sexta-feira, 13 de julho de 2012

queria muito falar-te da evidência



queria muito falar-te da evidência
de se viver pela luz dos dias até à imensidão da noite
porque se de um lado se encontra a finitude das horas acordadas
de um outro nascem sequências complexas,  inexplicadas
e sob velaturas, descansa o infinito, o segredo e o desconhecido –

bem sei, e é repetido todos os dias
na teoria do símbolo químico, tudo se explica. um exemplo:
o rodar dos olhos dentro das pálpebras como a rememoração de realidades
uma conversa inacabada ou a nova roupagem de um mero acaso de cidade  –

mas se assim for não o digas

deixa-me  proteger a sombra dos sonhos
como o verde alto das árvores na tarde mais quente
deixa-me proteger a sombra dos sonhos
como as vinhas estendidas em arco para que se suspendam os bagos;
esse  uso de casas antigas pelos caminhos de Camilo, pelas envolvências do Minho –

se assim for não o digas

engana-me com todos os espelhos
 fecha-me os silogismos de todas as ciências
para que desperte
para que adormeça –

queria muito falar-te da evidência:
o olhar vermelho  –

josé ferreira 13 julho 2012

Escrevia à mão a cidade - um poema de Filipa Leal


                                 Jaime Isidoro


Habitava da cidade
os lugares mais pequenos.

Limpava-lhe o pó,
pintava-lhe os cabelos,
escondia-lhe as rugas
(chegava mesmo a deitar-se
ou a deitar areia sobre as ruas
abertas).

Às vezes chorava-lhe no centro
a ausência,
ou matava-lhe os homens
que corrompiam os homens.
Por fim,
esquecia-lhe as feridas.

Escrevia à mão a cidade
e a cidade escrevia-se
sobretudo
no cinzento
no esquecimento.

Eram tão simples as palavras
da cidade,
mas complexos os amigos
que dela habitavam
os lugares mais pequenos.



Filipa Leal

Talvez os Lírios Compreendam
Cadernos do Campo Alegre, 2004  lido aqui