esconde e protege a tua alma, e em tons de branco e cinzento, devagarinho, corroía o cérebro. Primeiro encostou-se, depois embuste, como erva daninha, começou a alimentar-se do teu sangue, sorveu a tua vida, entrou sem pedir licença. Conheci-te porque ao tocar o teu íntimo, a doença, calcula, fazia-te ver estrelas. Pequeninas, brilhantes e fugazes. Estranhas, contudo, porque surgiam durante o dia. «Doutor, não se esqueça de mim». Não me esqueço, nem do remorso pela pirueta de artista amestrado que se enche de orgulho pelo diagnóstico certeiro, ainda que seja o de uma flecha implacável que marca o destino. As estrelas que vê, minha querida, não habitam o céu, são fogo de artifício da doença que a consome. Coisa estranha a epilepsia. O cérebro invadido cria por momentos a ilusão de um firmamento. Eu vou tratá-la, quero dizer, trazer as estrelas à terra e apagá-las com um sopro. Como velas em dia de anos. Ao mesmo tempo, minha querida, apagar a ilusão. Eu próprio baterei palmas ao golpe de mágica que faz desaparecer as estrelas como te afastasse, te adiasse o Céu que no fundo desejavas. «Até ao Natal, doutor, e depois, não se esqueça de mim».Agora, onde estiveres, de certeza que há Mar. Brincas com o Menino Jesus que querias conhecer, a cuja festa de anos não querias faltar, menina que espera o nascimento do irmão. Escavam na areia crateras que a maré enche. Ouvem o adeus das ondas e sentem o abraço do seu retorno. De certeza que discorrem sobre coisas de somenos importância, quem sabe disputam pás e ancinhos, clamando pela Nossa Senhora que ponha ordem naquela disputa. Estou certo que levaste a melhor, e o menino Jesus, a cujos anos não querias faltar, faz carranca e beicinho. Nossa Senhora irá decerto lembrar a generosidade que é necessário te: com quem se convida para os anos.» Deixa a menina brincar». «Só até ao Natal, doutor, e não se esqueça de mim». Não te esqueças tu de mim. Onde estás lembra-te de que cumpri a minha parte, lutei contra a besta que te consumia e de mim te apartava, apaguei as luzes que pareciam estrelas e criei a ilusão de adiar a eternidade. Como se fosse possível, meu Deus, haver vida para além do Natal.
Nuno Lobo Antunes, in Sinto Muito
Al di la
Al di la
Para além das luzes do pinheiro de Natal
Para além dos fios das cabeleiras de prata
Para além da chama que sobe no castiçal
E do brilho dos cristais das bolas em cascata
Para além do aroma dos sonhos e doçuras
Para além da melodia que entoa o disco antigo
Para além das renas sobrevoando nas gravuras
E do esquecimento e do gesto a um amigo
Para além da esperança deslizando no telhado
Para além do segredo do presente embrulhado
Magia, recordação, noite sem igual
Para além da saudade etérea e infinita
Para além da carta que deixaste escrita
Que seja hoje e sempre Natal
Pi
Para além das luzes do pinheiro de Natal
Para além dos fios das cabeleiras de prata
Para além da chama que sobe no castiçal
E do brilho dos cristais das bolas em cascata
Para além do aroma dos sonhos e doçuras
Para além da melodia que entoa o disco antigo
Para além das renas sobrevoando nas gravuras
E do esquecimento e do gesto a um amigo
Para além da esperança deslizando no telhado
Para além do segredo do presente embrulhado
Magia, recordação, noite sem igual
Para além da saudade etérea e infinita
Para além da carta que deixaste escrita
Que seja hoje e sempre Natal
Pi
Natal, e não Dezembro
Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio
no prédio que amanhã for demolido...
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos e depressa, em qualquer sítio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.
Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
Das mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.
David Mourão-Ferreira (Lisboa, 1927-1996)
Cancioneiro de Natal
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio
no prédio que amanhã for demolido...
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos e depressa, em qualquer sítio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.
Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
Das mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.
David Mourão-Ferreira (Lisboa, 1927-1996)
Cancioneiro de Natal
Natal
Leio o teu nome
Na página da noite:
Menino Deus...
E fico a meditar
No milagre dobrado
De ser Deus e menino.
Em Deus não acredito.
Mas de ti como posso duvidar?
Todos os dias nascem
Meninos pobres em currais de gado.
Crianças que são ânsias alargadas
De horizontes pequenos.
Humanas alvoradas...
A divindade é o menos.
Miguel Torga (S. Martinho de Anta, Vila Real, 1907 - Coimbra, 1995)
S. Martinho de Anta, 24 de Dezembro de 1966
Na página da noite:
Menino Deus...
E fico a meditar
No milagre dobrado
De ser Deus e menino.
Em Deus não acredito.
Mas de ti como posso duvidar?
Todos os dias nascem
Meninos pobres em currais de gado.
Crianças que são ânsias alargadas
De horizontes pequenos.
Humanas alvoradas...
A divindade é o menos.
Miguel Torga (S. Martinho de Anta, Vila Real, 1907 - Coimbra, 1995)
S. Martinho de Anta, 24 de Dezembro de 1966
domingo, 14 de dezembro de 2008
SOBRE O TEMA : Nascer ( Contexto do Natal )
P e q u e n o p o e m a
Quando eu nasci,
ficou tudo como estava.
Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu
nem houve Estrelas a mais...
Sòmente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.
Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.
As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém...
P'ra que o dia fosse enorme
bastava toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe.
( Sebastião da Gama, Serra-Mãe )
Quando eu nasci,
ficou tudo como estava.
Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu
nem houve Estrelas a mais...
Sòmente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.
Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.
As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém...
P'ra que o dia fosse enorme
bastava toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe.
( Sebastião da Gama, Serra-Mãe )
O poema morreu e não é notícia
O poema morreu e não é notícia.
Mas, porque quis a história que o poema morresse hoje,
mesmo sem ser notícia, fomos sentar-nos os dois muito quietos,
os corações lado a lado, o olhar a direito.
Tu falaste primeiro: Morto o poema,
é preciso contar ao mundo o caso dos versos agora órfãos.
Vieste depressa, há coisas que ainda dormem. Vês? Deixámos um
longo segundo para trás. O pé no travão, o travão a parar o tempo, o
tempo do som - o do outro que sem ser som vibra a desfazer
silêncios - o corpo já quieto, o fim da saia ainda
em movimento.
Sentámo-nos os dois tão quietos. Os corações lado a lado em
memória de um poema morto.
Não devias ter vindo tão cedo - disse-te. Principalmente num
encontro destes, em vulgar banco de jardim.
Mais um pouco, ter-me-ías acordado. E há questões mais pertinentes:
Morto o poema, em que língua vou falar
o sítio das coisas?
Minês Castanheira (Porto, 1983-) in Inter-cidades (2008)
Mas, porque quis a história que o poema morresse hoje,
mesmo sem ser notícia, fomos sentar-nos os dois muito quietos,
os corações lado a lado, o olhar a direito.
