segunda-feira, 2 de novembro de 2009

"Nevermore!"Caim



Georges Braque "Aria de Bach" 1913


Caim foste e odeio-te por isso
Não o mortífero mas o vazio
De uma louca lobotomia
Um olhar parado de infinito.

Odeio-te por isso quando partiste
Nas mãos grandes de montanha
Nos pés de embondeiro
No cetim cínico da gabardine.
Levavas a gaiola de arame, branca
De lado, protegida por um pano
Onde supuz a cabeça amarela
O bico vermelho e mudo
A ausência de um amigo.

Odeio-te por isso e digo-te agora
Que estavas rodeado de corvos
A sina das aves negras
A história extraordinária
De uma janela, uma noite escura
As palavras fundas:
"Nevermore!" "Nevermore!"

Odeio-te por isso
As saudades daquele rosto
Daquele corpo imenso de planície
Sempre tão calado no olhar de sonho
Batendo tão de leve à porta
Encostada no meu mundo.
O ar franzino de poeta
E tu gozavas as calças coçadas
O veludo gasto da contemplação
Nos pés dos pinheiros, na luz das dunas
Nos crepúsculos poentes, lentamente.

Caim foste quando
Sem rugas nos colarinhos
Ordenaste a confusão das roupas
As poucas fotografias, os muitos livros
E apontaste a porta de saída
Odeio-te por isso.
Saiu tonto,pardo, louro, de tom cinzento
Arrastou as hastes de um desconforto
Nos óculos redondos e disse-te:
“Cuida da ave, obrigado irmão”
E caiu único na estrada

Caim foste.
Levou o ruído dos cacos
O pulmão desfeito dos cigarros
O andar lento dos jardins
Ao encontro dos seres pequenos
Sem juízos, sem certezas, sem caminhos.
Odeio-te por isso e nesse dia
No abraço, na despedida
Despedi-te nele a ti de mim
Qual pássaro alado de rapina.
Guardei-lhe a última lágrima
A mais pura num poema de Sophia.
Odeio-te por isso e para ti
A folha seca do castanheiro
Raiada, longa
O grande ninho de cogumelos
A ilha rodeada de espinhos
Nos casulos abertos, ocos
Odeio-te por isso
De óculos escuros no enterro
Na dor do eco das palavras
Repetidas como setas:
"Nevermore!" "Nevermore!"

Hoje partiste
levaste o cântico da ave.
Tens toda a rua molhada.
Caim foste . Já não existes.

Maria-

Spins imperfeitos

Olá a todos,

Tenho andado em rotações imperfeitas.
A velha desculpa do trabalho.
Perdoem-me a ausência.
Peço imensa desculpa à Ana Luísa pelo
sumiço sem explicação.
Mas fui apanhada pela teia do tempo, do trabalho e
das viagens.
Neste momento estou na Alemanha, em Berlim
e daqui para vocês confesso as saudades e
envio um beijinho e uma imperfeição
inspirada na perfeição:

Se me pedisses aqui
Que dissesse
Do Universo inteiro
Apenas uma asa caída
Saberia explicar-te
Com detalhe
A vertigem deste pássaro
Que me sobrevoa

Se te quisesse explicar
Com todas as pétalas
Diria que da boca cheia de flores
Jardim nenhum
Semearia mais silêncio

Se te prometesse
Verter no mundo os dedos
Como na areia da praia
Saberias que me inundas
sempre na 7a onda