Sentada, era toda joelhos,
numa busca incessante das alcatifadas palavras.
Era milhares de palavras despidas,
e dois: eu e o poema.
Embrulhado longe, em si, em nada,
Em madeiras de chão e memórias,
Vitórias,
perdidas algures no seu chão.
Passei em rolos de pés e pegadas trocadas sem rumo.
Queria-o em mim, para mim, para os outros,
Queria arrancá-lo dos pavimentos onde se afundava.
Queria-o à força em troca de quase nada.
E ele enrolado, escondido, perdido em rastos cruzados.
Enterrava as maos na areia, mas vazias como iam, vazias voltavam.
As minhas garras, a minha fúria, nao lhe interessavam.
Então tentei.
Desamarro lentamente as lages do chão,
descasco as farpas das pegadas em madeira,
Proponho um acordo, uma brincadeira.
Pois se o poema vier hei de o deixar ser livre.
Sem me pertencer a mim, ou aos tapetes em que se esconde.
Sem dono e sem chão.
Há de ser alma, fuga, rebelião.
E todos os poetas hão de saber, que há poemas de alma
outros de ser,
mas que o poema em si não tem pertence,
ou dono, ou chão, ou luz.
Vence.
Maria Inês Beires
Não é meu costume por os meus poemas aqui, nem meu costume é escrever desta forma. Costumo ser mais presa na métrica e rima dos versos. Mas há sempre uma primeira vez para tudo e experimentar não ha de fazer mal!
sexta-feira, 17 de outubro de 2008
O moinho e o coração
Ó moinho a moendar,
ó coração sonhador!
o vento faz-te pulsar,
- o vento é como o amor!
Tu és como um coração
que o vento do amor agita,
- moinho a moer o grão
da sua ânsia infinita...
A moer, triste e obscuro,
de vela branquinha e leve,
tu mudas o trigo escuro
em farinha alva de neve...
E o coração de quem ama,
no sonho que o faz penar,
mói tristezas, e derrama
ilusões de oiro e luar...
A um e outro, idealizo-os
na mesma linda canseira...
- Mudam a dor em sorrisos;
moem da mesma maneira!
São dois moinhos a arfar,
ao sopro que os faz mover...
- Dois moinhos a cantar!
- Dois corações a bater!
Bernardo de Passos (1876-1930)
ó coração sonhador!
o vento faz-te pulsar,
- o vento é como o amor!
Tu és como um coração
que o vento do amor agita,
- moinho a moer o grão
da sua ânsia infinita...
A moer, triste e obscuro,
de vela branquinha e leve,
tu mudas o trigo escuro
em farinha alva de neve...
E o coração de quem ama,
no sonho que o faz penar,
mói tristezas, e derrama
ilusões de oiro e luar...
A um e outro, idealizo-os
na mesma linda canseira...
- Mudam a dor em sorrisos;
moem da mesma maneira!
São dois moinhos a arfar,
ao sopro que os faz mover...
- Dois moinhos a cantar!
- Dois corações a bater!
Bernardo de Passos (1876-1930)
Nu Masculino
Olho-me ao espelho na minha nudez
A barba firme que me enfeita o rosto
Os ombros largos da insensatez
Com que o desejo me consome o gosto
Sou forte, pai, líder, chefe ou herói
Cumpro o destino da força maior
do musculado corpo sem temor
Mostro só força mesmo quando dói
Tudo o que esperam talvez possa dar
O corpo erecto na vida a lutar
Se o meu destino é o penetrar
na dor que vejo sem poder olhar
nos olhos guardo lágrimas em par
mas não me deixam nem sequer chorar!
A barba firme que me enfeita o rosto
Os ombros largos da insensatez
Com que o desejo me consome o gosto
Sou forte, pai, líder, chefe ou herói
Cumpro o destino da força maior
do musculado corpo sem temor
Mostro só força mesmo quando dói
Tudo o que esperam talvez possa dar
O corpo erecto na vida a lutar
Se o meu destino é o penetrar
na dor que vejo sem poder olhar
nos olhos guardo lágrimas em par
mas não me deixam nem sequer chorar!
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