Tu falaste primeiro: Morto o poema,
é preciso contar ao mundo o caso dos versos agora órfãos.
Vieste depressa, há coisas que ainda dormem. Vês? Deixámos um
longo segundo para trás. O pé no travão, o travão a parar o tempo, o
tempo do som - o do outro que sem ser som vibra a desfazer
silêncios - o corpo já quieto, o fim da saia ainda
em movimento.
Sentámo-nos os dois tão quietos. Os corações lado a lado em
memória de um poema morto.
Não devias ter vindo tão cedo - disse-te. Principalmente num
encontro destes, em vulgar banco de jardim.
Mais um pouco, ter-me-ías acordado. E há questões mais pertinentes:
Morto o poema, em que língua vou falar
o sítio das coisas?
Minês Castanheira (Porto, 1983-) in Inter-cidades (2008)
sábado, 13 de dezembro de 2008
Inefável instante obtuso
Não estava perto nem longe do lugar;
cinzelado na figura alta de Rodin.
Nem tão pouco entendia se a distância
trazia o olhar de Camille nos ínvios
caminhos onde obra e arte no conjunto
resplandecia o caminho das estrelas
no céu astral.
Não havia outra razão de procurar
no intermédio se coisa alguma afinal
teria o dom de iluminar esse dia
homem de dias mortais, a noite
o infinito de claridade que redefine
histórias do filme gasto, irracional.
Inefável instante obtuso, suspenso
em névoas de outros sonhos, células
divisas na leveza do ser, asas ténues
delicadas, suaves borboletas de antenas
nascente de aneis circulares, casulos
meditação.
Planalto de incerto limbo
nem perto nem longe do vale
nos braços do vento Leste,
do vento Norte, do Suão: Nós e
o fio aço, o fio ferro, o fio brasa
no mesmo nada, à vez resistindo
à corrosão, crescendo de rugas
nos castanhos óxidos, sugando
fogueiras de calor e brilho,
cada um nas suas cordas bambas
segurando o coração de salto
brusco no equilibrio "Rambo"
da alma.
Não estava perto nem longe de tudo
perto nem longe de nada
naquele lugar.
cinzelado na figura alta de Rodin.
Nem tão pouco entendia se a distância
trazia o olhar de Camille nos ínvios
caminhos onde obra e arte no conjunto
resplandecia o caminho das estrelas
no céu astral.
Não havia outra razão de procurar
no intermédio se coisa alguma afinal
teria o dom de iluminar esse dia
homem de dias mortais, a noite
o infinito de claridade que redefine
histórias do filme gasto, irracional.
Inefável instante obtuso, suspenso
em névoas de outros sonhos, células
divisas na leveza do ser, asas ténues
delicadas, suaves borboletas de antenas
nascente de aneis circulares, casulos
meditação.
Planalto de incerto limbo
nem perto nem longe do vale
nos braços do vento Leste,
do vento Norte, do Suão: Nós e
o fio aço, o fio ferro, o fio brasa
no mesmo nada, à vez resistindo
à corrosão, crescendo de rugas
nos castanhos óxidos, sugando
fogueiras de calor e brilho,
cada um nas suas cordas bambas
segurando o coração de salto
brusco no equilibrio "Rambo"
da alma.
Não estava perto nem longe de tudo
perto nem longe de nada
naquele lugar.
Um poema do David
Na outra noite,de um lado ela
mesmo em frente todos nós
cada um junto dela
ela dentro de nós.
Maria Teresa Horta
Falou-nos sem o peso dos minutos numa auréola encantada de muitas histórias, da tal dimensão que só alguns atingem. Todas as palavras eram leves e sem esforço, naturais, tão claras de sentido, tão deslumbrantes de evidências como se tivessemos sede e de copo ao lado não conseguissemos usar as mãos. Aprendemos a serenidade a tranquilidade de uma mente superior que nunca usou de presunção em momento algum. Fez-nos acreditar que vale a pena lutar pelos nossos sonhos.
Deu-nos asas!
Também falou dos seus amigos, daqueles que lhe rondam a casa na esperança do convite, da partilha dos seus cozinhados. De muitos que são e de outros que já eram.
Dos que já eram destaco outra mulher de força Natália (Correia), ainda o José (Cardoso Pires) e o David (Mourão Ferreira), a quem tratava pelo primeiro nome, como se ainda ali estivessem vindos de uma animada tertúlia trauteando poemas e melodias, enlevados nas teclas de um piano, de um bar muito conhecido, chamado de Botekim,ali à Graça, no bairro da capital.
Há dias deixei um poema simples do David que para mim não deixa de ser bonito (devo dizer que saiu no teste do 8º Ano do meu filho... no exame nacional do último ano... e portanto é bom sabermos que ainda se dá na escola...)
Hoje deixo outro:
INTERIOR
É bom ouvir de noite uma trompa de caça
Despir muito depressa a túnica da Lua
E descobrir o amor no forro de uma casa
onde apenas vibrava a memória de chuva
Depois de arrebatar o corpo da amada
ao ritmo infernal de um batuque de guerra
é bom permanecer na mesa de montagem
misturando Anfião Vivaldi Apollinaire
É bom lançar ao fogo um velho dicionário
É bom o crepitar das palavras antigas
Adivinhar quais são as que por fim renascem
e que sabem voar ao sair ds cinzas
É bom pedir perdão ao som de uma sonata
Segredar num soneto a ária de um remorso
É bom recomeçar com música de Jazz
Vestir sem ninguém ver a túnica de Apolo
mesmo em frente todos nós
cada um junto dela
ela dentro de nós.
Maria Teresa Horta
Falou-nos sem o peso dos minutos numa auréola encantada de muitas histórias, da tal dimensão que só alguns atingem. Todas as palavras eram leves e sem esforço, naturais, tão claras de sentido, tão deslumbrantes de evidências como se tivessemos sede e de copo ao lado não conseguissemos usar as mãos. Aprendemos a serenidade a tranquilidade de uma mente superior que nunca usou de presunção em momento algum. Fez-nos acreditar que vale a pena lutar pelos nossos sonhos.
Deu-nos asas!
Também falou dos seus amigos, daqueles que lhe rondam a casa na esperança do convite, da partilha dos seus cozinhados. De muitos que são e de outros que já eram.
Dos que já eram destaco outra mulher de força Natália (Correia), ainda o José (Cardoso Pires) e o David (Mourão Ferreira), a quem tratava pelo primeiro nome, como se ainda ali estivessem vindos de uma animada tertúlia trauteando poemas e melodias, enlevados nas teclas de um piano, de um bar muito conhecido, chamado de Botekim,ali à Graça, no bairro da capital.
Há dias deixei um poema simples do David que para mim não deixa de ser bonito (devo dizer que saiu no teste do 8º Ano do meu filho... no exame nacional do último ano... e portanto é bom sabermos que ainda se dá na escola...)
