domingo, 12 de fevereiro de 2012

impredictível



não me perguntes hoje pelas notícias mais presentes
falamos sempre nelas e sempre encontramos pontes, a mesma ideia
sabemos que nos importam, são importantes e fazemos mudanças;
ajudas influências e gritos para que o mundo mude
para que seja iluminista e se torne mais sensível.
possuímos essa ternura de sermos fortes e suportar o sacrifício
de defender com as unhas as almas mais indefesas
as que não seguem linhas por causa de um vento aflito
de árvores caídas, de pedras no caminho
as que olham e param
que olham e param penduradas em fios
que olham os montículos como montanhas impossíveis.
saberemos ajudar e tanto quanto o preciso
possuímos a resistência e a resiliência
a dúctil alma forte dos desertos e dos paraísos –

apesar do prémio nas fotografias que nos parte a alma
falemos hoje da nossa pele e dos nossos medos
sem sofrimento mas clarividentes
porque os mundos são físicos e podem respeitar leis e mandamentos
mas não há mundos perfeitos
e a axiologia humana é incerta, muito imprecisa –

a alma não será nunca de tijolo cozido, argamassa e cimento
a alma como a vemos será dúctil, indizível, de chamas e brasas
como quando nos encontramos entre memórias de oliveiras e juncos
como quando subimos acima, muito acima das colinas
e surge a flecha, a luminosidade grande de himalaias
branca substancial e forte que funde e dobra -

e a alma será dúctil e surpreendida
como quando encontramos um olhar esvoaçante e silencioso
como quando falamos em segredos e em círculos
e trazemos a cor da duplicidade: proximidade e distância
como espuma frágil e onda repetente
desfolhando as folhas de uma árvore
um interior baú de cartas soltas
nos tapetes voadores de Aladino
ou como uma Alice grande e diferente
na mesma altura e de espessura mais profunda
quando o céu é intenso de azul
e silva a luz, silva uma luz destemida
raios reflectidos, raios de mícrons e agulhas;
uma cura pela acupunctura que clarifica a célula
que assassina o vírus e se torna pura –

e será dúctil a alma será dúctil
como quando se evola em fumo e sobe até às nuvens
dobrando-se na carícia de um olhar humano e simples
mas conduzindo, conduzindo as palavras
como uma canoa na extremidade da língua
recolhendo lágrimas pelas ruas
pelas ruas mais largas ou mais escuras
como um hímen, como um hímen que se abre
no domínio de um sangue vermelho
um rio rendido de dúctil
sinuoso e fluido

a impredictibilidade da vida –

falemos pois de nós da nossa pele dos nossos medos.
senta-te, descontrai os cabelos, fecha os olhos, não me vês
senta-te de novo deixa que te beije a nuca
deixa que me sente
deixa que me encoste nos teus joelhos –

josé ferreira 12 fevereiro 2012

entra pela janela o anjo camponês - um poema de Carlos Oliveira


Charles Curran

Entra pela janela
o anjo camponês;
com a terceira luz na mão;
minucioso, habituado
aos interiores de cereal,
aos utensílios
que dormem na fuligem;
os seus olhos rurais
não compreendem bem os símbolos
desta colheita: hélices,
motores furiosos;
e estende mais o braço; planta
no ar, como uma árvore,
a chama do candeeiro.


Carlos de Oliveira In Entre Duas Memórias