quinta-feira, 22 de abril de 2010

língua de poeta




trevas. as janelas de negro

medo. medo de ter medo
medo de ser sombra de ser luz
medo de ser trevo e erva seca
de ser néctar ser veneno

medo.medo -

não há coragem no que digo –

oscilo entre a uva e a vindima
cálice de mosto e vinho de aguardente
perdendo o equilíbrio
como a gravidade lunar num suspensório antigo
elástico, repetido
como um barco sem remos, sem destino
no ritmo de uma onda que se cria.

medo. medo. tenho tanto medo-

uma tesoura aberta sobre um fio
e um grito rouco. um eco distante

boca braço abraço
que me circunda e quebra
o refúgio mais certo de ser náufrago -

ilha. ilha de sal.

medo. medo de não ser
o retrato e o pó
as cartas e o nó
de um laço de palavras. palavras escritas
das que se guardam num relógio de pulso;
uma. uma. uma. uma em cada batida:

ritmo síncope de uma gota a abrir círculos como saída-

o medo. o medo. o medo
de ser lágrima
e ser língua de poeta -

yo tambien soy Garzón

"há um telhado onde o vento vem chorar"
poema de juan kruz igerabide - uma página do meu caderno

afilado es el tejado de mi casa;
llora el viento
llora cuando pasa.


                            Juan Kruz Igerabide


este poema, escrito originalmente em basco e aqui traduzido para castelhano, fala de um telhado como a única parte de uma casa que se avista de muito longe. fala do olhar de uma criança que perdeu a casa no dia em a falange lhe levou os pais. fala de um homem adulto preso na memória de um telhado pousado na linha do horizonte, onde o vento vem intencionalmente chorar. e fala de vidas e de verdades que nem o vento pode esquecer.

raquel patrairca
vinteedois.abril.doismiledez

Suspenso do teu nome





Suspenso do teu nome
Que indelével me retine
Na lembrança sinto
O veludo das tuas mãos
Serenando-me a insónia
Do medo que em criança

Chamava por ti.
Vinhas e então vinha o sono
Para exorcizar o medo
E tranquilizar a noite.

O sonho fazia o resto,
Sorria-me como tu fazias
Com o veludo das tuas mãos
E dos teus lábios pousando
Um beijo na minha testa.

É música o teu nome
Ecoando em mim a harmonia
Desde menino, agora vinda
Da eternidade que te dou.

O medo hoje é a tua ausência
Anoitecendo-me o coração.

(2010.04.21)
José Almeida da Silva

have a nice day




nice, nice day
este é o lema de um desejo.

dia azul de primavera
não cai o sol como casaco de ovelha
não há suor cansado na protecção da sombra.
suspensos sobre tábuas tortas
os aromas de jasmim, muitos e pequenos.

está reunido em cima de uma nuvem o concílio?
concílio de obscura origem nas más profecias?
nos escuros medos dos labirintos? Não, não acredito.

gosto dos teus cabelos e de um sorriso dentro deles –

um lenhador nas florestas de Iguaçu
lança um grito aos pássaros no último golpe do machado
inclina e parte a madeira no ruído farto
mas não cai a árvore, outras esticaram os braços.

ainda a páscoa, ainda as amêndoas de açúcar e licor
um travo gradual de um pouco de álcool –

ainda cedo nas pampas argentinas.
voam os espíritos claros que vivem livres
e são de asas os cavalos, pégasus de crinas
de cascos batidos no lado cardíaco.

não é tarde para a manta de retalhos
a visita das formigas, da joaninha.
a possibilidade de adágios de um carnaval
sem estátuas duras de camille . sobre-

sobre um guardanapo de tecido, biscoitos
tranças doces e uma termos de plástico
chá negro inglês que sempre desperta
um sopro de lábios, um ligeiro fumo
em refluxo, recolhendo de novo o bordo
e o fumo. os dedos . os dédalos de dedos
como crivos frescos de folhas, de folhas –

no brasil do rio as praias longas
no recife corais escondidos
na baía uma dança de saia de palha
um ventre molhado de oriente
solto de samba. as vozes. os ritmos.
uma chuva de gotas. gotas de pés descalços
um círculo sem poeira e um rosto
um rosto que se desenha .

não são verdes mas ruivas as folhas
raios atravessando uma caruma de versos
alinhados, paralelos, incontados, infinitos
e uma, uma caruma, aguda sobre o tornozelo
um som soprano no lóbulo, ao vento -

voou um colibri batendo asas numa acácia.
não voou mas ia jurar. a brisa. os olhos.
a brisa sobre os olhos. a velocidade.
o movimento acelerado. o riso . os cabelos -

nos mares da china anda uma jangada
e por maiores, muitos e medonhos – os medos
se voam os versos é porque há ilhas
e luas e planetas e lagos, lagos de estrelas-


have, have
a nice, a nice day
este, este é o lema de um desejo -

e um sorriso dentro dele -