Hoje deixo outro:
INTERIOR
É bom ouvir de noite uma trompa de caça
Despir muito depressa a túnica da Lua
E descobrir o amor no forro de uma casa
onde apenas vibrava a memória de chuva
Depois de arrebatar o corpo da amada
ao ritmo infernal de um batuque de guerra
é bom permanecer na mesa de montagem
misturando Anfião Vivaldi Apollinaire
É bom lançar ao fogo um velho dicionário
É bom o crepitar das palavras antigas
Adivinhar quais são as que por fim renascem
e que sabem voar ao sair ds cinzas
É bom pedir perdão ao som de uma sonata
Segredar num soneto a ária de um remorso
É bom recomeçar com música de Jazz
Vestir sem ninguém ver a túnica de Apolo
David Mourão Ferreira
Amor criogénico
Tu querias inundar-me
de beleza,
Mas és belo e incapaz
por natureza
de um degelo
ao amor em rigor mortis
que aqui jaz
Em vez disso, que certeza
tu me dás
Do poder tão criogénico
Tão capaz
e com desvelo
o amor on the rocks
consumirás
A batida é devagar,
A veia pulsa atrasada
Aos flocos o sangue cai
em quase nada
Numa neve
Vascular
Zango-me então contigo
Deixas-me aqui neste estado
Com o peito consumido
E o amor por consumar
Amor em amor fatiado
Meu coração sem sentido
Jaz sentado sem pulsar
Em arca frigorífica
Do meu peito hipermercado
Abatida devagar
A voz é pausa marcada
De flancos o amor cai
Da escada
Numa febre
Glaciar
Não penses que te deixo impune
Depois de gelares o meu peito
Rompeste a corda que une
Fizeste "eu" do "nós" desfeito
Espero-te numa outra esquina
Com veia gelo de assassina
E um revólver apontado
Agora sou eu que grito
Devolve-me já neste instante
Todo o tempo que tomaste
Do meu coração assaltado
Meu coração assaltante
Criminoso amor tornaste
Agora sou eu que dito
Cem mil dias de cobrança
Pelo amor que é sentença
Teu amor, tua poupança
Que nunca comigo gastaste
Não chames que te trago de volta
Depois dos teus crio-danos
Deixaste meus sonhos à solta
Agora solta os meus planos
Bate o dente, bate o dente
Nem que tente, nada tenho
Coragem, vontade ou empenho
De te assaltar o calor
E vejo os logrados desejos
De um amor que degele
Este frio, esta tristeza
Olho e tu já não estás
Debaixo da minha mesa
Mas persistes sob a pele
de beleza,
Mas és belo e incapaz
por natureza
de um degelo
ao amor em rigor mortis
que aqui jaz
Em vez disso, que certeza
tu me dás
Do poder tão criogénico
Tão capaz
e com desvelo
o amor on the rocks
consumirás
A batida é devagar,
A veia pulsa atrasada
Aos flocos o sangue cai
em quase nada
Numa neve
Vascular
Zango-me então contigo
Deixas-me aqui neste estado
Com o peito consumido
E o amor por consumar
Amor em amor fatiado
Meu coração sem sentido
Jaz sentado sem pulsar
Em arca frigorífica
Do meu peito hipermercado
Abatida devagar
A voz é pausa marcada
De flancos o amor cai
Da escada
Numa febre
Glaciar
Não penses que te deixo impune
Depois de gelares o meu peito
Rompeste a corda que une
Fizeste "eu" do "nós" desfeito
Espero-te numa outra esquina
Com veia gelo de assassina
E um revólver apontado
Agora sou eu que grito
Devolve-me já neste instante
Todo o tempo que tomaste
Do meu coração assaltado
Meu coração assaltante
Criminoso amor tornaste
Agora sou eu que dito
Cem mil dias de cobrança
Pelo amor que é sentença
Teu amor, tua poupança
Que nunca comigo gastaste
Não chames que te trago de volta
Depois dos teus crio-danos
Deixaste meus sonhos à solta
Agora solta os meus planos
Bate o dente, bate o dente
Nem que tente, nada tenho
Coragem, vontade ou empenho
De te assaltar o calor
E vejo os logrados desejos
De um amor que degele
Este frio, esta tristeza
Olho e tu já não estás
Debaixo da minha mesa
Mas persistes sob a pele
El indepentista aburrido
Cerca de un ecepticismo exaservado y más que propenso a un ataque de ira que de catatonía existencial,
ofrezco mi mirada de elefante espantado por un ratoncito,
mi zarpaso felino a una bola de hilo,
mi hululular fantasmágorico una noche de halloween,
mi pasito duranguense y un trago de tquila,
A todos esos que creen en los “ismos”
Lo sé, no me he manifestado en a favor del desarme,
Y eso es belicismo
Ni contra el calentamiento global,
y eso no es ambientalismo
Porque he hablado inocuamente de las dictaduras,
Y eso es comunismo
Me he me he declarado abiertamente ateo
Y eso no es cristianismo.
Finalmente porque aún creo en la revolución
Y eso es terrorismo.
Para que no se diga que en nada he colaborado,
que solo he puesto mi cara indecente,
de pedófilo frente al crepúsculo,
de simbárita ante el hambre,
Porque he barrido el suelo por un par de nalgas con forma de maniqui en búsqueda de labios ansiosos de esperma
por ser un suicida,
sin pólvora,
sin filos,
sin alturas,
sin cuerdas,
sin ventanas abiertas,
En suma, por tener tan pocas ganas de abrir los ojos,
y colgar mis sueños a lo largo del dia,
recogerlos,
para tirarlos a la basura.
Sí, soy culpable de detestar las ambigüedades de solución fasista.
De declararme,
Moralmente incapasitado,
para poder destiniguir al PC de la Pc,
la OTAN del PATAN,
Los EU de la UE
Yo me digo, que prefiero ser un agujero por donde no pasa hilo
una cerradura oxidada
un catalejo de lentes borrosos,
un anuncio de pasta de dientes sin sonrisas,
un cero a lado de un -1
Al final,
tan sexy como un labio lepurino
desconsertante como la mirada estrabista
inrresistible como una coca-cola
a veces incomprensible como una película de David Lynch
Por último; Y porque nunca dije: tomen mi opinión y vendala, o toménla en cuanta, o aqui estoy, quiero que me escuchen Solo es que quizé parecer frío, morbido, calculador, analista, un maldito estratega, un estúpido filosofo-cientista, un marica escribiendo cartas, una ofinista cogiendo con su jefe,un escritor limpiando baños porque no quiere vivir de contar patrañas y mas, siempre se esta masturbando la cabeza,
La verdad nunca dije que no fuera:
-un secuestrador-violador de estrellas de cine que al oído les dice; es tú mejor filme, disfruta porque esta es la más inolvidable de tus actuaciones...
Siento por supuesto que levanto un poco de humo, cuando digo que jamás he llegado a explicar algo hasta el absurdo de preguntarle a mi interlocutor: tienes alguna otra pregunta acerca del tema?
-De eso, no soy culpable...
Roberto Diaz, 2008
ofrezco mi mirada de elefante espantado por un ratoncito,
mi zarpaso felino a una bola de hilo,
mi hululular fantasmágorico una noche de halloween,
mi pasito duranguense y un trago de tquila,
A todos esos que creen en los “ismos”
Lo sé, no me he manifestado en a favor del desarme,
Y eso es belicismo
Ni contra el calentamiento global,
y eso no es ambientalismo
Porque he hablado inocuamente de las dictaduras,
Y eso es comunismo
Me he me he declarado abiertamente ateo
Y eso no es cristianismo.
