sábado, 27 de dezembro de 2008

- Casa-se a Menina!

- Casa-se a Menina!


O padre na corda do sino
batina em rodopio de cortina
o vale desperto , o monte papagaio
de ecos repetidos, o alvoroço de ramos
o piado aflito dos bicos pequenos.

As velas reduzem os últimos grãos
sacudidos no saco de orelhas
criando barriga nos assentos
de vazios; nuvens brancas de farinha.

Fim de dia, festa, o sino, o padre e a batina:

Dobra a fivela o eixo do calcamhar
destapa a unha negra do maldito
salpico do turíbolo, pesado bronze
do desiquilíbrio na quina do granito
agora marcado, partido.

Hora especial de missa vespertina:
-Casa-se a Menina!

Filha mais nova de Ti Maria
por sua vez sobrinha do padre Valdevez
pai de três, todas de batina,
à sua vez da Laurinda, Catarina
e da Alzira; crente e bela
mas de outra freguesia.

Entoam-se cânticos
e ninguém diz, ninguém fala
dos anjos de uma só asa.

Outros ecos e a ladainha:
- Casa-se a Menina!

Grita mais alto a hóstia
a sagração do dia
a oração benzida
na hora da eucaristia:
"Corpo de Cristo!" "Ámen!"

- Casa-se a Menina!

Cicuta Pura

Do "Tríptico emocional" e depois da última sessão
decidi só publicar o que recolheu
a melhor aceitação dos meus colegas (quanto ao pastel
que pintei para a apresentação tenho que estudar
um pouco mais de informática para o conseguir
publicar):

Cicuta Pura

Por vezes visto-me de toga branca, acusado
na Assembleia grega de Sócrates.
Do lado de lá nem Platão nem Críton. Só ninguém
e uma chuva de setas de cicuta lançada de canas secas.
Cuido da vista que não se perca, do lado esquerdo
do peito que o veneno não atinja.
Se a chuva cessa sempre palpita um lado.
No meio dos dedos vejo rostos, esgares e
sendo imensa e funda, apago a dor
esperando um, apenas um dia um
mais dia um ... alguém!

sobre(a) a menina

Que não te apague a luz -
que nunca;
sombra, nata de névoa escorre
cega no espelho do império, nas
cataratas espessas da madeira.
Dobram os olhos do pintor real -
no espaço trata uma obcessão,
bando de súplicas para que os teus dias
dialoguem com o sol de uma bandeira.

Que não te canse o lume -
que nunca;
na cauda de menina-luz a cozer ditados
ao animal cioso que cuida belezas.
Bichos quase caseiros - a lareira costurando
o fogo. Que todos te acendam rendados
em pregas de claras cores, modelos
de olhos caprichosos de menina;
esboços e estudos a gris, namorando
a tela-luz do contraste que dominas.

Que nunca! Futuros modernos?
Prendam esses ladrões de ares de altivez,
pois nunca é muito como te vês.
Que nenhum lobo marinho
venha ao sul secar o teu sangue
azul.

Um firme raio - um passo do sol
pincelado séculos atrás, passeia na
na moldura digital na alçada
do hall de entrada do T2.
Pilhas inventam pixels onde sois
princesa, à grande e à castela,
pilhas alcalinas para perpetuar
as meninas,

e a tristeza
de te ver presa
na casa real da
incerteza.

EMBRIAGAI-VOS

A Propósito do pensamento " A maioria das atitudes na época Natalícia, desde a discreta e aparentemente espontânea simpatia de alguém, passando pelos excessos ternurentos simulando mais humanismo a quem se não conhece, acabando nos exageros do hiperconsumismo, mais parece uma forma estranha de uma qualquer embriaguez" - Antonio Pinto Oliveira/2008

- É preciso estar sempre bêbado.
Tudo reside nisso: eis a questão.
Para não sentirdes o horrível fardo do Tempo
que esmaga os vossos ombros,
e vos inclina para a terra,
precisais embriagar-vos sem tréguas.
Mas de quê?
De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa vontade.
Mas embriagai-vos!
E se às vezes, nos degraus de um palácio,
na erva verde de uma vala,
na morna solidão do vosso quarto,
acordardes a bebedeira leve ou curada,
perguntai ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio,
a tudo o que foge, a tudo o que geme,
a tudo o que gira, a tudo o que canta, a tudo o que fala,
perguntai que horas são;
...e o vento, a vaga, a estrela, o pássaro e o relógio responderão:
"São horas de embriagar-se !
Para não serdes os escravos martirizados do Tempo,
embriagai-vos;
embriagai-vos sem parar!
De vinho, de poesia ou de virtude,
à vossa vontade".

( Charles Baudelaire, in " O SPLEEN DE PARIS" - Pequenos Poemas em Prosa, XXXIII prosa , 2007) - poema em prosa publicado em vida em 1864 /1869