Finalmente porque aún creo en la revolución
Y eso es terrorismo.
Para que no se diga que en nada he colaborado,
que solo he puesto mi cara indecente,
de pedófilo frente al crepúsculo,
de simbárita ante el hambre,
Porque he barrido el suelo por un par de nalgas con forma de maniqui en búsqueda de labios ansiosos de esperma
por ser un suicida,
sin pólvora,
sin filos,
sin alturas,
sin cuerdas,
sin ventanas abiertas,
En suma, por tener tan pocas ganas de abrir los ojos,
y colgar mis sueños a lo largo del dia,
recogerlos,
para tirarlos a la basura.
Sí, soy culpable de detestar las ambigüedades de solución fasista.
De declararme,
Moralmente incapasitado,
para poder destiniguir al PC de la Pc,
la OTAN del PATAN,
Los EU de la UE
Yo me digo, que prefiero ser un agujero por donde no pasa hilo
una cerradura oxidada
un catalejo de lentes borrosos,
un anuncio de pasta de dientes sin sonrisas,
un cero a lado de un -1
Al final,
tan sexy como un labio lepurino
desconsertante como la mirada estrabista
inrresistible como una coca-cola
a veces incomprensible como una película de David Lynch
Por último; Y porque nunca dije: tomen mi opinión y vendala, o toménla en cuanta, o aqui estoy, quiero que me escuchen Solo es que quizé parecer frío, morbido, calculador, analista, un maldito estratega, un estúpido filosofo-cientista, un marica escribiendo cartas, una ofinista cogiendo con su jefe,un escritor limpiando baños porque no quiere vivir de contar patrañas y mas, siempre se esta masturbando la cabeza,
La verdad nunca dije que no fuera:
-un secuestrador-violador de estrellas de cine que al oído les dice; es tú mejor filme, disfruta porque esta es la más inolvidable de tus actuaciones...
Siento por supuesto que levanto un poco de humo, cuando digo que jamás he llegado a explicar algo hasta el absurdo de preguntarle a mi interlocutor: tienes alguna otra pregunta acerca del tema?
-De eso, no soy culpable...
Roberto Diaz, 2008
Gambeto
Tenderte,
sí,
desdoblarte,
como si fueras un mapa
al que solo acudo a buscar reflejos,
ecos de ubicaciones prefabricadas,
espejos caleginosos
donde perder el camino sea más fácil;
Supongo
que lo que quiero es extrañarte,
alejándome del punto vacío
por donde nuestras despedidas se cruzaron
como crucigramas
que encerraban miradas
y gestos mullidos,
Tuvimos que callarnos...?
Para decir:
Tal vez sea,
que te encuentreen el infierno,
olvidada de las lineas de mano pútrida,
descompuesta, apestando a estiércol,
que ahí anhelará tocarte
esfúmandose en un latido
como perro horrorizado,
como un guate ajeno corrído a la sombra
por el fuego semejante a una tumba,
meditando
que el futuro
es solo su desaparición,
en rastros
de sudores inahalados
de pistolas no empuãnadas
ydejos acuosos
de lágrimas o
sáliva evaporada.
Pudimos decir:
No te veré más:
Mañana me saco los ojos,
con un abrelatas desepcionado
que esperaba
nenúfares de mi alma
y solo recibió limazas coprofágas
caracoles descabezados,
un par de testiculos emplazados
a producir más esperma para callar cualquier ansia
Roberto Diaz, 2008
sí,
desdoblarte,
como si fueras un mapa
al que solo acudo a buscar reflejos,
ecos de ubicaciones prefabricadas,
espejos caleginosos
donde perder el camino sea más fácil;
Supongo
que lo que quiero es extrañarte,
alejándome del punto vacío
por donde nuestras despedidas se cruzaron
como crucigramas
que encerraban miradas
y gestos mullidos,
Tuvimos que callarnos...?
Para decir:
Tal vez sea,
que te encuentreen el infierno,
olvidada de las lineas de mano pútrida,
descompuesta, apestando a estiércol,
que ahí anhelará tocarte
esfúmandose en un latido
como perro horrorizado,
como un guate ajeno corrído a la sombra
por el fuego semejante a una tumba,
meditando
que el futuro
es solo su desaparición,
en rastros
de sudores inahalados
de pistolas no empuãnadas
ydejos acuosos
de lágrimas o
sáliva evaporada.
Pudimos decir:
No te veré más:
Mañana me saco los ojos,
con un abrelatas desepcionado
que esperaba
nenúfares de mi alma
y solo recibió limazas coprofágas
caracoles descabezados,
un par de testiculos emplazados
a producir más esperma para callar cualquier ansia
Roberto Diaz, 2008
quinta-feira, 11 de dezembro de 2008
quarta-feira, 10 de dezembro de 2008
CUMPRIR LIMITES, NÃO CUMPRINDO AS REGRAS:
CUMPRIR LIMITES, NÃO CUMPRINDO AS REGRAS:
O EXCESSO NA POESIA DE MARIA TERESA HORTA
Ana Luísa Amaral
Recensão ao livro de Maria Teresa Horta, Antologia pessoal, 100 poemas, (Lisboa, Gótica, 2003), in Relâmpago, nº 14, Abril, 2004, pp. 131-133
O EXCESSO NA POESIA DE MARIA TERESA HORTA
Ana Luísa Amaral
Recensão ao livro de Maria Teresa Horta, Antologia pessoal, 100 poemas, (Lisboa, Gótica, 2003), in Relâmpago, nº 14, Abril, 2004, pp. 131-133
The Road of Excess leads to the Palace of Wisdom.
William Blake
William Blake
Não pretendo mais do que o limite,
que para além do limite
já se entrega
eu cumpro os meus
limites
não cumprindo as regras
Maria Teresa Horta
“Tacteio à minha / volta / e é só fulgor … // Para a minha sede / nenhuma água chega”. São estas a primeira e última estrofes do poema que figura na contracapa da colectânea de poemas de Maria Teresa Horta, agora dada à estampa pela Gótica. O poema, intitulado justamente “Fulgor”, pode ser pretexto para começar a falar desta poesia como uma poesia de excesso, um aspecto que atravessa todos os livros publicados por Maria Teresa Horta e continua presente nesta selecção, que reúne poemas publicados entre 1960 (Espelho Inicial) e 1999 (Só de Amor) — ressalve-se que, a fechar o livro, se encontram ainda textos inseridos no volume Vozes e Olhares no Feminino, de 2001.
Estamos, então, perante uma antologia pessoal, de cem poemas escolhidos. Sublinho escolhidos, porque a selecção não poderia, a meu ver, ter sido mais feliz. Se se mantém nesta antologia o elemento de excesso, característico, como disse já, da escrita de Maria Teresa Horta, e se continuamos a detectar aqui dois grandes vectores estruturantes, que são o corpo sexual e erotizado e o corpo do texto, erotizado também, o que é certo é que a exclusão de muitos poemas veio transformar este volume num livro novo e diferente, que permite, mais do que revisitar, redescobrir e admirar esta poesia, tão injustamente negligenciada ou mal ajuizada. Seleccionar cem poemas de entre centenas, distribuídos por quinze livros, significa uma enorme capacidade de auto-crítica, mas significa também um gesto de abdicação e contenção, que, aparentemente, colide com a dimensão excessiva de que falei acima. Só aparentemente, todavia, já que esta contenção acaba por tornar ainda mais evidente a presença do excesso, sendo excesso entendido aqui não só como o que se afasta da norma (nesse sentido, o excesso será a diferença), mas ainda como aquilo que a ultrapassa em demasia. É esse demasiado, ou ilimitado, esse lugar de ruptura-para-lá-da-ruptura, que é difícil isolar e definir. Mas, porque o limite se encontra além da norma, num espaço onde a questão da infracção deixa de contar, transgressão, subversão e limite não são elementos alternativos, mas momentos tangentes. Por isso se pode dizer, no poema de que me servi como epígrafe, e que é um dos três únicos poemas do livro que não tem título, que é possível “cumprir … limites, / não cumprindo as regras” (p. 111).
Encontramo-nos, assim, perante uma poesia (e uma poética) servida por dois processos de ruptura com a norma: a transgressão e a subversão. Se a transgressão não destrói o sistema, visto criar um sistema paralelo, a subversão, por seu lado, porque parte de dentro do próprio sistema, efectua sobre ele um efeito de corrosão, que o abala. Os dois processos estão presentes nesta poesia. E ambos resultam numa grande novidade.
Penso que a subversão na poesia de Maria Teresa Horta reside num inteligente aproveitamento da tradição poética ocidental, para, a partir dela, se criar uma versão outra (uma sub-versão): é assim que, a partir da éducation sentimentale de Fréderic, se inventa uma nova Educação Sentimental (1975), onde a mulher pode agora dizer “do [seu] corpo / o uso dos [s]eus dias”, ou da “alegria / do corpo sem disfarce” (p. 95), ou despudoradamente falar da aprendizagem “[d]o vagar da arte” do amor e do erotismo, onde cabem “dedos”, “mãos”, “braços”, e também “suco”, “pénis”, “seios”, “a seda da pele / das virilhas” (pp. 96-7); é assim também que o medieval “minha senhor”, forma de tratamento dado pelo homem à mulher no amor cortês, será re-elaborado, através da reivindicação de um espaço de mulher autónomo e livre, e transformado em “minha senhora de mim” (título para poema e para um dos mais célebres livros de Maria Teresa Horta, publicado em 1971 e retirado pela censura), onde é até permitido ao sujeito feminino “desaver-se” consigo própria (p. 67).
Por outro lado, ou em simultâneo, assiste-se a um processo de transgressão que é notório desde os primeiros livros, aqui epitomizados no “Poema de Insubordinação” (p. 8), evoluindo ao longo dos outros livros. Poderíamos, nesse sentido, isolar inúmeros textos desta antologia, em que são desafiadas as convenções da poesia lírica amorosa, ao instituir-se o sujeito feminino como enunciador e encenador do desejo e elemento de domínio da relação, ou ao proceder-se à re-distribuição, mais do que à inversão, de papéis sexuais tradicionalmente instituídos. São disto exemplos o poema “Segredo” (p. 72), do livro Minha Senhora de Mim (1972): “Não contes do meu / vestido / que tiro pela cabeça // Nem que corro os / cortinados / para uma sombra mais espessa (…) Não contes do meu / novelo / nem da roca de fiar // nem o que faço / com eles / a fim de te ouvir gritar”); ou o poema “Docemente” (p. 89), do livro Educação Sentimental (1975): “Docemente / disponho dos teus braços // dos peixes que navegam / docemente”); ou o poema, intitulado precisamente “Do Excesso” (pp. 121-2), do livro Destino (1997), em que, a dado momento, se pode ler: “Tu escusas o escusado / e só no excesso / me encontrarás a beijar-te o corpo louco // Sou eu que ponho aquilo / que tu vestes / e disponho daquilo que tu escondes” (p. 122); ou, finalmente, o poema “Foz” (p. 138), do livro Só de Amor (1999), em que o sujeito poético, claramente identificado como feminino, se auto-define como “espada”.
Estamos, pois, perante um conjunto de poemas criteriosamente seleccionados e arrumados, o que torna muito mais evidente e fácil detectar estes processos, bem como neles verificar a preocupação constante com o corpo e o corpo do texto. Por isso, ao “dizer do corpo / o corpo da poesia // Os ombros / os seios / o ventre” é “pensar” e “escrever / do corpo / o corpo da poesia” (pp. 125-6), acompanhado pelos “silêncios da fala”, o “silêncio que posto / em cima do silêncio”, como um corpo sobre outro corpo, “usurpa do silêncio o seu magro labor” (p. 162), o sujeito de enunciação reconhece-se como “a voz / onde invent[a] o nada” (p. 138). Nessa invenção (ou reinvenção), é possível à mulher poeta reivindicar o estatuto de “bruxa da palavra” (p. 104), ocupando-se, num gesto novo, subversivo da relevância das musas, de uma maternidade para os poetas — “Quem são as mães / dos poetas? As fadas das serras altas? / As bruxas da floresta?” (p. 123) —, ao mesmo tempo que definindo-os (e definindo-se) como “alquimistas do futuro” (p. 124).
É ainda interessante verificar as diferentes ocorrências de negativas nos poemas que aqui se apresentam, pelo sentido que contêm de afirmativa autonomia: “Não sou escrava / de lamento … // não quero anéis / de aceite / para enfeitar os meus olhos” (p. 69); “Não ergas / meu cavalo / as crinas da memória” (p. 82); “A bota não faz / a espora … // Desterro não faz domínio” (p. 60). “«No» is the wildest Word we consign to Language”, escrevia Emily Dickinson. Na poesia de Maria Teresa Horta exercita-se também um gesto semelhante de força e energia, e tantas vezes violência, porque ser-se “senhora do [s]eu silêncio / com tantos quartos fechados” (p. 68) equivale a instaurar uma espécie de desordem ordenada, em que se pode ser “raivosamente instável” (p. 119).
Maria Teresa Horta elegeu, para encerrar esta antologia (que aproveita dos livros Verão Coincidente (1962), Candelabro (1964), Minha Senhora de Mim (1971), Os Anjos (1983) e Destino (1997), os poemas que antes os estruturavam e lhes davam título), o poema “Os silêncios da fala”, já aqui referido, esse poema que fala do silêncio que “usurpa do silêncio o seu magro labor” — o da poesia. O poema que o antecede intitula-se “Português” (pp. 160-1) e é dos melhores exemplos da fusão entre corpo e corpo textual — ambos erotizados e transgressores ambos. Nesse poema, de 2001, retoma-se a imagética do desejo, retomam-se as redes de oposições e contrastes, tal como se retoma a subversão de espaços tradicionalmente femininos, a que pertencem “a roca e o bordado”, para a seguir se diluírem as dimensões literal e simbólica de corpo. “Se a língua ganha / a dimensão da escrita / E a escrita ganha / a dimensão do mundo” (p. 160) — assim começa o poema. E, da hipótese proposta, que se detém no corpo da palavra e nas suas infinitas possibilidades, conclui-se que “[d]escer é preciso até ao fundo / na busca das raízes da saliva / que na boca vão misturar tudo” (id.). Este processo de fusão entre corpo e corpo textual, entre língua e linguagem, culmina nos versos “O tempo a confundir qualquer abraço / entre o visto e o escrito” (p. 161). E assim se confundem e se fundem o palpável e tangível corpo com o impalpável e intangível texto. Ambos capazes de exercitar a liberdade de “subir a pulso / o mundo” (id.).
“Subir a pulso o mundo” — julgo que não haverá melhor expressão para caracterizar esta escolha rigorosa e feliz, a marcar, em cem poemas, quarenta anos de uma poesia nova.
Estamos, então, perante uma antologia pessoal, de cem poemas escolhidos. Sublinho escolhidos, porque a selecção não poderia, a meu ver, ter sido mais feliz. Se se mantém nesta antologia o elemento de excesso, característico, como disse já, da escrita de Maria Teresa Horta, e se continuamos a detectar aqui dois grandes vectores estruturantes, que são o corpo sexual e erotizado e o corpo do texto, erotizado também, o que é certo é que a exclusão de muitos poemas veio transformar este volume num livro novo e diferente, que permite, mais do que revisitar, redescobrir e admirar esta poesia, tão injustamente negligenciada ou mal ajuizada. Seleccionar cem poemas de entre centenas, distribuídos por quinze livros, significa uma enorme capacidade de auto-crítica, mas significa também um gesto de abdicação e contenção, que, aparentemente, colide com a dimensão excessiva de que falei acima. Só aparentemente, todavia, já que esta contenção acaba por tornar ainda mais evidente a presença do excesso, sendo excesso entendido aqui não só como o que se afasta da norma (nesse sentido, o excesso será a diferença), mas ainda como aquilo que a ultrapassa em demasia. É esse demasiado, ou ilimitado, esse lugar de ruptura-para-lá-da-ruptura, que é difícil isolar e definir. Mas, porque o limite se encontra além da norma, num espaço onde a questão da infracção deixa de contar, transgressão, subversão e limite não são elementos alternativos, mas momentos tangentes. Por isso se pode dizer, no poema de que me servi como epígrafe, e que é um dos três únicos poemas do livro que não tem título, que é possível “cumprir … limites, / não cumprindo as regras” (p. 111).
Encontramo-nos, assim, perante uma poesia (e uma poética) servida por dois processos de ruptura com a norma: a transgressão e a subversão. Se a transgressão não destrói o sistema, visto criar um sistema paralelo, a subversão, por seu lado, porque parte de dentro do próprio sistema, efectua sobre ele um efeito de corrosão, que o abala. Os dois processos estão presentes nesta poesia. E ambos resultam numa grande novidade.
Penso que a subversão na poesia de Maria Teresa Horta reside num inteligente aproveitamento da tradição poética ocidental, para, a partir dela, se criar uma versão outra (uma sub-versão): é assim que, a partir da éducation sentimentale de Fréderic, se inventa uma nova Educação Sentimental (1975), onde a mulher pode agora dizer “do [seu] corpo / o uso dos [s]eus dias”, ou da “alegria / do corpo sem disfarce” (p. 95), ou despudoradamente falar da aprendizagem “[d]o vagar da arte” do amor e do erotismo, onde cabem “dedos”, “mãos”, “braços”, e também “suco”, “pénis”, “seios”, “a seda da pele / das virilhas” (pp. 96-7); é assim também que o medieval “minha senhor”, forma de tratamento dado pelo homem à mulher no amor cortês, será re-elaborado, através da reivindicação de um espaço de mulher autónomo e livre, e transformado em “minha senhora de mim” (título para poema e para um dos mais célebres livros de Maria Teresa Horta, publicado em 1971 e retirado pela censura), onde é até permitido ao sujeito feminino “desaver-se” consigo própria (p. 67).
Por outro lado, ou em simultâneo, assiste-se a um processo de transgressão que é notório desde os primeiros livros, aqui epitomizados no “Poema de Insubordinação” (p. 8), evoluindo ao longo dos outros livros. Poderíamos, nesse sentido, isolar inúmeros textos desta antologia, em que são desafiadas as convenções da poesia lírica amorosa, ao instituir-se o sujeito feminino como enunciador e encenador do desejo e elemento de domínio da relação, ou ao proceder-se à re-distribuição, mais do que à inversão, de papéis sexuais tradicionalmente instituídos. São disto exemplos o poema “Segredo” (p. 72), do livro Minha Senhora de Mim (1972): “Não contes do meu / vestido / que tiro pela cabeça // Nem que corro os / cortinados / para uma sombra mais espessa (…) Não contes do meu / novelo / nem da roca de fiar // nem o que faço / com eles / a fim de te ouvir gritar”); ou o poema “Docemente” (p. 89), do livro Educação Sentimental (1975): “Docemente / disponho dos teus braços // dos peixes que navegam / docemente”); ou o poema, intitulado precisamente “Do Excesso” (pp. 121-2), do livro Destino (1997), em que, a dado momento, se pode ler: “Tu escusas o escusado / e só no excesso / me encontrarás a beijar-te o corpo louco // Sou eu que ponho aquilo / que tu vestes / e disponho daquilo que tu escondes” (p. 122); ou, finalmente, o poema “Foz” (p. 138), do livro Só de Amor (1999), em que o sujeito poético, claramente identificado como feminino, se auto-define como “espada”.
Estamos, pois, perante um conjunto de poemas criteriosamente seleccionados e arrumados, o que torna muito mais evidente e fácil detectar estes processos, bem como neles verificar a preocupação constante com o corpo e o corpo do texto. Por isso, ao “dizer do corpo / o corpo da poesia // Os ombros / os seios / o ventre” é “pensar” e “escrever / do corpo / o corpo da poesia” (pp. 125-6), acompanhado pelos “silêncios da fala”, o “silêncio que posto / em cima do silêncio”, como um corpo sobre outro corpo, “usurpa do silêncio o seu magro labor” (p. 162), o sujeito de enunciação reconhece-se como “a voz / onde invent[a] o nada” (p. 138). Nessa invenção (ou reinvenção), é possível à mulher poeta reivindicar o estatuto de “bruxa da palavra” (p. 104), ocupando-se, num gesto novo, subversivo da relevância das musas, de uma maternidade para os poetas — “Quem são as mães / dos poetas? As fadas das serras altas? / As bruxas da floresta?” (p. 123) —, ao mesmo tempo que definindo-os (e definindo-se) como “alquimistas do futuro” (p. 124).
É ainda interessante verificar as diferentes ocorrências de negativas nos poemas que aqui se apresentam, pelo sentido que contêm de afirmativa autonomia: “Não sou escrava / de lamento … // não quero anéis / de aceite / para enfeitar os meus olhos” (p. 69); “Não ergas / meu cavalo / as crinas da memória” (p. 82); “A bota não faz / a espora … // Desterro não faz domínio” (p. 60). “«No» is the wildest Word we consign to Language”, escrevia Emily Dickinson. Na poesia de Maria Teresa Horta exercita-se também um gesto semelhante de força e energia, e tantas vezes violência, porque ser-se “senhora do [s]eu silêncio / com tantos quartos fechados” (p. 68) equivale a instaurar uma espécie de desordem ordenada, em que se pode ser “raivosamente instável” (p. 119).
Maria Teresa Horta elegeu, para encerrar esta antologia (que aproveita dos livros Verão Coincidente (1962), Candelabro (1964), Minha Senhora de Mim (1971), Os Anjos (1983) e Destino (1997), os poemas que antes os estruturavam e lhes davam título), o poema “Os silêncios da fala”, já aqui referido, esse poema que fala do silêncio que “usurpa do silêncio o seu magro labor” — o da poesia. O poema que o antecede intitula-se “Português” (pp. 160-1) e é dos melhores exemplos da fusão entre corpo e corpo textual — ambos erotizados e transgressores ambos. Nesse poema, de 2001, retoma-se a imagética do desejo, retomam-se as redes de oposições e contrastes, tal como se retoma a subversão de espaços tradicionalmente femininos, a que pertencem “a roca e o bordado”, para a seguir se diluírem as dimensões literal e simbólica de corpo. “Se a língua ganha / a dimensão da escrita / E a escrita ganha / a dimensão do mundo” (p. 160) — assim começa o poema. E, da hipótese proposta, que se detém no corpo da palavra e nas suas infinitas possibilidades, conclui-se que “[d]escer é preciso até ao fundo / na busca das raízes da saliva / que na boca vão misturar tudo” (id.). Este processo de fusão entre corpo e corpo textual, entre língua e linguagem, culmina nos versos “O tempo a confundir qualquer abraço / entre o visto e o escrito” (p. 161). E assim se confundem e se fundem o palpável e tangível corpo com o impalpável e intangível texto. Ambos capazes de exercitar a liberdade de “subir a pulso / o mundo” (id.).
“Subir a pulso o mundo” — julgo que não haverá melhor expressão para caracterizar esta escolha rigorosa e feliz, a marcar, em cem poemas, quarenta anos de uma poesia nova.
Natal Cristão - Transfiguração Humana
Todos os anos em Dezembros sombrios,
almas vivas se engalanam,
pairando no espaço e na Terra,
em extremo fulgor , contagiante alegria.
Seres vivos que tropeçam
na Glória de um nascimento "mágico",
longínquo, de há 2000 anos atrás!...
Nasceu um Menino, chamaram-lhe Jesus,
tolerante, lutador, pacifista, controverso,
que lutou por um mundo diferente,
melhorado, benfazejo,
já então um mundo repleto de radicalismos
e povoado de imensas injustiças e déspotas!
Assim nasceu e cresceu Cristo Homem,
humilde e sonhador,
tendo a paz como única ambição,
lutando pela igualdade dos homens,
mas também pelo amor e concórdia duradoira...
Tão poucas ambições e tão desmedidas!...
.....................................................................
Todos nós nos transfiguramos em Dezembro,
todos os anos, espontaneamente,
irmanados por uma espiritualidade envolvente,
por uma amizade "pueril", quase ilógica,
mas despida de preconceitos,
desconcertante mas fisiológica,
e absolutamente real e paradigmática.
Assim nos procuramos alcandorar aos Céus,
como se lá estivessem todas as soluções
para os nossos descontentamentos
e outras tantas e tamanhas frustrações!
Ciclicamente nos transfiguramos todos os anos,
como a pedir uma vez mais um nascimento fulcral,
que fosse ainda mais marcante
do que aquele de há dois mil anos,
confidenciando a nós próprios que tudo seria diferente:
- seria uma situação nova,
esplendorosa, única, magnificente,
que criaria um carinho esfusiante
e um caminho apoteótico a não perder!...
Em respeito àquele Menino
e de tanto Nele pensarmos,
todos os anos nos transfiguramos, por tempo curto,
em auto-confissão absurda, contudo ponderada,
com a linear promessa de O receber condignamente,
numa próxima vez,
de braços abertos, com frontalidade,
com uma verdade nova, mimos incontáveis,
mesmo um amor supra-fraternal, insuperável...
Prometemos tudo aquilo
que apenas vivemos em Dezembros sombrios,
após um ano de louco trabalho,
conflitos e guerras ainda mais sombrias.
Consequentemente a distúrbios
e à desolação humana,
ambicionamos o Dezembro espiritual do Menino Jesus !...
Todos os anos em Dezembro
prometemos expandir a solidariedade,
agora conseguida sem esforço por ser Dezembro,
simultaneamente embalados pelo Menino
e em homenagem ao Mesmo.
Sentimos que voluntariamente
envergamos com espontaneidade
a roupagem da simplicidade e do altruísmo,
da veracidade e da respeitabilidade
e a negação de toda a conflituosidade!...
.................................................................................
Tudo isto acontece em honra
e por submissão ao Menino,
com festejos apenas em Dezembros sombrios,
quando Ele concerteza,
no auge do seu voluntarismo e do seu fervor,
quiz que fosse criado um Natal de todos os dias,
de todas as semanas, ou sequer de todos os meses!
Mas nós teimamos que o Natal
aconteça apenas em Dezembro...
............................................................................
Assim, para salvaguarda do mundo,
pela perene alegria de todos nós meninos,
devemos olhar à nossa volta,
sangrar a raiva dos cretinos,
gritando sem dó uma revolta
pela frustração de não sermos genuínos!
Assim, teremos que lutar de modo mais profundo,
por Natais mais solarentos,
mais íntimos e mais verdadeiros,
com raiva, amor, constância e maior fragrância,
homenageando os Amigos da paz, os " não matreiros ",
para que abundem Natais mais castos,
num Planeta de maior e radiosa elegância!
Antonio Pinto Oliveira, in " Andanças do pensamento - 12 Temas polémicos",
Livro na forja ( a editar em 2009).
(Peço sinceras desculpas por ter andado afastado deste nosso Território Poético, em termos de escrita mas não de consulta e leitura.
Estaremos juntos em 22/Dezº., concerteza, pelas 19.45h . Saudações amigas ).
almas vivas se engalanam,
pairando no espaço e na Terra,
em extremo fulgor , contagiante alegria.
Seres vivos que tropeçam
na Glória de um nascimento "mágico",
longínquo, de há 2000 anos atrás!...
Nasceu um Menino, chamaram-lhe Jesus,
tolerante, lutador, pacifista, controverso,
que lutou por um mundo diferente,
melhorado, benfazejo,
já então um mundo repleto de radicalismos
e povoado de imensas injustiças e déspotas!
Assim nasceu e cresceu Cristo Homem,
humilde e sonhador,
tendo a paz como única ambição,
lutando pela igualdade dos homens,
mas também pelo amor e concórdia duradoira...
Tão poucas ambições e tão desmedidas!...
.....................................................................
Todos nós nos transfiguramos em Dezembro,
todos os anos, espontaneamente,
irmanados por uma espiritualidade envolvente,
por uma amizade "pueril", quase ilógica,
mas despida de preconceitos,
desconcertante mas fisiológica,
e absolutamente real e paradigmática.
Assim nos procuramos alcandorar aos Céus,
como se lá estivessem todas as soluções
para os nossos descontentamentos
e outras tantas e tamanhas frustrações!
Ciclicamente nos transfiguramos todos os anos,
como a pedir uma vez mais um nascimento fulcral,
que fosse ainda mais marcante
do que aquele de há dois mil anos,
confidenciando a nós próprios que tudo seria diferente:
- seria uma situação nova,
esplendorosa, única, magnificente,
que criaria um carinho esfusiante
e um caminho apoteótico a não perder!...
Em respeito àquele Menino
e de tanto Nele pensarmos,
todos os anos nos transfiguramos, por tempo curto,
em auto-confissão absurda, contudo ponderada,
com a linear promessa de O receber condignamente,
numa próxima vez,
de braços abertos, com frontalidade,
com uma verdade nova, mimos incontáveis,
mesmo um amor supra-fraternal, insuperável...
Prometemos tudo aquilo
que apenas vivemos em Dezembros sombrios,
após um ano de louco trabalho,
conflitos e guerras ainda mais sombrias.
Consequentemente a distúrbios
e à desolação humana,
ambicionamos o Dezembro espiritual do Menino Jesus !...
Todos os anos em Dezembro
prometemos expandir a solidariedade,
agora conseguida sem esforço por ser Dezembro,
simultaneamente embalados pelo Menino
e em homenagem ao Mesmo.
Sentimos que voluntariamente
envergamos com espontaneidade
a roupagem da simplicidade e do altruísmo,
da veracidade e da respeitabilidade
e a negação de toda a conflituosidade!...
.................................................................................
Tudo isto acontece em honra
e por submissão ao Menino,
com festejos apenas em Dezembros sombrios,
quando Ele concerteza,
no auge do seu voluntarismo e do seu fervor,
quiz que fosse criado um Natal de todos os dias,
de todas as semanas, ou sequer de todos os meses!
Mas nós teimamos que o Natal
aconteça apenas em Dezembro...
............................................................................
Assim, para salvaguarda do mundo,
pela perene alegria de todos nós meninos,
devemos olhar à nossa volta,
sangrar a raiva dos cretinos,
gritando sem dó uma revolta
pela frustração de não sermos genuínos!
Assim, teremos que lutar de modo mais profundo,
por Natais mais solarentos,
mais íntimos e mais verdadeiros,
com raiva, amor, constância e maior fragrância,
homenageando os Amigos da paz, os " não matreiros ",
para que abundem Natais mais castos,
num Planeta de maior e radiosa elegância!
Antonio Pinto Oliveira, in " Andanças do pensamento - 12 Temas polémicos",
Livro na forja ( a editar em 2009).
(Peço sinceras desculpas por ter andado afastado deste nosso Território Poético, em termos de escrita mas não de consulta e leitura.
Estaremos juntos em 22/Dezº., concerteza, pelas 19.45h . Saudações amigas ).
Os poemas saem de passagem
Delineou-se um segundo poema que dedico a todo o grupo das quartas-feiras, aos presentes e os ausentes que também recordo com saudade. Mas ( e é sem dúvida o "mas" mais mportante ) o mais precioso liame que nos uniu foi e é a presença e a voz da nossa mais que tudo "prezada" amiga Ana Luísa... que alimenta fogueiras e nos faz arder no lume bravo ou manso dos poemas, de muitos poetas, limando as arestas, polindo as superfícies, fazendo um pouco mais do pouco que ainda somos na arte de poetisar.
Os poemas saem de passagem
"o que fazer quando tudo arde?"
- Poesia
As janelas abrem
os poemas saem de passagem
versos e rimas; ritmos símios
trajectos de lianas nas selvas
da mensagem.
Vertigem sem sinal antes do fim de página
nas costas de um formulário, benefício
exacto de um suspenso final
abrupto se descubro
que se esconde a veia
revolteia o tema
no consumé das palavras, nas saladas
das ideias, ratoeiras de pontes,
vidas e contos, cegonha de fontes,
bacia das baías, promontório,
esquinas das memórias
Rainhas!
Seguem os ventos, a rosa dos sentidos
-sérias ou traquinas as melodias.
farinha de afectos ou castigo,
ironias desfolhadas aos pedaços,
filosofia; jardins, vestidos,
maresia,estrelas, lua,
recantos e cortinas, os contornos
e os traços das Marias!
Pesam de socorros como lastro
os poemas.
Mares de surpresa,
fluido plâncton de diademas,
anémonas e corais, golfinhos
e baleias, coloridos palhaços
tropicais de leme e brânquias.
Melodias de Corelli, paraísos
de túnicas, finas musas
no cintilo de cristais!
Às quartas-feiras os poemas
e as magias, bençãos divinas,
esquiços de traços e linhas,
sensíveis liames imersos
na descoberta das fatias;
bolos de cereja e licores,
lumes vivos, pés mansos razias,
acertos, partilhas unidas.
Quando chega a noite
abrem-se os poemas
um vaso de estrelas
a planta do céu
o aroma dos dias!
Os poemas saem de passagem
"o que fazer quando tudo arde?"
- Poesia
As janelas abrem
os poemas saem de passagem
versos e rimas; ritmos símios
trajectos de lianas nas selvas
da mensagem.
Vertigem sem sinal antes do fim de página
nas costas de um formulário, benefício
exacto de um suspenso final
abrupto se descubro
que se esconde a veia
revolteia o tema
no consumé das palavras, nas saladas
das ideias, ratoeiras de pontes,
vidas e contos, cegonha de fontes,
bacia das baías, promontório,
esquinas das memórias
Rainhas!
Seguem os ventos, a rosa dos sentidos
-sérias ou traquinas as melodias.
farinha de afectos ou castigo,
ironias desfolhadas aos pedaços,
filosofia; jardins, vestidos,
maresia,estrelas, lua,
recantos e cortinas, os contornos
e os traços das Marias!
Pesam de socorros como lastro
os poemas.
Mares de surpresa,
fluido plâncton de diademas,
anémonas e corais, golfinhos
e baleias, coloridos palhaços
tropicais de leme e brânquias.
Melodias de Corelli, paraísos
de túnicas, finas musas
no cintilo de cristais!
Às quartas-feiras os poemas
e as magias, bençãos divinas,
esquiços de traços e linhas,
sensíveis liames imersos
na descoberta das fatias;
bolos de cereja e licores,
lumes vivos, pés mansos razias,
acertos, partilhas unidas.
Quando chega a noite
abrem-se os poemas
um vaso de estrelas
a planta do céu
o aroma dos dias!
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